Vladimir Safatle: A Primavera Árabe e a indignação seletiva

Tempo de leitura: 3 min

por Vladimir Safatle, em CartaCapital

A chamada Primavera Árabe foi, para muitos, o início de um movimento de reafirmação da força de transformação do campo político. Ela teria sido também a prova de que as sociedades árabes não estavam imersas em alguma forma de arcaísmo teológico antimodernizador que se manifestaria através de tendências latentes de constituição de sociedades teocráticas. Como se eles estivessem fadados a viver entre regimes laicos ditatoriais e sociedades que usam a religião como motor cego de mobilização popular.

No entanto, a análise da situação atual do mundo árabe pode parecer desoladora. Por enquanto, quatro países tiveram mudanças de regime: Tunísia, Líbia, Egito e Iêmen. Um quinto está em via de ver a sua ditadura cair, a Síria. Outro que teve grandes manifestações por mudanças, o Bahrein, está cirurgicamente longe dos noticiários internacionais.

Aliado importante do mundo ocidental, sede de uma base militar dos EUA, o Bahrein foi invadido por tropas sauditas a fim de garantir a perpetuação de uma monarquia absoluta. Nada disso causou indignação na opinião pública internacional com sua sensibilidade democrática seletiva e sua tendência a cobrar respeito aos direitos humanos apenas dos inimigos.

Outros países que tiveram manifestações, como o Marrocos, parecem agora imunes a revoltas. Da mesma forma, a pior ditadura teocrática do mundo, aquela que faz o Irã parecer uma democracia escandinava, continua firme com o apoio irrestrito dos defensores ocidentais da democracia. Na verdade, a Arábia Saudita continua sendo um foco de desestabilização de todo movimento democrático na região, já que financia generosamente movimentos salafitas pelo mundo.

Se levarmos tudo isso em conta e olharmos para os países onde a Primavera Árabe desabrochou, teremos a impressão de que o mundo árabe, de fato, tem uma tendência subterrânea à regressão. Na Tunísia, a queda do governo Ben Ali colocou no poder um partido islâmico, o Ennahda. Setores da sociedade tunisiana lutam diariamente para o país não regredir em matéria de laicidade e liberdade de expressão. Grupos salafistas invadem exposições de artes para destruir obras que julgam ofensivas aos preceitos islâmicos, além de paralisar universidades por exigir o direito de mulheres frequentarem aulas de burca.

No Egito, a Irmandade Muçulmana lidera o governo e a frente que ainda luta por tirar os militares do poder. Embora já tenha dito não querer islamizar a sociedade egípcia, é fato que isso não seria necessário: o Egito já é um país onde é possível processar um ator por ele ter representado um papel ofensivo ao Islã, onde cristãos não podem ser governadores de estado ou reitores de universidade e onde tomar uma cerveja em um bar não é exatamente algo simples.

Tal situação nos leva a duas reflexões. Primeira, o que vimos em 2011 foi um ensaio geral. Os grupos que deram início à sequência da Primavera Árabe não eram islâmicos, mas jovens diplomados desempregados e sindicalistas. No Egito, por exemplo, foi o Movimento 6 de abril, composto por jovens das mais variadas tendências, a iniciar o processo de ocupação da Praça Tahir. Esses grupos ainda não encontraram uma forma institucional que os fortaleça. Eles não têm unidade. Na ausência disto, o grupo mais organizado e disciplinado é, no caso, os muçulmanos, que conduz o processo.

A história conhece vários exemplos de revoluções traídas. Tais exemplos não podem ser lidos como meros fracassos, são movimentos duros de compreensão de limites de ação política. A espontaneidade impressionante da Primavera Árabe demonstrou sua força e sua fraqueza. Sua força fica clara quando a revolução ganha. Sua fraqueza aparece quando os embates em torno do saldo da revolução entram em cena.

Por outro lado, é inegável que a força dos movimentos muçulmanos vem principalmente do sentimento de humilhação que os povos árabes nutrem em relação ao Ocidente. Há um ressentimento profundo vindo de promessas de modernização não cumpridas, continuidade de sistemas de influência colonial e xenofobia internacional contra os árabes, muitas vezes tratados implicitamente como “povo terrorista”. Os muçulmanos sabem instrumentalizar bem tal afeto, dando a esses povos um sentimento de orgulho.

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A única maneira de quebrar tal força viria da capacidade de setores dos países árabes em encontrar, dentro de sua própria tradição, correntes que constituam promessas de formas de vida distantes dos preceitos religiosos do islamismo conservador. Isso passa por saber explorar de maneira mais radical o caráter liberal de várias tradições do nacionalismo árabe. A Primavera Árabe aparece como a abertura de uma sequência imprevisível. E a maneira mais certa de garantir o pior é deixando-se tragar pelo imediatismo do derrotismo.

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Comentários

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Tiago Tobias

Leiam “A esquerda que não teme dizer o seu nome”, do Safatle. Não é caro e é um ótimo livro!

ZePovinho

A guerra fria e nem a história terminaram em 1989,mons amis!!!!!

http://www.dailymotion.com/video/xhugy_koursk-un-sous-marin-en-eaux-troubl_news

http://www.voltairenet.org/El-Kursk-torpedeado-por-los

¿El Kursk torpedeado por los Estados Unidos?

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Red Voltaire | 12 de mayo de 2005

Claro que Maurice Stradling nunca creyó en la tesis oficial que explicaba que un torpedo del submarino nuclear ruso había explotado en su compartimiento. En efecto, no es necesario ser experto para saber que los misiles o torpedos modernos no pueden explotar sin activación electrónica. El ex ingeniero de la Royal Navy, especialista en torpedos, que ya había expresado este punto de vista en el documental de Jean-Michel Carré intitulado Le Koursk, un sous-marin en eaux troubles [El Kursk, un submarino en aguas turbias], continúa afirmando que la catástrofe, que provocó la muerte de 118 tripulantes del buque insignia de la flota submarina rusa en agosto del año 2000, fue producto de un torpedo MK-48 norteamericano que habría sido lanzado por el sumergible Memphis, tras el choque de otro submarino norteamericano, el Toledo, con el buque ruso que se habría preparado para responder. Esta catástrofe habría dado lugar a intensos intercambios diplomáticos entre Bill Clinton y Vladimir Putin, mientras que la prensa denunciaba la vetustez de la flota nuclear rusa y la incompetencia de las autoridades.
Desde la primera Guerra Fría, los mejores sumergibles rusos y norteamericanos se entregan constantemente al juego del ratón y el gato a fin de comprobar sus equipamientos de detección y de camuflaje, al no poder comprobarlos de otra forma.

    ZePovinho

    Mais evidências estranhas sobre o Kursk:http://www.jp-petit.org/Koursk/Koursk1.htm

    La vérité sur le naufrage du Koursk

    25 septembre 2003

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ZePovinho

O chamado “choque de civilizações” não passa de uma ideologia montada para roubar recursos dos países árabes.

http://www.voltairenet.org/O-choque-de-civilizacoes

Um plano para ampliar a supremacia americana
O “choque de civilizações”
por Thierry Meyssan

O “choque de civilizações” Paris (França) | 4 de Junho de 2004
A conspiração islâmica e a teoria do choque de civilizações têm sido progressivamente inventadas desde 1990 no sentido de proporcionar ao complexo industrial militar, uma ideologia disponível após o colapso da União Soviética. Bernard Lewis, um especialista britânico sobre o Médio Oriente, Samuel Huntington, um estratega americano, e Laurent Murawiec, um consultor francês, foram os principais criadores desta teoria que justifica, nem sempre de um modo lógico, a cruzada dos EUA por petróleo.

Marcio

“Nada disso causou indignação na opinião pública internacional com sua sensibilidade democrática seletiva e sua tendência a cobrar respeito aos direitos humanos apenas dos inimigos.”

Não é por nada não, mas essa acusação cabe às esquerdas também.

    Rodrigo Leme

    O Irã que o diga…teve progressista que só falta beijar a mão do Ahmadinejad. Deve ter poster no quarto e tudo, amantes da democracia que são.

Willian

Excelente texto, que mostra como o apoio a revoltas pode ser seletivo em razão dos interesses envolvidos. Ainda bem que na blogosfera isto não existe e, apoiar ou condenar revoltas em qualquer parte do mundo, leva em conta apenas o bem estar do povo do país em conflito.

    Rodrigo Leme

    Que nem o irã?

kika monet

Excelente! Nada acrescentar, apenas Aplausos!

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