Venício Lima: Tentando calar o contraponto

Tempo de leitura: 4 min

PESOS & MEDIDAS

Os falsos paladinos da liberdade de expressão

Por Venício A. de Lima em 31/07/2012 na edição 705

 no Observatório da Imprensa

Chegou ao conhecimento público, no último mês de fevereiro, que o jornalista Celso de Castro Barbosa fora demitido pelo editor da Revista de História da Biblioteca Nacional (RHBN) após divergências relacionadas à publicação, no site da revista, de uma resenha sua sobre o livro A Privataria Tucana. Pouco tempo depois, o próprio editor da RHBN, historiador Luciano Figueiredo, foi demitido. Em junho, o Conselho Editorial da RHBN, formado por conceituados intelectuais, anunciou sua renúncia coletiva.

Todo o episódio permanece nebuloso.

Logo após sua demissão, o jornalista Celso de Castro Barbosa disse à CartaCapital: “Fui censurado e injuriado”. A matéria, sob o título “Resenha de ‘A privataria tucana’ causa demissão de jornalista na revista da Biblioteca Nacional”, comenta:
Barbosa destaca que a remoção do texto ocorreu apenas “após o chilique do PSDB” em 1º de fevereiro, nove dias depois da publicação em destaque na primeira página do site da revista. O motivo seria uma nota divulgada em um jornal carioca, segundo a qual a cúpula do partido estava “possessa” com a revista, tida pela legenda como do governo.

A evidente pressão externa fez com que o jornalista recebesse um chamado do editor-chefe da publicação, Luciano Figueiredo, naquele mesmo dia. “Ele [Figueiredo] disse concordar com quase tudo que havia escrito, mas o Gustavo Franco [ex-presidente do Banco Central no governo FHC] leu, não gostou e resolveu mobilizar a cúpula tucana”.

Para conter o movimento, relata, o editor-chefe se comprometeu a escrever uma nota assumindo a culpa pela publicação do texto. “Eu disse: ‘Culpa de que? Ninguém tem culpa de nada. É uma resenha de um livro.” (…) Inconformado com a resenha, [o presidente do PSDB, Sérgio] Guerra chegou a enviar cartas de protesto à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e a Figueiredo. Outros tucanos alegaram que a publicação era pública, trazia os nomes da presidenta Dilma Rousseff e de Hollanda no expediente e recebia verba da Petrobras. Logo, deveria se manter isentada de questões políticas. (…) [ver aqui a íntegra da matéria].

A representação na PGE

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Relembro este episódio motivado pela representação que o PSDB protocolou no último dia 23 de julho na Procuradoria Geral Eleitoral com o objetivo de “denunciar a utilização de organizações, blogs e sites financiados com dinheiro público, oriundo de órgãos da administração direta e de estatais, como verdadeiras centrais de coação e difamação de instituições democráticas. Da mesma forma, pretende-se denunciar a utilização de tais blogs e sites como instrumento ilegal de propaganda eleitoral”.

Baseada em matérias jornalísticas publicadas na revista Veja, e nos jornais O Globo e na Folha de S.Paulo, a representação denuncia (1) a utilização de blogs e sites “para desmoralizar o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do ‘mensalão’”; (2) a conclamação de organizações para defender réus da Ação Penal 470; e (3) a utilização de blogs para “fazer propaganda eleitoral para candidatos apoiados pelo Partido dos Trabalhadores”.

Conclui a representação que “as notícias (…) transcritas revelam claramente a prática de atos ímprobos e de ilícito eleitoral consubstanciados, não só em atentado aos princípios da administração pública, mas principalmente no recebimento indireto de doação por meio de apoio e publicidade custeada com o desvio de recursos públicos, sendo necessária a apuração dos fatos e a punição dos responsáveis na forma da lei” – e requer, especificamente:

a) apurar as fontes públicas de financiamento/receita das empresas e pessoas físicas (…) em especial da empresa PHA Comunicação e Serviços S/C Ltda., inscrita no CNPJ sob o nº 01.681.373/0001-38 e da empresa Dinheiro Vivo Agência de Informações S/A, inscrita no CNPJ sob o nº 58.732.710/0001-96;

b) apurar o desvio, ainda que indireto, de recursos públicos para a propaganda eleitoral de candidatos apoiados pelo Partido dos Trabalhadores – PT;

c) instaurar investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade [ver íntegra aqui].

Alguma novidade?

O comportamento antidemocrático de certos setores que se apresentam publicamente como defensores da democracia não constitui exatamente uma surpresa para quem acompanha a vida política do nosso país. Historicamente, o “liberalismo” brasileiro tem convivido, sem qualquer constrangimento, com posições não democráticas.

Não surpreende, portanto, que a defesa da liberdade de expressão – indevidamente associada à liberdade da imprensa – se caracterize por ser marcadamente seletiva. Quando se trata de opiniões divergentes, a resenha deve ser retirada do site (como aconteceu na RHBN) e/ou elas passam a ser consideradas como “coação e difamação de instituições democráticas”.

Tampouco surpreende que exista um posicionamento seletivo em relação ao financiamento público de veículos de comunicação. Como se sabe, entre nós o grande financiador da mídia tem sido o Estado, diretamente através da publicidade e/ou indiretamente através de financiamentos, empréstimos, subsídios, isenções fiscais etc., etc. [ver, neste Observatório, “Quem financia a mídia pública?” e “Quem financia a mídia privada?”]

Não consta que tenha incomodado a esses setores – que agora protocolam representação junto à Procuradoria Geral Eleitoral – o apoio editorial e “jornalístico” explícito a candidatos de oposição que tem caracterizado o comportamento de boa parte da grande mídia em períodos eleitorais recentes [cf., por exemplo, Venício A. de Lima, A Mídia nas Eleições de 2006; Editora Perseu Abramo, 2007]

O contraponto dos “blogs sujos”

O professor Bernardo Kucinski argumenta que o surgimento da Última Hora, no segundo governo Vargas (1951-1954), “constitui o único momento na história da imprensa brasileira em que tanto a burguesia como o campo popular constituem um espaço público por intermédio de grandes veículos de comunicação e debatem nesse espaço com armas equivalentes”.

E continua:

“(…) em todos os outros momentos da vida brasileira o que temos é um espaço público uniclassista, elitista e estreito, a ponto de se desenvolver um espaço público alternativo, menor, contra-hegemônico, constituído por pasquins, no século passado [19], pelos jornais anarquistas, no começo deste século [20] ou pela imprensa alternativa, nos anos 70, quando então o espaço público alternativo torna-se o único espaço público, tal era a identidade e coincidência de interesses entre o estado e a burguesia” [cf. A Síndrome da Antena Parabólica, Editora Perseu Abramo, 1998].

Os “blogs sujos” estão de facto se transformando em importante contraponto ao discurso homogêneo da grande mídia dominante.

Essa talvez seja a grande novidade.

E isso, sim, parece ser intolerável para alguns setores – falsos paladinos – que ostentam publicamente a bandeira da liberdade de expressão e da democracia entre nós.

***
[Venício A. de Lima é jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, de Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012]

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Comentários

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ISABELLA

Parece que ainda estamos na ditadura militar, só que agora é Psdb contra a liberdade de expressão dos “outos”. Só eles podem acusar, julgar e condenar.

Elias

Jornalistas da grande imprensa interagem com criminosos e não são demitidos. A própria grande imprensa publica fichas falsas, planta notícias mentirosas, manipula pesquisas e não é incriminada. E de repente, uma simples resenha do livro A Privataria Tucana publicada no site da Revista de História da Biblioteca Nacional causa todo esse alvoroço. Alvoroço, não! É golpe mesmo. Caíram o jornalista Barbosa, o editor Figueiredo e todo o Conselho Editorial. Esses opositores fascitas querem a liberdade de expressão pra eles, querem a democracia ao estilo deles, querem pra eles um poder brasiguaio que tanto admiram e apóiam.

Apolônio

Dona Erenice Guerra teve seu processo arquivado. Agora ela pode manifestar.

    Willian

    E pode ser reconduzida ao governo. Será? Se não, por quê?

    Marianne

    Pelo mesmo motivo pelo qual você não se separaria de sua nova esposa para voltar com a antiga, só porque descobriu que era mentira que a antiga esposa o traía. E, mesmo se fizesse isso, o casamento não seria mais o mesmo.

mello

Muito boa a menção ao saudoso jornal Ultima Hora….Os blogs sujos vieram em Boa Hora !!

Julio Silveira

Me informem uma coisa, pro cara palida entender, essa Revista de História da Bibliteca Nacional é de responsabilidade da Biblioteca Nacional né? Que por sua vez é tutelada pelo Governo Federal, tô certo? Se for, então por que o governo federal faria uma coisa dessas contra democratas que tem fé na expressão liberdade de imprensa? Será que é pretenção ao premio Belford Duarte de fair Play entre adversários. Ou é mais que isso, é uma forma de evitar algo que pode incomodar a todos por ser habitual a todos e que só foi exposto por que reporteres trouxeram a tona modus operandi dessa podre politica brasileira, mas que não há nenhum interesse em movimentar essa lama toda? gostaria de entender. Por favor digam que estou viajando na maionese. Por que para mim é inexplicavel demitir pessoas por fazerem um resenha de um assunto serissimo, “Privatas do Caribe” ou Privataria Tucana, que as autoridades, em geral, parecem preferir colocar um sofa em cima para abafar.

Gerson Carneiro

Revista Veja foi condenada a indenizar Déda do PT em R$ 200 mil por calúnia.

A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe aprovou, por unanimidade, a condenação da revista Veja a pagar R$ 200 mil ao governador Marcelo Déda e com direito a valores atualizados em função da publicação de uma matéria veiculada sob título “Micareta picareta”, em maio de 2006.

http://senoticias.com.br/se/?p=38024

Saulo Machado

Azenha, um botão para compartilhar no Google+ ajudaria no Viomundo…

Pedro Luiz

É o gjeito psdb(LETRA MINUSCULA) democrático e de livre pensamento.Nada de novo.PSDB combina com tudo isso e muito mais.

Fabio Passos

Os tucanos perseguem e mandam demitir jornalistas… e agora querem censurar a internet.
O desprezo dos tucanos pela liberdade de expressão é evidente.
O único compromisso dos tucanos é com as oligarquias corruptas que controlam a mídia no Brasil: globo, veja, estadão e fsp

A rede é cada dia mais importante… e o PIG cada vez mais irrelevante.
É isto o que incomoda os tucanos. É por isso que tentam censurar a internet.

Roberto Locatelli

Vote na enquete do IG: qual o pior prefeito que São Paulo já teve. Está na página inicial – http://www.ig.com.br

    lulipe

    Eu já votei na “Martaxa”!!!

    Marianne

    Por falar nisso, você se lembra de quanto pagava dessa taxa da Marta, quando ela era prefeita de São Paulo? Porque eu me lembro, pagava R$ 6,00 por mês.

Marat

Vivemos hoje algo peculiar: Um grupo que se julga dono absoluto da verdade, incensado e corroborado em sua “verdade” por quase toda a imprensa, e outro grupo que pretende mostrar que há outros pontos de vista, e que a tal “verdade” muitas vezes não passa de falácia. Tal grupo nem ouvido é, e a imprensa “livre” e “democrática” finge que eles nem existem… Tenebrosos tempos!

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