O documento fundador do Catastrofismo
A Teoria Bambolê da História
por MORRIS BERMAN*, no Counterpunch
Acima de tudo, sem fervor.
– Talleyrand
Existe um ritmo curioso nos assuntos humanos, ou talvez mais especificamente, na história do Ocidente. Algum movimento ou ideia surge e todos somos varridos em sua esteira. É isso, então; é a Resposta pela qual estávamos procurando. Todas as respostas anteriores estavam erradas; agora, finalmente, estamos no caminho certo. Com a passagem do tempo, naturalmente, esta nova ideia brilhante perde o brilho, nos trai, ou mesmo resulta em milhões de mortes. Assim, aparentemente, fomos enganados. Mas, espere: aqui está a verdadeira nova ideia, aquela que deveríamos ter adotado desde sempre. Esta é a Resposta pela qual estávamos procurando! Etc.
O escritor norte-americano Eric Hoffer descreveu esta síndrome há cerca de 60 anos em um livro que gerou muito entusiasmo (pelo menos por algum tempo), o True Believer. As pessoas se convertem com facilidade, observou Hoffer; elas mudam de um ismo para o outro, do Catolicismo para o Marxismo para o que quer que apareça no horizonte.
O sistema de crenças segue seu curso, outro toma o seu lugar. O que é significativo é a energia envolvida, não o alvo em particular, que na verdade poderia ser qualquer coisa. O que move este motor é a reafirmação psicológica, a busca por Significado, com S maiúsculo — um sistema de crenças amplo, que explique tudo. Existe um sentimento, não reconhecido, de que sem isso estamos perdidos; que sem isso a vida não tem propósito, a história não tem significado; que ambos (como Shakespeare disse) seriam pouco mais que uma fábula contada por um pateta, cheia de som e fúria, significando nada.
Chamo isso de Teoria Bambolê da História, mas poderia ser chamada de Teoria da Pedra de Estimação ou qualquer outra doideira que conquista nossa atenção por uma semana ou um século. Tem muito em comum com o pensamento cético do filósofo do século 16 Montaigne, que teve grande influência sobre Eric Hoffer e muitos outros.
Em seus ensaios Montaigne indicou que as novas ciências de Copérnico e Paracelso alegavam que as ciências antigas de Aristóteles e Ptolomeu eram falsas. Mas quanto tempo levaria, ele argumentou, até que um futuro cientista aparecesse para dizer o mesmo sobre Copérnico e Paracelso? Nós realmente sabemos a verdade de uma vez por todas?
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Esta teoria, suponho, também pode ser chamada de Teoria da História do Marinheiro Bêbado. Refletindo sobre o primeiro ímpeto da Revolução Francesa, William Wordsworth escreveu: “Felicidade estar vivo naquele alvorecer”. Depois de Robespierre, do Terror e dos rios de sangue que jorraram nas ruas de Paris, no entanto, um sóbrio Talleyrand comentou que o que a raça humana precisava, acima de tudo, era ficar longe do zelo. O caminho da felicidade para a barbárie pode não ser linear, mas parece bastante comum, falando historicamente.
O último tratado da escola Montaigne-Hoffer de história é do acadêmico britânico John Gray, Black Mass. Gray se apropria com liberalidade do trabalho do historiador norte-americano Carl Becker, cujo Heavenly City of the Eighteenth-Century Philosophers (1932) nunca foi sobrepujado como análise da modernidade.
Becker argumenta que a noção de redenção, que se encontra no coração do Cristianismo, foi recolocada pelos filósofos do Iluminismo francês em termos de progresso, de salvação secular. A utopia iluminista, em uma palavra, era a transformação da escatologia cristã na crença do aperfeiçoamento do homem-paraíso na terra, por assim dizer. Seria a Segunda Vinda, a derrota da ignorância e do mal (=pecado) através de conhecimento confiável, em particular da Ciência e Tecnologia
Na visão de Grey, o “fundamentalismo secular” moderno — Jacobinismo, Bolchevismo, Fascismo e, mais recentemente, globalização — resultou diretamente desta transformação. Deu numa missa negra satânica, invertida (isto é, recitada de trás para frente), na qual estas pseudo-religiões todas causaram um mundo de danos.
A ideia comum para todas elas é que o progresso e a perfectibilidade estão ao nosso alcance e podem ser atingidas através de um processo histórico no qual o verdadeiro conhecimento vai derrotar a ignorância (o mal). Assim o mundo e nossas psiques serão salvas em nosso mundo secular moderno, não menos que no mundo cristão medieval, já que a História em si está prenhe de Significado.
Triste dizer, mas as três primeiras destas religiões seculares, com a passagem do tempo, mostraram ser não a Resposta, mas um fracasso de Deus; e a globalização (descontando Thomas Friedman e seus devotos) está na mesma rota, revelando ser um “falso alvorecer”. Naturalmente, diz Gray, quando a globalização e o neoliberalismo forem expostos pelo que são e ocuparem seu lugar no lixo da história, é difícil acreditar que vamos abandonar as noções de progresso, utopia e do Significado da história. Sem chance.
Nós no Ocidente teremos de encontrar outro bambolê, outra pedra de estimação, porque como uma civilização Cristã somos incapazes de viver sem o mito da redenção. Assim, ele conclui, “o ciclo de ordem e anarquia nunca vai terminar”. A tragédia é que nós “preferimos o romance de uma busca sem sentido para enfrentar dificuldades que nunca poderão ser finalmente superadas”. Daí, “a violência da fé parece pronta a moldar o próximo século”.
No presente, não está claro qual será o próximo bambolê; mas não estou certo de que isso importe tanto. Se a escola de análise histórica de Montaigne-Hoffer-Gray estiver correta, o que é certo é que não haverá descarte antecipado do zelo, nem condições de barrar a bebedeira ideológica-religiosa depois do segundo martini, por assim dizer. A palavra “algum” tem pouco significado em um mundo de fundamentalismo secular; para nós, é tudo ou nada. “O homem não consegue fazer uma minhoca”, escreveu Montaigne, “mas faz deuses às dúzias”.
Por ser tudo, de certa forma, uma espécie de shamanismo, uma tentativa de se tornar completo usando mágica. Todos estamos quebrados, afinal; é por isso que a promessa de redenção tem um poder tão grande sobre nós. “Eu sou o que completa”, declarou um shamã Mazateca alguns anos atrás. Tudo se resume a uma tentativa (mal dirigida) de cura, que é reforçcada pela prática tribal (conhecida comumente como pensamento coletivo).
Eu me lembro de ter participado de uma conferência sobre pós-modernismo nos anos 90 e de notar como os seminários eram similares, em forma, com os dos membros do Partido Comunista nos anos 30. Os “nomes sagrados” eram diferentes — citados eram de Man e Derrida em vez de Marx e Lenin — mas os olhos brilhantes e a repetição feito mantra das frases politicamente pré-aprovadas era a mesma. Verdade seja dita, tenho observado o mesmo comportamento hipnótico em todos os tipos de conferências acadêmicas, do feminismo à ciência da computação.
Você assiste, escuta e reflete: quando finalmente vamos acordar? E você sabe a verdade terrível: nunca. Na verdade, deveremos continuar a erigir estátuas a Napoleão, mas nunca, ou raramente, a Montaigne. Isso é claro.
O que me leva à base de tudo, a estrutura do cérebro. O lobo frontal, o neocórtex que governa o pensamento racional e os processos lógicos, é um novato na cena, em termos de evolução. O sistema límbico, que é o centro do impulso e da emoção, está por aí faz muito mais tempo. O conflito entre ambos é talvez melhor ilustrado pelo caso do alcoólatra sentado no balcão do bar, vidrado numa caneca gelada de cerveja diante dele. O neocórtex diz não, o sistema límbico diz vai. Estatisticamente, a maioria dos alcoólatras morre de envenenamento alcoólico ou cirrose; poucos escapam do canto da sereia do sistema límbico. Como Goethe escreveu, “o mundo não é lógico, é psico-lógico”. E isso, me parece, sem nenhum exagero.
Não vamos escapar da devastação da mudança do clima; não vamos escapar dos desastres econômicos e ecológicos que são integrais ao capitalismo global; não seremos capazes de evitar uma crise do petróleo, uma crise da energia e as crises dos alimentos e da água vão se tornar extremas quando a população da terra chegar a 10 ou 11 bilhões na metade do século. Estas coisas não serão resolvidas pela razão, pelo neocórtex, independentemente de quantos artigos sejam publicados sobre estes temas nos jornais e revistas populares.
E certamente eles não podem ser resolvidos pelo cérebro límbico, cuja função é indulgência, não controle. Assim, é uma especulação justa dizer que passaremos a fazer as coisas de jeito diferente apenas quando não houver outra escolha; mesmo então, nós sem dúvidas vamos colocar nossos esforços em alguma nova forma brilhante de bambolê, um sistema de crenças que finalmente será o verdadeiro, depois de todas as largadas em falso; aquele que deveríamos ter adotado desde sempre.
Como chamá-lo? Catastrofismo, talvez. Você pode considerar este artigo seu documento fundador.
*O livro mais recente de Morris Berman é Why America Failed.
PS do Viomundo: Como dizem os norte-americanos, há apenas duas coisas certas na vida, a morte e o Imposto de Renda. E o Leão, convenhamos, não é exatamente o que nos tira o sono.
Comentários
Santayana: As fronteiras políticas se movem na Europa « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] Morris Berman: Depois do neoliberalismo, o Catastrofismo […]
Pedro
Falta história nesse artigo. Será que a aristocracia, quando começou a ver ruir o seu mundo, lá por volta das voltas que os navegadores começaram a dar pelo mundo, não tiveram esse mesmo psicologismo como muleta?
R Godinho
Concordo com a idéia de que a esperança de salvação perpassa toda a arquitetura filosófica do Ocidente. Do marxismo materialista mais empedernido ao mais fanático cristão americano, a idéia da existência de um Mal a ser vencido, de um paraíso a ser conquistado (ou recebido em pagamento por bom comportamento) atravessa o pensamento ocidental de ponta a ponta.
E de que outro modo poderia ser? Como poderiam homens de um tempo ser verdadeiramente revolucionários, no sentido estrito da ruptura absoluta com determinado sistema? Para ficar só na ciência, Copérnico e Paracelso vão além dos antigos, até os renegam, mas fundamentam o que dizem em parte do que herdaram daqueles a quem negam. Galileu e Newton prosseguem nesse contínuo, e assim todos os grandes do século XIX, até que Einstein afinal leva a física ao limite daquelas idéias. Na fronteira de um novo mundo, o grande cientista descortina todo um novo horizonte, mas não pode ve-lo senão como um precipício (e daí dizer que “deus não joga dados”).
Contudo, a boa e velha história – “um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela, indiferente, todo aquele que a negue” – segue seu curso, inexorável curso, que não necessariamente “avança” para algum paraíso. E de novo nos socorremos da ciência: Schrodinger, Heisenberg e outros dão o primeiro passo no admirável mundo novo, a cujas portas Einstein parou, e cunham uma nova física, quântica.
Esse é o fascínio da história dialética: as contradições internas de cada estado de coisas engendram sua própria mudança. E cada novo estado carrega em si os restos do que já foi um dia. Pouco a pouco, ao longo dos últimos séculos, o salvacionismo, o retorno ao paraíso perdido, todas essas noções fundamentais do pensamento ocidental, vêm sendo postas à prova, frente suas próprias contradições. Em algum ponto, esse acúmulo de contradições haverá de se romper. E dessa ruptura emergirá uma nova base de pensamento, que se imporá sobre os restos do salvacionismo.
Não, não estamos condenados pelo sistema límbico a sermos sempre um rebanho de cordeiros em busca de um pastor que nos guie a melhores pastos. A que nos condena é à busca incessante do prazer (no melhor sentido freudiano) e da vida em comum com nossos semelhantes, não mais, não menos. E isto não é nenhuma fatalidade que nos condene eternamente ao salvacionismo e à busca de novas ideologias-bambolê.
Bonifa
O sentido da Redenção como centro dos esforços humanos obedece, no artigo, ao mesmo condicionamento imposto pelo Individualismo a quase todos os pensadores americanos e alguns britânicos. No fundo, o conceito de liberdade individualista dos americanos é o mesmo britânico: todos poderão viver bem, lordes, mordomos e serviçais, desde que conheçam seu lugar e se ponham nele. Esta imposição de colocar o centro dos problemas humanos em termos individuais é o eixo do pensamento anglosaxão, que procura sempre resguardar as possibilidades de que hajam seres superiores e inferiores e, no fundo, raças superiores. Por isso exaltam os reis, mesmo os da Arábia Saudita, enquanto condenam os “ditadores” seculares. Jamais eles se permitirão admitir que a novidade que o Iluminismo trouxe, embora tenha sido gestada em idéias cristãs, foi o conceito de Igualdade entre os homens, conceito fundamental lançado para dentro da Revolução Francesa. Fogem deste pensamento da Igualdade como centro, assim como o Diabo da Cruz. Mas o conceito de Igualdade veio para ficar e todos os dias trava batalhas violentas contra a persistência do individualismo. E vai vencendo passo a passo. Não poderá haver visão de futuro sem o predomínio da Igualdade. Evidente que a Igualdade que se busca não é a de sistemas coletivistas que retiram todo o conceito de liberdade individual. Os iluministas sabiam disso, quando propuseram a busca da Igualdade ao lado da busca da Liberdade. Mas os americanos, além de falsearem a idéia de Igualdade com sua substituição por “igualdade de oportunidades”, ainda falsearam com muita naturalidade o conceito de Democracia, excluindo do poder aqueles que não possam competir com igualdade de condições. No fundo é um sistema que exalta a pirataria. Isso completa o sistema que vem em ondas cíclicas de destruição e construção dentro do desenvolvimento do capitalismo liberal americano. As teorias se superpõem, não destróem as antigas, apenas acrescentam algo mais. O que é cíclico é o capitalismo liberal capitaneado por uma cúpula hegemônica. E que se mostra esgotado, já que não pode ser imposto mais a todos nem pela guerra. E a guerra, semente de renascimento do capitalismo liberal, se mostra também um recurso esgotado, a não ser que ponham em risco a própria existencia dos homens no planeta. O que desanima nosso articulista não é o ciclo da evolução do pensamento humano. É o fim do ciclo do capitalismo liberal.
Marcos W.
Por essas eu acredito que qualquer governo, no Brasil ou em outro lugar, não é exatamente “a redenção”, mas uma continuação, com erros e acertos, com mudanças, novidades e velhas maldades, mas nunca o elixir que tudo cura, como muitos acreditam!
abolicionista
Peço desculpas pela sinceridade, mas, embora o texto seja crônica bem humorada dos tempos atuais, não me parece que contenha muito substância crítica. Explico-me. Antes de tudo, vale notar que aquilo que o autor chama de “Pedra de Estimação” já foi chamado pelos filósofos alemães do século XIX de ideologia. Contudo, ao contrário de Morris Berman, filósofos críticos como Hegel e Marx pensaram com profundidade as complexas relações que se estabelecem entre a ideologia e a realidade.
Em primeiro lugar, as ideologia não são apenas “doideras”, como afirma Berman. Para que uma ideologia conquiste nossa atenção, mesmo que por uma semana, é preciso que algo nela responda a nossas necessidades reais. As ideologias mais poderosas, nesses sentido, são justamente aquelas que mais se aproximam de soluções radicais (para Marx, nunca é demais lembrar, ser radical é ir à raiz do problema). Se eu sair por aí dizendo que Deus é uma almondega gigante que nasceu no fundo da minha geladeira, provavelmente não conquistarei muitos adeptos. É preciso que a Ideologia lide com problemas reais para ser eficiente.
Além disso, a ideologia não é apenas uma consequência das contradições do mundo real. Ela também age sobre o mundo, os conceitos influenciam a história (o resto seria cair na velha determinação segundo a qual a superestrutura é determinada pela infraestrutura). Numa sociedade na qual grupo antagônicos disputam o poder, como a nossa, a ideologia é um instrumento poderoso. Contudo, a ação da ideologia pode ocorrer à revelia das intenções de seus criadores. De todo modo, parece um equívoco terrível pensar, como faz Morris Berman, que as ideologias surgem “ex nihilo”.
Finalmente, o grande equívoco de Berman é tornar todas as ideologias equivalentes. Ao fazer isso, ele adere à mais simplista das ilusões: a de que as ideias são equivalentes, intercambiáveis e estão disponíveis como mercadorias na prateleira de um supermercado. Esse é o ponto em que a ideologia que sustenta o texto de Berman se torna mais frágil: ela rouba nos dados ao negar a diferença qualitativa entre as ideologias. Segundo o texto de Berman, acreditar no Deus almôndega na geladeira do Abolicionista é a mesma coisa que acreditar no marxismo, no dogma da Igreja católica, na física quântica, nos budas tibetanos. Pode parecer que eu esteja exagerando, mas só uma cegueira histórica ou uma ignorância profunda podem justificar que se classifique, por exemplo, os filósofos iluministas como adeptos de um messianismo redentor análogo ao do cristianismo primitivo. Basta ler o “Espírito das Leis” de Montesquieu para derrubar essa tese. Ninguém é mais realista e menos messiânico que Montesquieu. Ademais, não se pode entender o Iluminismo sem levar em conta suas ações concretas, como a alfabetização da população (algo que para o autor da Teoria do Bambolê, não serve pra nada). Enfim, só o transcendentalismo norte-americano pode explicar o desprezo de seus intelectuais pela história. Afinal, além de tudo o que foi dito, é preciso levar em conta que as ideologias perdem e ganham força de acordo com a situação histórica. O declínio do neoliberalismo está aí para provar.
De todo modo, o autor acerta quase sem querer ao afirmar que o catastrofismo é também ideológico. É justamente o tipo de ideologia que serve para rejeitar os conflitos reais do nosso tempo e se colocar na confortável posição de espectador. O especador é aquele que espera para ver o que vai acontecer, é o “voyeur” da história, como Hans Castorp em “A Montanha Mágica”. A pior coisa que pode acontecer com o catastrofista é se dar conta de que a catástrofe já acontece todos os dias: ela é a própria história da sociedade capitalista em sua sanha acumuladora. Tal como o anjo da história de Klee lido por Benjamin, devemos olhar para nosso passado catastrófico e puxar o freio de emergência do trem da história. E nenhuma catástrofe fará isso por nós.
Chamo isso de Teoria Bambolê da História, mas poderia ser chamada de Teoria da Pedra de Estimação ou qualquer outra doideira que conquista nossa atenção por uma semana ou um século.
Mário SF Alves
Bravo! Abolicionista.
Ah! A dialética, e sempre ela, a explicar a dinâmica das ideias, dos textos, das filosofias, das ideologias e do mundo.
Junte-se a ela a REALIDADE e tudo fará sentido; inclusive a transcendência.
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“O mundo não lógico é psico-lógico”. É Eros-Thanatos. É Caos-Ordem.
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“O homem não consegue fazer uma minhoca”, escreveu Montaigne, “mas faz deuses às dúzias”.
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Nosso problema decorre da tentativa vã de frear/engessar a dialética; é transformá-la em dogma. E pior, é pretensa e convenientemente admitirmos uma dialética capada, totalmente contida para que jamais evolua para a síntese.
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Nosso problema hoje é esse, esse pós-modernismo fim-da-História: a ideologia catastrofista de que o mundo já não tem mais jeito:
“Não vamos escapar da devastação da mudança do clima; não vamos escapar dos desastres econômicos e ecológicos que são integrais ao capitalismo global; não seremos capazes de evitar uma crise do petróleo, uma crise da energia e as crises dos alimentos e da água vão se tornar extremas quando a população da terra chegar a 10 ou 11 bilhões na metade do século. Estas coisas não serão resolvidas pela razão, pelo neocórtex, independentemente de quantos artigos sejam publicados sobre estes temas nos jornais e revistas populares.”
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Nessas horas, quando os neurônios dão voltas entorno do eterno caldeirão borbulhante da vida, o melhor é recordar a simplicidade de um Shakespeare: “entre o Céu e a Terra há mais mistérios do que ousa imaginar nossa vã filosofia”.
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Ou, ainda, a generosidade e elegância de um Franco Atirador ao nos brindar com outra chave [chave no sentido de abrir/expandir consciências]: O MONÓLOGO DE HAMLET
Ismar Curi
Oh! Peraí, isso ainda é pessimismo, e como já dizia o mais incrédulo de todos os incrédulos, Friedrich Nietzche: (…) os pessimistas sempre erraram (…) se não a gente não estava mais aqui.
Luis Queiroz
Se eu puder eu vou tentar ler o livro.
Mas as indagações são interessante. Primeiro se não me engano, ele fala da moda ideológica do tempo!
O escritor norte-americano Eric Hoffer descreveu esta síndrome há cerca de 60 anos em um livro que gerou muito entusiasmo (pelo menos por algum tempo), o True Believer. As pessoas se convertem com facilidade, observou Hoffer; elas mudam de um ismo para o outro, do Catolicismo para o Marxismo para o que quer que apareça no horizonte.
Mas eu sei porque isso. É que todas as idéias são boas, independente da verdade, que cada ideia representa. O cristianismo traz a redenção, o Marxismo traz a igualdade, O Capitalismo o sonho de melhorar a vida.
Mas o próprio Cristianismo ele ensina que a corrupção e a concupiscência da carne é que faz de todas as idéias um fiasco. A ganância do Capitalismo, a briga de poder no socialismo a vaidade no comunismo e em todas as ideias, boas sempre vai ter um que desvirtua liza por causa do pecado e muitos tem que reinventar a roda de novo. Não existe ideias Ruins existem homens Ruins.
FrancoAtirador
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O MONÓLOGO DE HAMLET
Ser ou não ser, eis a questão!
O que é mais nobre para o espírito?
Sofrer na alma os dardos e as setas de um ultrajante fado
Ou, resistindo, pegar em armas contra um mar de desgraças,
para por-lhes um fim?
Morrer… dormir… nada mais.
E, com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração
e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne!
Que fim poderia ser mais devotamente desejado?
Morrer… dormir… Dormir!… Sonhar talvez !?!
Sim, eis aí a dificuldade!
Porque é forçoso que nos detenhamos a considerar
que sonhos possam sobrevir, durante o sono da morte,
quando tenhamos nos libertado do redemoinho da vida.
Aí está a reflexão que torna uma calamidade a vida assim tão longa!
Porque, senão, quem suportaria os ultrajes e os desdéns do tempo,
a injúria do opressor, a afronta do soberbo, a angústia do amor desprezado,
a morosidade da lei, as insolências do poder
e as humilhações que o paciente mérito recebe do homem indigno,
se ele próprio poderia encontrar quietude pela ponta de um punhal?
Quem preferiria suportar tão duras cargas,
gemendo e suando sob o peso de uma vida fatigante,
se não fosse o temor de algo depois da morte,
região misteriosa de onde nenhum viajante jamais voltou,
confundindo nossa vontade
e impelindo-nos a suportar os males que nos afligirem,
ao invés de nos atirarmos a outros que não conhecemos?
E é assim que a consciência nos transforma em covardes;
E é assim que o primitivo verdor de nossas resoluções
se estiola na pálida sombra do pensamento;
E é assim que os empreendimentos de maior alento e importância,
com tais reflexões, desviam seu curso
e deixam de ter o nome de AÇÃO.
WILLIAM SHAKESPEARE
(26/04/1564 – 23/04/1616)
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abolicionista
Excelente citação, caro FrancoAtirador, vejo Berman como o príncipe melancólico desses versos antológicos: roído pela dúvida, incapaz de tomar uma decisão e de comprometer-se com o destino do mundo, assombrado pelo fantasma de um pai defunto. Contudo, a melancolia que Berman divide conosco (e por isso seu texto incomoda tanto) pode ser, como em Hamlet, o momento que antecede o gesto de revolta, misto de loucura e heroísmo, o gesto de que todos precisamos.
FrancoAtirador
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Tenho dúvidas, meu caro abolicionista.
Creio que o ‘catastrofismo’ de Berman está mais para o ‘individualismo pessimista’ da ‘Lisboa Revisitada’ do heterônimo de Pessoa
do que para o ‘nihilismo revolucionário’ contemporâneo (sartreano?) da ‘Revolta dos Dândis’ de Gessinger.
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LISBON REVISITED (1923)
(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo…
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
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A REVOLTA DOS DÂNDIS II
(Humberto Gessinger, do Engenheiros do Havaií)
Já não vejo diferença entre os dedos e os anéis
Já não vejo diferença entre a crença e os fiéis
Tudo é igual quando se pensa
Em como tudo deveria ser
Há tão pouca diferença e há tanta coisa a fazer
Esquerda & direita, direitos & deveres,
Os 3 patetas, os 3 poderes
Ascensão & queda, são dois lados da mesma moeda
Tudo é igual quando se pensa
Em como tudo poderia ser
Há tão pouca diferença e há tanta coisa a fazer
Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo
Mas não há mais muito tempo pra sonhar
Pensei que houvesse um muro
Entre o lado claro e o lado escuro
Pensei que houvesse diferença
Entre gritos e sussurros
Mas foi um engano, foi tudo em vão
Já não há mais diferença entre a raiva e a razão
Esquerda & direita, direitos & deveres,
Os 3 porquinhos, os 3 poderes
Ascensão & queda, são dois lados da mesma moeda
Tudo é igual quando se pensa
Em como tudo deveria ser
Há tantos sonhos a sonhar, há tantas vidas a viver
Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo
Mas não há mais muito tempo pra sonhar
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