por Paulo Capel Narvai
A saúde é, para os paulistanos, a principal preocupação, superando a insegurança pública e as dificuldades com o trânsito. Por isso, o tema foi tão destacado na campanha eleitoral que levou Fernando Haddad à Prefeitura. Eleito, FH convidou José de Filippi para cuidar da saúde da capital. O ex-prefeito de Diadema, político experiente e gestor competente, conforme atestam especialistas em administração pública e políticos de todo o espectro partidário, teria sido indicado justamente por isso. Para FH a saúde precisa ser comandada por alguém com esse perfil.
Com essa opção Haddad descartou o que para muitos dos seus apoiadores era a melhor alternativa: o vereador Carlos Neder, ex-secretário de saúde e ex-chefe de gabinete da Prefeita Luiza Erundina. Além de ostentar um currículo com vários mandatos de deputado e vereador, Neder coordenou a montagem da parte de saúde do programa de governo de FH, compondo, pacientemente, as propostas petistas e dos partidos da coligação que elegeu Haddad. Por isso, a indicação de Filippi surpreendeu a todos, dentro e fora do PT. A todos, em termos.
Passada a perplexidade inicial com a opção de FH para a pasta da saúde, as primeiras análises sobre o significado da indicação de Filippi, para além do aspecto relacionado com sua competência administrativa e experiência política, permitem antever como será a gestão da saúde no governo Haddad. Busca-se compreender a preterição de Neder, levando em conta que não haveria objeções relevantes à competência administrativa ou a alguma dificuldade para fazer as indispensáveis articulações políticas e parlamentares, exigidas de qualquer titular da saúde, numa cidade como São Paulo. Neder, reconhecidamente, preenche esses requisitos.
Em síntese, as análises convergem para o fato de que Neder foi vetado, ainda durante a campanha eleitoral, por suas posições sobre o papel das Organizações Sociais de Saúde (OSs) na gestão do setor. O programa do então candidato Haddad propunha fortalecer o denominado “controle social” exercido pela Conferência Municipal de Saúde, pelos Conselhos Gestores e o Conselho Municipal de Saúde e retomar, nos termos da lei, a direção pública da gestão regional e micro-regional do sistema municipal de saúde, reforçando a gestão pública dos serviços públicos municipais de saúde.
Essa posição, relativa ao modelo de gestão e à subordinação das OSs às decisões do comando político sobre o SUS municipal, foi entendida como oposição às OSs, com possibilidades de quebras de contratos e convênios. Foi o que bastou para que, sentindo-se ameaçadas, algumas OSs viessem a público exigir garantias quanto ao seu papel na saúde pública municipal. Não gostaram, basicamente, da pretensão petista de “implementar as instâncias e as ações de controle, fiscalização e auditoria sobre os contratos de gestão de serviços, convênios e parcerias, nos termos da lei”, coisa que não estaria sendo feita. Embora o alvo fossem OSs de araque, meras empresas privadas que nada têm de social, o conjunto das OSs se sentiu atingido e reagiu.
Ainda que o programa de saúde de Haddad mencionasse que se buscaria “adotar a parceria com entes privados sempre que necessária para a complementação da prestação de ações e serviços, conforme previsto na Constituição Federal”, isso não bastou para dissipar temores e pacificar as relações. As OSS vetaram, politicamente, Carlos Neder. Mostraram sua força e deram o tom do que será a saúde no governo FH.
Nesse cenário, o futuro Prefeito terá basicamente dois caminhos para conduzir a gestão da saúde em São Paulo. Um deles, o da fidelidade ao programa da campanha, implica respeitar os trabalhadores da saúde e os movimentos sociais, incluindo as lideranças de usuários do SUS, doentes crônicos e portadores de agravos e condições especiais, colocando-os no centro das decisões sobre o SUS na cidade, em processos democráticos de gestão participativa.
O outro caminho é o da atual gestão, de aberta hostilidade aos trabalhadores do setor e aos movimentos sociais, com as OSS tomando decisões sobre o que fazer, com as consequências sobejamente conhecidas.
É nesse contexto que deve ser compreendida a escolha de Haddad sobre o que fazer na gestão da saúde em São Paulo.
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Paulo Capel Narvai, doutor e livre-docente, é professor titular de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
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Comentários
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Ernesto Aguiar
Não sei o motivo da surpresa. É só olhar o PT do Rio de Janeiro e a cooptação realizada pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB)no que tange às OSs. O PT hoje trai bandeiras históricas, defendendo a privatização da saúde e da educação em troca de alguns cargos.
Seria salutar o Azenha e demais “blogueiros progressistas” analisarem a realidade política de outras cidades e estados, pois infelizmente centram suas análises em São Paulo. Desconfio que temem ter que analisar as ditas esquerdas alojadas no PT e no PC do B, mas contribuiríam muito para uma reflexão sobre o que significa ser de esquerda hoje no Brasil.
Márcio
Pelo amor de Deus, dá vontade largar mão dessa cidade.
É impossível fazer algo, todos os lobbies capturaram a cidade a ponto de inviabilizar qualquer mudança expressiva.
É na habitação, na saúde, nos transportes, no espaço urbano, na câmara!! Chega a dar desespero, os caras estão encastelados em tudo quanto é lugar.
Agora com essa coalizão imeeeeensa. Vai ser só administrar a inércia mesmo…
Só vejo uma saída: movimentos sociais combativos, de enfrentamento e com adesão massiva. Mas aqui em SP? No way…
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