Paulo Metri: Os riscos que o Brasil corre no pré-sal

Tempo de leitura: 5 min

Ser nacionalista: estudo de casos

por PAULO METRI*, em 10.09.2012, no Correio da Cidadania

Há anos, ocorre uma confusão imensa entre acarretar alguma expansão da atividade econômica no país, sem se ater às condições inerentes, com ser nacionalista. A expansão, para ser considerada nacionalista, precisa impactar positiva e duradoramente nossa sociedade. Tenta-se explicar o conceito através do estudo de alguns casos.

Caso 1 – Um representante do BNDES proferiu uma das palestras em Seminário sobre Etanol no Rio de Janeiro. Dentre outros pontos, disse que a grande expansão recente da produção de etanol foi graças a expansões de capacidade de subsidiárias de empresas estrangeiras, que passaram a atuar no setor, e o BNDES financiou estas expansões.

Neste ponto, já ouvi, em outras oportunidades, autoridades governamentais dizerem que “hoje, é inconstitucional negar um pedido de financiamento só por ter sido solicitado por uma subsidiária estrangeira”.

Estas autoridades, com a devida vênia, não podem estar corretas. Pode ser que exista, no conjunto de leis abaixo da Constituição, alguma que obrigue este financiamento, mas, na nossa Carta Magna, não existe tal obrigação. Neste momento, trazem sempre a seguinte linha de argumentação.

O artigo 171 original da Constituição, além de distinguir as empresas instaladas no país segundo a origem de seu capital, privilegiava a empresa brasileira de capital nacional nas compras de bens e serviços pelo poder público. A emenda constitucional no 6, de 1995, revogou o artigo 171. Então, para alguns intérpretes da mudança, a emenda acarretou a “proibição de privilegiar a empresa genuinamente nacional”.

Notar que a emenda eliminou a diferenciação de empresas existentes no país, segundo a origem do capital, e a obrigatoriedade de privilegiar a empresa nacional genuína, em nível constitucional. Mas os legisladores não colocaram um artigo substitutivo no local, proibindo o ato de privilegiar.

Então, o que existe hoje em nossa Constituição é um vácuo total com relação a este tópico, permitindo que a legislação infraconstitucional defina livremente o que é permitido e proibido. Erradamente, concluem que, se a obrigação de privilegiar foi cancelada, é proibido privilegiar, o que é ingênuo demais. Mas é a única explicação que imagino para o que ocorre.

Assim, teria sido melhor se o BNDES tivesse negado os pedidos de financiamento da expansão de empresas estrangeiras de etanol. Talvez as tolhesse de entrar no setor e, assim, permitisse o crescimento e a consolidação de grupos nacionais que lá estavam. Nesta situação, o BNDES seria nacionalista.

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Caso 2 – Os leilões de petróleo são causadores de enorme prejuízo para a sociedade brasileira e, portanto, são exemplos claros de falta de nacionalismo. Os leilões e as concessões resultantes são consequências da lei 9478, de 1997, aprovada em pleno governo neoliberal de FHC.

As petroleiras estrangeiras são hoje detentoras, sozinhas ou em parceria, de blocos do território nacional, nos quais vão continuar fazendo perfurações e vão acabar descobrindo muito petróleo. Este será integralmente exportado e, como a referida lei é péssima, a sociedade brasileira receberá somente parcela ínfima da riqueza através de taxação.

Some-se a este fato o prejuízo de que economias estrangeiras, nossas competidoras, serão ativadas com o energético mais eficiente em diversas aplicações. Assim, o uso geopolítico pelo Brasil do seu petróleo é jogado no lixo.

A recente descoberta da Repsol Sinopec Brasil serve, triste e didaticamente, para o povo brasileiro acordar para o prejuízo a que foi submetido pelo governo FHC. Esta descoberta custará ao país 1,2 bilhão de barris do seu petróleo. O bloco marítimo, onde esta gigantesca reserva se encontra, foi arrematado em um dos leilões da sétima rodada da ANP, em 2005, no qual o consórcio ganhador, com a Repsol como operadora, pagou somente US$ 15 milhões pelo bloco.

A expectativa de lucratividade deste arremate pode ser verificada através de conta simples. Cada barril do Pré-Sal dará de lucro, no mínimo, US$ 60, partindo-se de um barril a US$ 100. Se este for maior, o lucro obviamente será maior. Então, o bloco onde está a reserva irá render, no mínimo, 1,2 bilhão de barris vezes US$ 60 por barril, o que é igual a US$ 72 bilhões de lucro, ou seja, cerca de 5.000 vezes mais do que foi gasto com o arremate.

A Petrobrás foi a única responsável pela descoberta do Pré-Sal. Foram os técnicos desta empresa que conceberam o modelo geológico, posteriormente comprovado por ela própria com um poço pioneiro que custou mais de US$ 250 milhões.

Nenhuma petroleira estrangeira se arriscou quando o grau de incerteza era muito alto.

Desta forma, não é justo a sociedade brasileira ficar tendo prejuízo só para honrar contratos assinados por seus representantes legais, porem espúrios, que conseguiram chegar ao poder exatamente através de um complô de entes estrangeiros e forças traidoras locais. Assim, as petroleiras estrangeiras estão dentro da legalidade de uma lei injusta e prejudicial à sociedade.

Ser nacionalista é lutar pela revisão de todas concessões a estrangeiros de áreas de petróleo, assim como do arcabouço legal e institucional brasileiro, que permite esta injustiça.

Caso 3 – No artigo “No pântano da farsa”, do jornalista Leandro Fortes, sobre o vazamento da Chevron no campo de Frade, constante da Carta Capital n. 674 de 25/11/2011, pode-se ler o parágrafo mostrado a seguir.

“Distante da crise em Brasília, uma das primeiras coisas que o delegado Scliar percebeu quando começou a entrar no caso foi a presença irregular de estrangeiros na plataforma da Chevron. Ele suspeita que a petroleira simplesmente ignore os trâmites de migração da legislação brasileira e embarque trabalhadores de fora sem conhecimento das autoridades locais. A companhia nega formalmente essa acusação, mas não vai além disso.

Os advogados da Chevron dedicam-se, nestes dias de turbulência, a consolidar uma tese que poderá lhes ser muito cara quando o assunto chegar às barras da Justiça. A de que o crime, se assim o desastre for definido, não ocorreu no Brasil, mas em águas internacionais. A interpretação não é absurda e tem sido levada em conta pelo delegado Scliar desde seu sobrevoo sobre a mancha.

O Campo de Frade está fora do mar territorial brasileiro, fixado em lei em 12 milhas náuticas (22,2 quilômetros) a partir da costa.

Está, contudo, dentro das 200 milhas náuticas (370 quilômetros) da chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Embora não seja muito provável que aconteça, caso a tese da Chevron vingue, a companhia terá cacife para reverter a cobrança de multas e complicar a ação da Justiça brasileira. Como também poderá se safar dos processos penais e administrativos relativos à presença de estrangeiros em situação irregular na plataforma e nas embarcações de apoio”.

Salvo interpretação errônea, empresas estrangeiras têm escondida na manga, se alguma disputa com o governo brasileiro sob qualquer pretexto ocorra, a possibilidade de declararem que produzem petróleo em águas internacionais.

Como grande limitador está o fato de que elas precisam das bases de apoio no Brasil, senão já estariam explorando na nossa ZEE sem participar de leilão algum. Mas, em uma situação hipotética, em que tenham que pagar multas bilionárias, este argumento poderá ser utilizado.

Preventivamente, o Brasil deveria colocar só a Petrobrás para atuar nesta área. Entretanto, se pressões de governos estrangeiros exigirem leilões de novos blocos marítimos, que é a única justificativa, no meu entendimento, para a persistente existência destes leilões, poderíamos admitir nos leilões só empresas pertencentes a países que aceitam a nossa ZEE.

A matriz da Chevron está nos Estados Unidos, que não reconhecem a ZEE de país algum, pois não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Estar sempre protegendo o interesse da sociedade brasileira é ser nacionalista.

*Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros e do Clube de Engenharia.

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Comentários

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Roberto Locatelli

Fecho com o articulista: é preciso rever TODAS as concessões de exploração de petróleo.

Aliás, é hora de quebrar alguns contratos dos tempos de FHC.

LEANDRO

E vamos imitando os gringos no que eles tem de pior…

“10/09/12 – A PF (Polícia Federal) concluiu um relatório sobre poluição ambiental em que aponta a Petrobras como responsável por poluir o mar ao despejar resíduos resultantes da produção de petróleo em tratamento. “

Euclides

E ainda dizem que o governo do entreguista PSDB, por meio do seu príncipe das cavernas, FHC, é igual ao do PT, Lula e Dilma. É muita má fé mesmo.

Julio Silveira

É o que tenho dito, o FHC foi o presidente brasileiro que mais interesses americanos defendeu no Brasil. Tanto que o Clinton no fim já o achincalhava por medo, de ser cobrado em seu país, de haver no estrangeiro um presidente mais americano que ele, e que deveria lhe inspirar como modelo.

Mardones Ferreira

Só faltou um p.s do Vi o mundo.

Nem precisa dizer que o governo de ”coalizão” do PT-PMDB-Globo mantém intacto esses absurdos que foram perpetrados durante a ”era fhc”: A Era do Entreguismo do Brasil aos Gringos.

O PT tem medo do novo golpe e por isso não muda as regras do jogo favoráveis aos gringos e banqueiros?

Fabio Passos

fhc entregou por US$ 15 milhões um bloco que vai render US$ 72 bilhões…
É uma riqueza fabulosa roubada do povo brasileiro.

Se deixar, o psdb vende a própria mãe… e o PiG anuncia e vibra com o negócio.

fhc deveria ser enforcado em praça pública.

    Dialética

    Mas as línguas dizem que eles todos tem ações de muitas dessas empresas para sustentar gerações. Como faço para levantar eesses dados?

    Ronaldo Pereira da Rocha

    Eu compro a corda!rsrsrs

Xacal: O desafio à soberania brasileira no pré-sal « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] do leitor Xacal, em comentário aqui […]

Helder

FHHC, vai amar gringo assim em Higienópolis, viu…

Jotace

LE BRÉSIL C’EST PAS UN PAYS SÉRIEUX

A frase acima é atribuída a De Gaulle, então o Presidente francês que protegia os piratas do seu país na pilhagem ilicita dos nossos recursos pesqueiros e parece que se consolida ainda mais no decorrer dos tempos. Pois tanto é penoso quanto forçoso admitir como o entreguismo tem vicejado no Brasil desde o primeiro governo de fhc até os dias de hoje. E que cresce com o mesmo viço de um mata-pau que se desenvolve sobre uma árvore, à qual parasita e termina provocando a morte por esgotamento e asfixia. Pois a cada dia se verifica a crescente ausência de qualquer resquício de respeito das nossas mais elevadas autoridades à soberania que juraram defender. O entreguismo tem chegado ao ponto de que até os representantes de falidas nações da Europa ditam as regras de mercado no Brasil, de telefônicas a bancos, de editoras a grandes empresas petrolíferas ou mineradoras. O curioso de tudo é que na vizinha Venezuela as mesmas empresas que operam no campo do petróleo se submetem mansamente a diferentes normas de participação nos lucros da exploração petrolífera. Mais recentemente a patriota Presidente argentina reestatizou a YPF mediante a expropriação de 51% das ações da Repsol, a mesma beneficiária de um contrato de lucros nababesco, como demonstrado no artigo objeto deste comentário. Mas não devemos culpar inteiramente a ‘grande’ mídia corrupta das quatro famiglias pelo que está acontecendo no Brasil pois, de novo, a Venezuela e a Argentina servem de exemplo. Esss nações irmãs contam igualmente com uma imprensa privada a serviço do grande capital e de outros países, e a da Venezuela ataca diariamente e com ferocidade inusitada o governo de Chávez. O artigo do Consultor de Engenharia Paulo Metri deixa clara a necessidade de firmar novas bases da exploração do petróleo por empresas estrangeiras no Brasil. Mas, para isso temos de cobrar outra maneira de atuação do governo em todos os três Poderes em que é constituído, particularmente no Congresso hoje transformado num ninho da serpente. Se não o fizermos, sem dúvida iremos perder no adiante (também) toda a parte do nosso território correspondente à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e com ele, o pré-sal além de muitas outras riquezas naturais nela contidas. Jotace

xacal

Há outras considerações mais escabrosas:

A tese dos advogados experimenta algumas variáveis: O dano ambiental não pode ser delimitado (pela natureza extraterritorial).
Esta tese procurava afastar a competência da vara federal de Campos dos Goytacazes, onde o procurador Eduardo Oliveira agiu com rigor, que para a Chevron é uma afronta. Foi um test-drive, e não deu certo, no entanto, a disputa jurídica revelou alguns pontos preocupantes:

1- Há “boa vontade” de alguns juízes para inaugurar uma “jurisprudência” favorável;

2- O laudo da perícia da PF mostrou que a Chevron, como outras, sabe explorar a disputa que ocorre nas burocracias estatais (briga histórica entre delegados e peritos na PF), isto para não sermos levianos em relação a outros supostos motivos.

Mesmo assim, os passaportes dos executivos continuam recolhidos, o que coloca estes senhores em uma espécie de prisão domiciliar, haja vista que seu direito de retornar a seu país está embargada.

Eles não perdoarão esta ousadia.

Bom, com aquela tese (sobre o dano ambiental) os advogados procuravam desembocar na outra que o texto aventa: que não há como definir os limites da bacia do pré-sal, logo, esta riqueza deveria ser disputada em cortes internacionais, e não sob a égide da nossa soberania e justiça.

Outro movimento que já revelava este apetite: o incidente se deu porque a Chevron tentava “chupar” o pré-sal por um poço paralelo, sem outorga, nem tecnologia.

Quem viu o filme Sangue Negro sabe como a expansão das petrolíferas se deu em terras estadunidenses, quando um proprietário de terras onde havia jazidas criava dificuldades.

Some-se a isto a reativação da 4ª Frota.

Não se assustem se os estadunidenses começarem a “bancar” o delírio separatista de algum lunático como o ex-governador garotinho, obcecado em ser presidente.

A defesa dos royalties para a região, a localização junto a SP, que nunca esqueceu o sonho de 32, e que poderia funcionar como a base industrial de qualquer aventura desta natureza.

É só olhar para a África, Oriente Médio, etc.

Loucura? Eu também acho, mas nem por isto deixo de acreditar…

    Jotace

    Caro Xacal,

    Excelentes suas observações quanto ao caso da Chevron e nas considerações que faz a respeito. Jamais que seriam publicadas pela ‘grande’ mídia…É muito necessário que o espaço que a maioria dos ‘blogs sujos’ concede a nós, brasileiros, seja aproveitado para que os fatos sejam transmitidos como você o fez. Há que lutarmos para excluir pelo voto seletivo os vendepátrias do Congresso e apoiar os integrantes dos demais Poderes quando do correto e integral exercício dos seus mandatos, como justamente o deveriam estar fazendo. Cordial abraço, Jotace

    xacal

    Grato pelos seus comentários generosos, Jotace.

André Dantas

Ah! Para com isso…
Lula governou por 08 anos e Lula já governa a 02 e vamos tomar prejuízo no pré-sal por causa de uma Lei da época de FHC?
Qual o impedimento para que ocorressem as alterações normativas necessárias ao longo desses 10 anos? Que Presidente já teve base mais larga no Congresso que Dilma?
Que FHC fez de tudo para destruir esse país não há dúvidas, mas já passou da hora dos gestores atuais assumirem suas responsabilidades e parar de jogar todo o mal, passado e presente, na conta dos tucanos.
A verdade é que há muito mais semelhanças entre as ações de um e de outro do que os petistas se permitem admitir.

    Jotace

    Perfeito, André, fecho também contigo! A Dilma, como Presidente da vez, deve agir desde logo revendo não só as mais que pródigas absurdas concessões de petróleo às empresas estrangeiras, como romper muitos contratos que ameaçam não só o patrimônio do povo, mas até a segurança nacional como, no caso, demonstrou o Mauro Santayana num importante e fundamentado artigo republicado neste blog. Fecho também contigo…Cordial abraço, Jotace

Paciente

Art. X “Empresa sediada em pais que não assinou o respeito à ZEE não poderá participar de processo de concessão, outorga ou leilão de petróleo”.

Duas linhas e esta resolvido o problema…

O_Brasileiro

Os tucanos são assim… “gênios” como o DD.
Enquanto o PT baixa em 20% em média a tarifa de energia elétrica, com substanciais 28% para a indústria, o PSDB aumenta a tarifa da água em SP, com providencial “desconto” de 0,05% sobre o IPCA.
Parece até piada!
Por pior que um governo do PT possa ser, ainda assim será mil vezes melhor do que um governo do PSDB.
Se o PSDB ainda estivesse no governo, nós já estariamos pagando pedágio para andar de canoa nos rios ou de jangada no mar.

Djalma

Aqui no Brasil, além de vergonha na cara, falta brasileiros de fé.
Está se entregando tudo sem a menor reação, mas, não tem problema, pagaremos a conta, vamos comer o pão que o diabo amassou e é pouco
A mexicanização do Brasil é coisa para um futuro muito próximo.
E ainda se fala dos militares, anti-democráticos, porém, além realizarem muito não venderam o Brasil por trinta dinheiro.
Falo de cadeira, não sou militar nem militarista, sou BRASILEIRO.

    rodrigo

    (…) além (de) realizarem muito não venderam o Brasil por trinta dinheiro(s).

    COMO??? Os milicos não atrelaram a política econômica brasileira aos ditames do FMI??? Bobby Fields diz alguma coisa pra você? Jarbas Passarinho? Delfim Netto. OPA, esse não! Esse é da base aliada…

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