Evans-Pritchard: A varinha mágica para eliminar a dívida dos EUA

Tempo de leitura: 6 min

por Ambrose Evans-Pritchard, no Telegraph, via Resistir.Info, sugestão de ZePovinho

Há uma varinha mágica, afinal de contas. Um documento revolucionário editado pelo Fundo Monetário Internacional afirma que seria possível eliminar a dívida pública líquida dos EUA de uma penada e, em consequência, fazer o mesmo à da Grã-Bretanha, Alemanha, Itália ou Japão. O documento do FMI diz que o truque é substituir o nosso sistema de moeda criada pela banca privada.

Poder-se-ia cortar dívida privada em 100% do PIB, promover crescimento, estabilizar preços e destronar banqueiros, tudo ao mesmo tempo. Isto poderia ser feito de modo limpo e indolor, por ordem legislativa, muito mais rapidamente do que se poderia imaginar.

O truque é substituir nosso sistema de moda criada pela banca privada – aproximadamente 97% da oferta monetária – por moeda criada pelo estado. Retornarmos à norma histórica, antes de Carlos II ter colocado o controle da oferta monetária em mãos privadas com o English Free Coinage Act de 1666.

Especificamente, isto significa um assalto à “reserva fraccionária da banca”. Se os prestamistas forem forçados a providenciar 100% de reservas para dar respaldo a depósitos, eles perdem o privilégio exorbitante de criar moeda a partir do nada.

O país recupera controle soberano sobre a oferta monetária. Não há mais corridas bancárias e menos crescimento e queda nos ciclos de crédito. A prestidigitação contabilística fará o resto. Este pelo menos é o argumento.

Alguns leitores já podem ter visto o estudo do FMI, de Jaromir Benes e Michael Kumhof, o qual saiu em Agosto e a seguir começou a se tornar um culto por todo o mundo.

Intitulado “The Chicago Plan Revisited”, ele ressuscita o primeiro esquema avançado pelos professores Henry Simons e Irving Fisher em 1936 durante a época de fermento de pensamento criativo na última Depressão.

Irving Fisher pensava que ciclos de crédito levam a uma não saudável concentração de riqueza. Ele viu-a com os seus próprios no princípio da década de 1930 quando credores arrestavam agricultores empobrecidos, tomando a sua terra ou comprando-a por uma ninharia no fundo do ciclo.

Os agricultores acabaram por encontrar um meio de se defenderem. Eles impuseram à força, em conjunto, “leilões a um dólar”, comprando de volta as propriedades uns dos outros por quase nada. Qualquer aventureiro intrometido que tentasse um lance mais alto era sovado até partir os ossos.

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Benes e Kumhof argumentam que o trauma do ciclo do crédito – provocado pela criação privada de moeda – tem raízes profundas na história e repousa nos jubileus de dívida nas antigas religiões da Mesopotâmia e do Médio Oriente.

Os ciclos de colheitas levaram a incumprimentos sistémicos milhares de anos atrás, com confisco do colateral e concentração de riqueza nas mãos de prestamistas. Estes episódios não foram causados apenas pela meteorologia, como se pensa há muito. Eles foram amplificados pelos efeitos do crédito.

O líder ateniense Sólon implementou o primeiro Plano Chicago/New Deal conhecido em 599 AC para aliviar agricultores enganchados junto a oligarcas que desfrutavam o privilégio da cunhagem. Ele cancelou dívidas, restituiu terras tomadas pelos credores, estabeleceu preços mínimos para commodities (tal como Franklin Roosevelt) e conscientemente inundou a oferta monetária com cunhagem “livre de dívida” emitida pelo estado.

Os romanos enviaram uma delegação para estudar as reformas de Sólon 150 depois e copiaram as ideias, estabelecendo o seu próprio sistema de moeda fiduciária sob a Lex Aternia em 454 AC.

É um mito – inocentemente propagado pelo grande Adam Smith – que a moeda se tenha desenvolvido como um meio de troca baseado na mercadoria ou ligado ao ouro. O ouro foi sempre valioso, mas isso é outra história. Os amantes do metal frequentemente fundem as duas questões.

Estudos antropológicos mostram que divisas fiduciárias sociais começaram com a aurora dos tempos. Os espartanos proibiram moedas de ouro, substituindo-as com discos de ferro de pouco valor intrínseco. Os antigos romanos utilizaram pastilhas de bronze. O seu valor era totalmente determinado por lei – uma doutrina que Aristóteles fez explícita na sua Ética – como o dólar, o euro ou a linha esterlina de hoje.

Alguns argumentam que Roma começou a perder o seu espírito de solidariedade quando permitiu a uma oligarquia desenvolver uma cunhagem privada com base na prata durante as Guerras Púnicas. A moeda deslizou para fora do controle do Senado. Poder-se-ia considerar isto como o sistema bancário sombra de Roma. A evidência sugere que o mesmo tornou-se uma máquina para a acumulação de riqueza da elite.

A soberania incontestada ou o controle papel sobre divisas persistiram através da Idade Média até que a Inglaterra rompeu o padrão em 1666. Benes e Kumhof dizem que isto foi o começo da era dos ciclos de ascensão e queda.

Alguém pode igualmente dizer que isto abriu o caminho para a revolução agrícola da Inglaterra no princípio do século XVIII, a revolução industrial posteriormente e o maior salto económico e tecnológico alguma vez já visto. Mas deixemo-nos de palavreado.

Os autores originais do Plano de Chicago estavam a responder à Grande Depressão. Eles acreditavam que era possível impedir o caos social provocado por oscilações violentas de ascensão e queda e fazer isso sem comprometer o dinamismo económico.

O efeito colateral benigno das suas propostas seria uma comutação da dívida nacional para o excedente nacional, como que por magia. “Porque sob o Plano Chicago os bancos têm de tomar reservas emprestadas do tesouro para escorar plenamente os passivos, o governo adquire um trunfo muito grande em relação aos bancos. A nossa análise descobre que o governo fica um fardo de dívida líquida muito mais baixo, de facto negativo”.

O documento do FMI afirma que o total de passivos do sistema financeiro dos EUA – incluindo a banca sombra – é de 200% do PIB. A nova regra de reservas criaria uma bonança. Esta seria utilizada por uma “potencialmente muito grande recompra de dívida privada”, talvez de 100% do PIB.

Enquanto Washington emitisse muito mais moeda fiduciária, esta não seria resgatável. Seria uma acção (equity) da comunidade, não uma dívida.

A chave do Plano Chicago era separar as “funções monetárias e do crédito” do sistema bancário. “A quantidade de moeda e a quantidade de crédito tornar-se-iam completamente independente uma da outra”.

Prestamistas privados já não poderiam mais criar novos depósitos “ex nihilo”. O novo crédito bancário teria de ser financiado pelos ganhos retidos.

“O controle do crescimento do crédito tornar-se-ia muito mais directo porque os bancos já não poderiam mais, como fazem hoje, gerar o seu próprio financiamento, depósitos, no acto de emprestar, um privilégio extraordinário que não é desfrutado por qualquer outro tipo de negócio”, afirma o documento do FMI.

“Ao invés disso, os bancos tornar-se-ia aquilo que muitos acreditam que sejam hoje, puros intermediários que dependem da obtenção de financiamento de fora antes de poderem emprestar”.

A Reserva Federal dos EUA ganharia controle real sobre a oferta monetária pela primeira vez, tornando mais fácil administrar a inflação. Foi precisamente por esta razão que Milton Friedman apelou a 100% de reservas de suporte em 1967. Mesmo o grande adepto do mercado livre implicitamente favoreceu a imposição de restrições sobre o dinheiro privado.

A mudança engendraria um impulso de 10% do produto económico. “Nenhum destes benefícios vem à expensas de redução do núcleo de funções úteis de um sistema financeiro privado”.

Simons e Fishcer estavam em voo cego na década de 1930. Faltavam-lhes os modernos instrumentos necessários para processar os números, de modo que a equipe do FMI fez isso para eles – utilizando o modelo estocástico “DSGE” agora de rigor na alta teorização económica, amado e odiado em igual medida.

A descoberta é estupenda. Simons e Fischer são modestos nas suas afirmações. Talvez seja possível confrontar a direcção da plutocracia da banca sem por a economia em perigo.

Benes e Kumhof fazem grandes afirmações. Eles deixaram-me desconcertado, para ser honesto. Os leitores que quiserem os pormenores técnicos podem fazer o seu próprio juízo estudando o texto aqui .

A dupla do FMI tem apoiantes. O professor Richard Werner da Southampton University – que cunhou a expressão quantitative easing (QE) na década de 1990 – testemunhou perante a Vickers Commission da Grã-Bretanha que uma comutação para dinheiro estatal provocaria grandes ganhos em bem-estar. Ele foi apoiado pelo grupo de campanha Positive Money e pela New Economics Foundation.

A teoria também tem críticos fortes. Tim Congdon do International Monetary Research diz que em certo sentido os bancos já estão a ser forçados a aumentar reservas pelas regras da UE, regras Basileia III e variantes folheadas a ouro no Reino Unido. O efeito tem sido sufocar o empréstimo ao sector privado.

Ele argumenta que esta é a principal razão porque a economia mundial permanece encravada próximo da recessão e porque os bancos centrais estão a ter de amortecer o choque com a QE.

“Se você aprovar este plano, ele devastaria lucros da banca e provocaria um desastre deflacionário maciço. Teria de haver QE ao quadrado para compensar isso”, disse ele.

O resultado seria uma enorme mudança no balanço dos bancos do empréstimo privado para títulos do governo. Isto aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, mas aquilo foi o custo anómalo de derrotar o fascismo.

Fazer isto numa base permanente em tempo de paz seria mudar a natureza do capitalismo ocidental. “O povo não poderia obter dinheiro dos bancos. Haveria enorme dano à eficiência da economia”, disse ele.

Poder-se-ia argumentar que asfixiaria a liberdade e entronizaria um estado Leviatã. Pode ser ainda mais irritante no longo prazo do que o domínio pelos banqueiros.

Pessoalmente, estou longe de chegar a uma conclusão neste debate extraordinário. Vamos deixá-lo correr e torcer para que o combate nos revele os argumentos.

Uma coisa é certa. A City de Londres terá grande dificuldade em ganhar a vida se qualquer variante do Plano Chicago chegar a ter apoio amplo.

Ambrose Evans-Pritchard é jornalista

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Comentários

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Matheus

Embora simpatize com a indignação de muitos destes protestos contra o domínio do capital financeiro, acho que muitos deles adotam um tom paranóico, denunciando alguma “conspiração de banqueiros”. Mas não se trata de conspiração, é que a estrutura econômica das nossas sociedades encontra-se profundamente financeirizada. A financeirização foi a resposta à crise do regime de regulação keyneseano. Como se a dinâmica do próprio desenvolvimento capitalista não levasse a crises cíclicas, que exigem uma reestruturação com custos sociais e humanos muito elevados. Não falo nem mais de luta de classes. A situação agora transcendeu isso. Trata-se de capitalismo vs. humanidade.

Daniel

Mas é EXATAMENTE isso que se devia fazer. A pedra fundamental do poder absurdo dos bancos sobre a humanidade está na capacidade “mágica” dos bancos de criar dinheiro do vácuo ao emprestar o que não têm fisicamente. Faça-se com que os bancos só possam emprestar o que de fato tenham que essa loucura financeira acaba nos dias seguintes.

Só que para isso acontecer, teremos – sem meias palavras – que matar os banqueiros antes.

Eduardo Raio X

Eles vão dar é o cano em todo mundo e fazer com os braços o gesto da banana! No pior das hipóteses vão passar a dolorosa(conta) para a totalidade do mundo, fazendo como sempre fizeram aumentando os juros das dívidas de cada país!

Francisco

O único Banco em atividade no mundo chamasse EEUU.

Julio Silveira

A questão é que os States são os donos da varinha magica.
Essa magia que eles querem praticar atenta contra o sofrimento que impuseram as nações que seguiram a carta velha e impôs sofrimento ao seu povo no passado, caso do Brasil.
Essa gente é tão arrogante que não conseguem ver sofrer quem sempre impos sofrimento ao mundo, com suas regras em que meia duzia de donos do dinheiro valem mais que milhões de seres humanos.
Ademais quem garante que passado o perigo não haja uma reviravolta para entregar novamente nas nãos dessa gente o Recursos do mundo, para mais um periodo de sofrimento da maioria. Como sempre eles procuram jogar para o mundo a incosequencias de seus atos, espero que não consigam.

ZePovinho

Foi o FMI quem disse,mizifio Azenha.Parece que a situação está tão ruim que eles(do main stream) já admitem esse heresia.
Outra coisa interesante é que os principais países do mundo estão juntando ouro,como se soubessem que uma grande tribulação financeira vem aí:

http://www.washingtonsblog.com/2012/11/the-emperor-has-no-gold.html

Are Central Banks Overstating their Gold Holdings?

Romania has demanded for many years that Russia return its gold.

Last year, Venezuela demanded the return of 90 tons of gold from the Bank of England.

The German high court recently ruled that Germany must audit its gold reserves held in foreign countries such as the U.S., England and France. And German inspectors will actually travel to the New York Federal Reserve Bank’s gold depository and the Bank of England to inspect their gold.

Germany will also repatriate 150 tons of gold in order to test it for purity……………………….

http://www.washingtonsblog.com/2012/11/china-becoming-gold-superpower.html

China Is Quietly Becoming Gold Superpower
Posted on November 4, 2012 by WashingtonsBlog
World’s Top Gold Producer Holding Onto All of Its Gold

While Western central banks have frittered away their gold, China is quietly building up its reserves.

China is the world’s largest gold producer………

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J Souza

Foi por ter feito algo parecido que mataram o Kennedy…

Mas, bem, teorias conspiratórias à parte, a verdade é que ciclos de crescimento acelerado como o vivenciado desde a década de 90 precisam inevitavelmente ser interrompidos por algum tempo.

Isto porque a capacidade do consumidor de adquirir supérfluos é limitada, assim como são limitados os recursos naturais necessários à sua produção.

E, mesmo quando a capacidade de produção é grande, o preço cai, tornando desvantajoso produzir. Isto leva a novo aumento de preço.

Um período de “recessão”, ou de “acomodação” é necessário no atual modelo econômico.

Uma saída seria criar formas inovadoras de aproveitamento dos recursos disponíveis, tal como a reciclagem, feita ainda de forma tímida, e a criação de ferramentas, como os próprios aplicativos, capazes de absorver a mão-de-obra excedente, que tende a ficar mais barata (e menos consumidora!).

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