Urariano Mota: Os velhinhos assassinos que arrancavam unhas com pedaço de carne

Tempo de leitura: 4 min

por Urariano Mota, em Direto da Redação

Na semana passada, ao ler no site da Folha a notícia “Justiça determina abertura de ação penal contra militares por crimes na ditadura”, atravessou o meu espírito uma reprovação. Já no primeiro parágrafo se anunciava:

“Militares que atuaram na repressão durante o regime militar (1964-85) responderão a ação penal por supostos crimes cometidos durante a ditadura”.

Por que e como supostos crimes? Não bastam as seguidas e cumulativas provas,  de testemunhas, de documentos, e até entrevistas de réus confessos, para retirar o véu da dúvida? Mas continuava a notícia:

“A Justiça Federal em Marabá (685 km de Belém) aceitou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de ação penal contra o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió (foto acima) , 77, e contra o tenente-coronel da reserva Lício Maciel, 82”.

Depois disso, atravessaram o espírito dois espantos. O primeiro foi ver o quanto o assunto justiça e ditadura havia sido o mais comentado e enviado no site em 30 de agosto. O segundo foi conhecer o gênero e grau de comentários que sob a reportagem se abrigavam, dos raivosos defensores do golpe de 64 aos mais complacentes e pacifistas,  sempre na velha fórmula: para  quê tanta confusão, se tudo é morto e passado?

Não vem ao caso aqui mostrar o paradoxo de quem argumenta que, por um lado, a história da ditadura é ultrapassada, e  por outro, manter a feroz defesa do regime que não mais existe, como se os anos da guerra fria estivessem em uma geladeira. Do necrotério de 1970, talvez. Importa mais agora, entre os comentários cordatos, um apelo que li dirigido aos brasileiros de bons corações, nesta esperta frase:

“Um deles tem 77 anos, o outro tem 82. Não adianta ficar prendendo ex-coronel que fez crimes na ditadura civil-militar. Nossa ditadura foi a mais branda da América Latina, não que eu esteja tentando justificá-la, mas ficar revogando a lei da Anistia pra prender velhinhos é no mínimo covardia. Não sabia que a esquerda queria se vingar de vovôs”.

Vovós, poderia ser dito, para ser mais forte a fragilidade dos velhos coitadinhos. Ora, tenho junto a mim um precioso depoimento de uma senhora que teve a sorte de morar no mesmo edifício do coronel Vilocq, quando ele estava velhinho. Quando ele não mais era uma fortaleza de abuso e violência. Os mais jovens não sabem, mas Vilocq arrastou Gregório Bezerra por uma corda, espancou o bravo comunista sob cano de ferro, e esteve a ponto de enforcá-lo em praça pública em 1964. Quanta força contra um homem rendido e desarmado. Pois bem, assim me contou a privilegiada:

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Muitas vezes, viu a conversarem, em voz amena e agradável, lado a lado, em suas  cadeiras de rodas, Darcy Vilocq e Wandenkolk Wanderley, que moravam no mesmo edifício e destino. Olhem que feliz coincidência, lado a lado, a ferocidade e o terror. Um, Wandenkolk, ex-delegado, que usava alicate para arrancar  unhas de comunistas no Recife; outro, Vilocq, sobre quem Gregório fala em suas memórias. Pois ficavam os dois companheiros a cavaquear, pelas tardes, na paz do bucólico bairro de Casa Forte.

De Vilocq, a minha privilegiada amiga informa um pouco mais, neste brilho de ironia involuntária da cena brasileira: uma empregada doméstica, no prédio em que ele morava,  dizia que Vilocq parecia um bebê, de tão inofensivo  e pacífico na velhice. A ponto de ela brincar, muitas vezes com ele, dizendo: “eu vou te pegar, eu vou te pegar”. O bebêzinho, o velhinho sorria, já sem a força de espancar com ferro e obrigar um homem a pisar em pedrinhas, depois de lhe arrancar a pele  dos pés a maçarico.

Para infelicidade geral, os dois bons velhinhos já não mais existem. O que gostava de unhas com pedaços de carne foi para o céu aos 90 anos, em 2002. O que tentou enfiar no ânus de Gregório Bezerra um cano seguiu para Deus aos 93, em março deste ano. Ficou um vazio nas tardes da história onde mora a minha amiga. Como poderá a justiça humana agora alcançá-los? Com quem brincará a boa moça, empregada doméstica?

Pensemos neles, por eles e para a justiça que não lhes chegou, quando olharmos os idosos e respeitáveis Carlos Alberto Brilhante Ustra, David dos Santos Araujo, Ariovaldo da Hora e Silva, Maurício Lopes Lima, Carlos Alberto Ponzi, Adriano Bessa Ferreira, José Armando Costa, Paulo Avelino Reis, Dulene Aleixo Garcez dos Reis. E outros velhos, muitos outros de Norte a Sul do país, que no tempo de poder foram o terror do Estado no Brasil. Eles ficaram apenas mais velhos, os bons velhinhos assassinos.

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Comentários

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sebastiao

Velhos ou não,enforcaria todos eles com o maior prazer.

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Urbano

Eu ainda infante, com cinco ou seis anos, já ouvia os mais velhos falarem das atrocidades e arrogância do wandenkolk; isso bem antes da trevosidade do vilocq. Na velhice, continuam unidos pela vileza.

Ximene

Até hoje tem velhinho nazista se escondendo….porque sabe o risco que corre se for encontrado… E os ateus que me perdoem, respeito suas convicções e raciocínios, mas acredito que existem “outras instâncias de justiça”, das quais ninguém absolutamente está livre…. aliás, se for de consolo para alguém, imaginem a “recepção” para estas pessoas , por parte daqueles que pereceram por sua culpa e sob suas ordens… Vingança não é uma boa coisa, mas nem todos aceitam oferecer a outra face… Portanto imaginem só o desenrolar da história… Acreditem, no Céu eles não estão…. Abs a todos

verdade

A idade os faz esquecer.
Nós devemos lembrá-los sempre de que mataram e torturaram pessoas usando os aparelhos do estado.

Arlete

Velhos? E daí? Canalhas, sempre canalhas, e as famílias que perderam seus entes queridos? Meu tio ficou preso na Ilha Grande durante muitos meses, e a família sem saber o seu paradeiro. Alguém teve dó deste velhinho? E de outros companheiros? Não se trata de ” olho por olho, dente por dente”, mas de fazer valer a justiça.

Noé

Os judeus continuam caçando nazistas velhinhos e enforcando-os no primeiro poste. Essa alegação de que cumpriam ordens superiores não colou para os nazistas, mas colou para os torturadores no Brasil, que não só ficaram impunes como também os mandantes e colaboradores. Aliás, como tem colaboradores e entusiastas da ditadura por aí! Os governos petistas, dos quais se esperava uma postura mais combativa à impunidade, simplesmente contemporizou com elas. Deve pagar (e está pagando) um preço alto pela leniência com estes crimes.

anac

Os canalhas também envelhecem.

Urariano Mota

Conceição, grato pela republicação do texto. Valeu. Agradeço ainda aos amigos pelos comentários.
Lembro que a tortura é crime imprescritível. A sua punição passa ao largo de olhares caridosos. Não devemos esperar pela justiça dos céus.
Abraço.

Julio Silveira

Acredito que a Ditadura fez parte de um dos piores momentos do Brasil, momento de usurpação dos direitos da cidadania, de congelamento do nosso crescimento e amadurecimento politico. Momento de vergonha para os militares que roubaram a nação quando arbitraram, junto com seus aliados da elite, serem as unicas vozes importantes do Brasil e nossos tutores. Desconsideraram que se existem é por força de um principio constitucional onde os recursos necessarios para sua criação e manutenção vem de todo o povo Brasileiro e não da meia duzia de ricos que se acham os timoneiros ungidos da cultura brasileira. Esqueceram sua finalidade constitucional ao pegarem as armas pagas pelos cidadãos, preparadas para nossa defesa, para atacar nossa propria gente, em nome do interesse desses ungidos. Certamente generalizar nunca foi recomendavel mas esse grupo que teve ascendencia dentro das FAs brasileiras deixou uma grande ferida nela,que precisa ser sanada.

Marcelo Almeida

A ditadura e os militares são duas maiores manchas na história de nosso país.
Hoje, 7 de setembro, até escrevi um texto em “homenagem” a esses caras. Quem se interessar, está no link a seguir:
http://barulhodigital.blogspot.com.br/2012/09/7-de-setembro-eterna-maquiagem-militar.html

emerson57

“foi para o céu aos 90 anos, em 2002. O que tentou enfiar no ânus de Gregório Bezerra um cano seguiu para Deus aos 93, em março deste ano.”
-então tá.
e os bens que os “repressores” (criminosos!)roubaram torturando e matando?
e as generosas pensões que suas filhas solteiras recebem? (não casam nunca!)
ou ainda tem alguém que pensa que os crimes foram cometidos só por amor à pátria?

rodrigo

    maria ribeiro

    Que inveja da Argentina!

Urbano

Sem contar os crápulas que já se foram… e são muitos. Os mandantes e os mandados; e não tem esse negócio de que foi mandado, não. Na época o sargento Sérgio Macaco também foi mandado, mas se recusou. Preferiu a sua integridade de homem verdadeiro. O que já não se pode dizer de quem o mandou.

Jotace

Não há que tentar impedir ou atenuar com os mais variados artifícios a necessária punição para os sórdidos torturadores. Covardes também no seu entreguismo, disfarçados todos de “defensores da civilização cristã e ocidental”. Também não esquecer os colaboradores, não menos sórdidos, como os dirigentes de grandes meios de comunicação, e empresários que lhes deram o necessário apoio. Jotace

Sérgio Troncoso

Grande Urariano, fazia um tempo que não o lia! Sempre o humanista parceiro na estrada do aperfeiçoamento civilizatório…
Um forte abraço.

Elias

“O torturador não comete crime político, não comete crime de opinião, o torturador é um mostro, é um desnaturado, é um tarado, o torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso dos sofrimentos alheios perpetrados por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde o som, morde o som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com o torturador.” Ministro Carlos Ayres Britto, que votou pela revisão da Lei de Anistia, e hoje (setembro2012) preside o Supremo Tribunal Federal.

PS: Esses velhinhos, esses vovôs, nem escoteiros desejam ajudá-los a atravessar a rua.

Alexandre C

Existem outros vovós e vovõs que não tiveram a chance de envelhecer nem conhecer seus netos por causa dos “Curios”…

Eduardo Lima

Velhice não tira a culpa de ninguém. Até Hitler ficou velho.

Bernardino

Concordo inteiramenteCarlos alberto,quem tortura em quaquer circunstancia é frouxo,muitos foram machoes com cachorros -mortos e indefesos,porem ficaram 20 anos no poder e nao fizeram bomba atomica pra soberania do país e so lamberam as botas dos americanos.Patriotismo nao é hastear Bandeira nem cantar Hino.É defender os interesses da naçao,se preciso a BALA
Eu a falei aqui que a cultura portuguesa é frouxa e causa de tudo isso.
Faço exceçao a dois militares guerreiros: LOTT que respeitou a Constituiçao na posse de JK com bravura e o PRES GEISEL,nacionalista dinamizou a Petrobras como presidente dela,reconheceu a CHINA em plena guerra fria 1974,mandando o KISSINGER tomar naquele lugar e por fim Humilhnando o min do exercito FROTA,demitindo-o e fazendo a Abertura Politica que resultou na volta da Democracia

Claudio Machado

Alguém já disse que: Os canalhas também envelhecem

Fernando Alvares

A lei de anistia é uma verdadeira aberração. Feita por ditadores para proteger ditadores.
Não se trata de vingança da esquerda mas de se fazer justiça contra assassinos, estupradores criminosos violentos e covardes, como são todos os criminosos, quanto mais indefesa a vitima, maior a ferocidade, maior a violencia contra ela.
Alem disso, noss sociedade precisa passar este momento de nossa história a limpo, não só para se fazer justiça, mas também para tentar evitar que se repita em algum lugar do futuro

    Valmont

    Fernando Alvares: “… Não só para se fazer justiça, mas também para tentar evitar que se repita em algum lugar do futuro.”

    Este é o ponto. Uma sociedade sem história está condenada a repetir os seus erros.

abolicionista

E as empresas que financiaram a tortura? E a Folha de São PAulo, que emprestou veículos para a Oban, não há como processá-los?

FrancoAtirador

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Como diz o ditado: Os canalhas também envelhecem.

Comparado a esses velhos sádicos, Mengele é santo.
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Carlos Alberto Alves Marques

Alguns velhinhos são apenas grandissíssimos fdp que envelheceram.

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