Santayana: Temos mais o que fazer do que banir trema, circunflexo e hífen

Tempo de leitura: 2 min

 

por Mauro Santayana, no seu blog

Nada contra os gramáticos e seu ofício. Mas esse Acordo Ortográfico com os portugueses sempre pareceu forçado e inútil. Não é a ortografia que separa as duas línguas, o português brasileiro e o português de Portugal. É a própria visão de mundo, que se reflete na língua culta (escrita), e na conversação coloquial.

Durante muito tempo, a comunicação cotidiana no Brasil se fazia com a língua geral, que desapareceu, pouco a pouco, enquanto o português brasileiro se afirmava nos púlpitos, na poesia, nos documentos oficiais. Enriquecida dos vocábulos ameríndios e das línguas africanas, a língua brasileira começou a distinguir-se da que se falava em Portugal,  contaminada, com o tempo, de francesismos e anglicismos.

Entre os grandes escritores portugueses do século 20, destacam-se alguns que viveram no Brasil, e se deixaram influenciar pela nossa linguagem própria, como foram, entre outros, Miguel Torga e Ferreira de Castro. Torga passou a adolescência em Leopoldina, Minas, e Ferreira de Castro viveu dos 12 anos até a idade adulta nos seringais e rios amazônicos. Os dois se encontram entre os maiores escritores portugueses do século 20. E um dos melhores livros sobre a vida amazônica da primeira metade do século 20 é o de Ferreira de Castro, A selva. É na leitura de Saramago e Aquilino Ribeiro, pelos brasileiros,  e de Jorge Amado e Guimarães Rosa, pelos portugueses,  que os dois universos intelectuais se encontram.

O Acordo pode ter agradado aos que o sugeriram e trabalharam na simplificação ortográfica, mas desagradou a grandes escritores de um e do outro lado do Atlântico. Os jornais portugueses, e seus melhores escritores, o rejeitam. Muitos acusam o Brasil de exercer imperialismo cultural e econômico nas negociações do Tratado (vide a imagem que ilustra este post). Em nosso país, fora alguns gramáticos (nem todos) e alguns jornalistas, o desagrado é geral.

Com o abastardamento da linguagem, na redução do vocabulário e na particular ortografia das redes virtuais, uma linguagem escrita que assegure a reprodução exata dos fonemas é necessária, a fim de que se preserve a linguagem e se mantenha a mesma forma culta em todo o território brasileiro.

Sinais gráficos como o trema e o acento circunflexo são indispensáveis para manter a identidade entre as letras e os sons.

A presidente Dilma Rousseff agiu com prudência ao prorrogar por mais três anos a obrigatoriedade do cumprimento do Acordo. Ela atendeu à pressão dos portugueses e dos países da CPLP, mas prestou grande serviço aos brasileiros. Seria o caso de os nossos jornais, que entraram no jogo dos gramáticos, voltarem à ortografia em uso.

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É de se esperar que esses três anos devolvam o bom-senso aos legisladores daqui e “d’além-mar”, para deixar as coisas tal como elas se encontram. Temos mais o que fazer, no Brasil e em Portugal, do que banir o trema, o acento circunflexo e o hífen. E, sem tais recursos, fica mais difícil aprender a falar bem, e a pensar com clareza.

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Comentários

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H. Back™

Será que esse pessoal não tem alguma coisa mais útil prá fazer?

Tomudjin

Se é importante a língua, muito mais é o dialeto.

Carlos

O trema tem sua importância sim. Retirá-lo foi o maior equívoco. O trema identificava a pronúncia da palavra. Era mais prático. Quanto às novas regras do hífen, continuam confusas, não para um gramático ou um entendido. A regra dos ditongos abertos era bem mais fácil de ser aplicada. Foi dividida em duas partes. Agora o homem do povo precisa conhecer se o termo é oxítono ou paroxítono para aplicá-la. A regra do hiato I ou U também se tornou mais complexa. Você precisa conhecer o que é um ditongo. E vai por aí afora…

José Eduardo

Concordo inteiramente! Sempre achei o tal acordo ortográfico uma violência e uma fraude sabe-se lá criada por quais interesses.

Urbano

Perfeito, Santayana! Deveriam tratar de melhorar o sotaque nosso ou o deles. De minha parte, eu prefiro que seja o deles, pois mais das vezes eu entendo melhor um espanhol falando.

Helenice

“Com o abastardamento da linguagem, na redução do vocabulário e na particular ortografia das redes virtuais, uma linguagem escrita que assegure a reprodução exata dos fonemas é necessária, a fim de que se preserve a linguagem e se mantenha a mesma forma culta em todo o território brasileiro.
Sinais gráficos como o trema e o acento circunflexo são indispensáveis para manter a identidade entre as letras e os sons.”

Sinto muito, mas nada mais anti-científico do que esses argumentos do articulista. 1. Falar em “abastardamento da linguagem” é desconhecer que o natural de qualquer língua é a VARIAÇÃO e que o que se faz nas redes virtuais ou em qualquer contexto de uso (mais formal ou menos formal) é adaptar a forma à função. Não é nem nunca será corromper, falsificar a língua.
2. Acreditar que o papel da escrita é “manter a identidade entre as letras e os sons” é algo também totalmente fora de propósito. Se assim fosse, teríamos, dentro do nosso próprio país, uma grande variedade de sistemas de escrita, uma vez que nosso falar muda de região para região. É preciso entender que a escrita NÃO é a transcrição fonética da fala e que, portanto, a reforma ortográfica nada tem a ver com mudança linguística. A falta do trema ou do acento circunflexo não vai obrigar ninguém a mudar a pronúncia de “LINGUÍSTICA” ou a de “VEEM”, por exemplo.
O acordo ortográfico não é nada mais do que isso: simplesmente um acordo para aproximar (nem unificar) a grafia das palavras. Todos nós vamos continuar falando do nosso jeito, apenas grafando algumas palavras de maneira um pouquinho diferente. Diga-se, de passagem, que nas universidades brasileiras já é corrente a nova ortografia.
Vamos voltar?

Bruno S

“banir o trema, o acento circunflexo e o hífen”

Onda no acordo é banido acento circunflexo?

Cagar regra com total desconhecimento de causa é vergonhoso.

Evandro Trigueiro Tavares

Eu só acho que esse proto-acordo era de tão pouca envergadura, isto é, apenas um diminuto número de palavras é alterado que me causa estranheza tanto quiproquó (com trema ou sem trema, that is the question). Quanto aos lusitanos, esse acordo aproxima mais o português brasileiro do português de Portugal do que o contrário. Em suma, me parece que o que há mesmo é uma profunda má vontade. Como os portugueses consideram-se os legítimos donos do idioma, jamais aceitarão uma reforma ortográfica oriunda de uma ex-colônia por mais racional e prática que seja.

Vítiza, O Godo

Alguém aí já ouviu falar em faculdade de gramática?

gramática é só uma norma e nada mais, o cara que vive disso é uma alma vazia, que vive de decorar regras que não mudam (para seu próprio deleite). Em suma, é um chato.

Já o linguista é a figura que deve sempre ser ouvida nesses assuntos e não os gramáticos, porque é o sujeito que estuda o fenômeno da linguagem, sua inseparável relação conosco, humanos, vivos e em constante mudança.

vou resumir, leiam marcos bagno.

    Evandro Trigueiro Tavares

    Gramática é Gramática, Linguística é Linguística. São coisas diferentes que se interpenetram, mas uma não substitui a outra. As regras gramaticais mudam sim com o tempo, por isso existe a Gramática Histórica. O acordo em tela é tão simplesmente ortográfico, não é semântico, não é fonético, não é sintático.

wilson

“Linguagem escrita que assegure a reprodução exata dos fonemas” L˜iguag˜e iscrita qi aseguri a reprodusãu izata dus fonêmas!!!! Realmente é gastar muito tempo sendo contra algo que veio para simplificar. Nenhuma língua garante reprodução exata dos fonemas. Se os patrícios de lá não querem, problema deles. É só parar de chamar acordo ortográfico e chamar de reforma ortográfica, como a que houve no fim dos anos 60. Quem se lembra que somente se escrevia sòmente, que café era café e cafezinho era cafèzinho? Se é pra endeuzar a língua, porque a reforma de 1969? Língua santificada é, por definição, língua de academia de letras. É verdade que nós a temos, mas com mervais e companias é melhor esquecer. Mudar a ortografia é um primeiro passo. Dessacralizar a bruta, o segundo.

Marcelo de Matos

Não sou partidário da estagnação linguística. Penso que as reformas ortográficas são de difícil implementação, mas, nem por isso desnecessárias. Há uma inexplicável má vontade por parte da intelectualidade brasileira com qualquer iniciativa governamental relativa ao uso da língua portuguesa. O projeto do deputado Aldo Rabello de proibição de termos estrangeiros em anúncios foi muito criticado. Entramos em um shopping (?) e nos deparamos com faixas com os dizeres “Sale”, “T-shirt” e outros. Como explicar isso para a criançada? Há dois tipos de intelectuais no país: a turma do chá, que não se interessa por nada e a turma da pimenta, que senta o pau em tudo.

wagner reatto

muito boa observação. concordo plenamente!

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