por Décio Luís Semensatto Jr., Denilson Soares Cordeiro, Márcia Aparecida Jacomini, Marian Ávila de Lima e Dias e Virgínia Junqueira, via e-mail
“Nenhum teste de sociedade justa é tão claro e decisivo como a sua propensão em tributar para desenvolver e sustentar um forte sistema educacional para todos os seus cidadãos.” [John K. Galbraith, A sociedade justa: uma perspectiva humana, p.83]
Todos os que trabalham e se interessam pela construção da universidade pública universal, gratuita e de qualidade sabem que vivemos hoje sob uma política de desqualificação sistemática da atividade docente proveniente, por um lado, da opção política de manter um superávit primário com vistas ao pagamento dos juros da dívida pública e, por outro, da incompetência administrativa do governo para com os assuntos da educação.
Desde 2011, foram feitas insistentes propostas ao Ministério da Educação de revisão do plano de carreira dos docentes das Universidades Públicas Federais, de exigências de cumprimentos dos acordos e prazos para realização de obras de infraestrutura e de constituição de equipes de estudos e discussão para consolidar com qualidade a expansão do ensino superior federal.
Todas as propostas foram invariavelmente desprezadas pelo governo, o que nos levou a instaurar, democraticamente, o processo de deflagração da greve nacional como meio de sensibilização e envolvimento de todos diante de tão emergencial situação. E, como vemos, a adesão é quase total: 56 das 59 universidades federais estão em greve. Docentes, estudantes e técnico administrativos já formam comitês unificados de reivindicação em quase todos os estados do Brasil. Para nós, a greve além de legítimo instrumento de mobilização e reivindicação, é importante ocasião de educação política, de organização das categorias envolvidas no trabalho universitário e de constituição de reflexão crítica coletiva sobre as relações entre educação, sociedade e políticas de Estado.
A greve representa hoje um regime de exceção dentro de outro. É, por isso, uma oportunidade para compreender a conformação que resulta na atual política educacional. A excepcionalidade que a greve instaura permite modificar o ponto de vista a partir do qual nos vemos em permanente atrelamento durante a vigência da chamada “normalidade”. Essa espécie de abalo permite que se ofereçam as condições para pensar de outro modo o curso dos acontecimentos, inclusive as forças que os determinam e as que resultam em consequências. E disso sobressai, inclusive, os sentidos políticos que erigem como “natural” o que na verdade é “escolha”, portanto, construção interessada e orientada por preferências e decisões, dentre outras, de natureza política.
Nosso problema (de todos) tem sido que essa construção do real se pauta por e se caracteriza como um estado de exceção permanente, e se constitui como o paradigma dominante para os governos na política contemporânea. Que outro motivo seria tão determinante do desrespeito sistemático dos direitos humanos em tão variadas e amplas esferas? Que outra razão explicaria que os seres humanos (quando não considerados como meros consumidores) têm se tornado um estorvo em muitos projetos, sejam mercantis, científicos ou políticos?
É disso que se está falando quando se torna “natural” passar a responsabilidade total pela carreira dos docentes, por exemplo, ao departamento financeiro da União. É disso que se trata quando vamos nos acostumando com a precariedade como dado “normal” na Educação brasileira. É contra isso que nos manifestamos quando mudamos o rumo dos acontecimentos instaurando um processo democrático, social e político de reflexão sobre uma ordem que gera incessantemente descalabros e aprofunda cada vez mais o que de pior se produziu em matéria de política e de educação na história.
A circunstância que deixa pessoalmente muitos docentes indignados, seja pela carência ou inexistência de suas bibliotecas, de seus laboratórios, de suas salas de aula, das instalações, enfim, de seus campi constitui-se como um momento no sistema conjunto de uma cultura que desqualifica toda a Educação e, em particular, todo o trabalho docente, cultura na qual, segundo Adorno, “o professor se converte lenta, mas inexoravelmente, em vendedor de conhecimentos, despertando até compaixão por não conseguir aproveitar melhor seus conhecimentos em benefício de sua situação material.”
No entanto, isso deve servir para que cada um, individualmente, compreenda que para além das mazelas imediatas que nos cercam há questões de fundo a determinarem todas essas precariedades, e a ocasião da greve representa o momento oportuno de enxergamos um pouco mais adiante no sentido dessa radicalidade que poderá, se nos mantivermos unidos, constituir uma experiência engrandecedora de luta coletiva e um verdadeiro e inédito avanço das forças educacionais na ainda triste história deste país.
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Nosso apelo, por isso, é no sentido de união, tanto dos docentes quanto de estudantes e técnicos administrativos, de ampliação e aprofundamento do debate, de estudo das propostas e das alternativas, de esclarecimento dos eixos de reivindicação e da consolidação dos canais que têm permitido a formação de uma atmosfera intelectual crítica de atenção para com os meandros decisórios que resultam nas políticas de Estado para a educação e para a universidade no Brasil.
Os autores são docentes da Unifesp: Décio Luís Semensatto Jr. (campus Diadema), Denilson Soares Cordeiro (campus Diadema), Márcia Aparecida Jacomini (campus Guarulhos), Marian Ávila de Lima e Dias (campus Guarulhos) e Virgínia Junqueira (campus Baixada Santista e presidente da Adunifesp-SSind.)
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Marinalva Oliveira: Crise internacional não justifica precariedade nas universidades federais
Comentários
laura
Olá a todos! Sou Docente DE de uma federal. Profa.Adjunta II do DEART/UFRN
Minha posição :
Pude informar-me melhor sobre alguns aspectos referentes ao plano de carreira proposto.
É simplesmente inacreditável. Inaceitável, portanto.
12 horas aula na graduação, mais pós- 16 pelo menos.
Professor doutor ao entrar na Universidade é auxiliar – por tres anos.
Progressão é definida por critérios desconhecidos do MEC( tira-se a autonomia universitária).
Penso que:
1- Não se tem clara até agora a proposta.
2- Isso é a proposta de um escolão.
3-Colocação da universidade sob a “avaliação” por “gestores educacionais” que nada entendem desta.
4-Escalonamento hierarquico e ainda por cima conservador. Novos doutores AREJAM a universidade e devem ser estimulados não oprimidos.
5-Inviabiliza a pesquisa de qualidade.
6- melhorar a proposta salarial, concedendo ,inclusive reajuste IMEDIATO( se pode desonerar a torto e a direito para empresarios,pode aumentar salários- poder de compra da população)
7-Retirar porcentagem restritiva de número de titulares. Vira titular quem tiver competencia e passar em concursos . Realização de concursos periodicos e com datas previamente conhecidas e regulares, de 3 em 3 anos, por exemplo.
8- RETIRAR DA PROPOSTA TODAS AS INICIATIVAS DEFINIDAS PELO GOVERNO acima referidas PARA O PLANO DE CARREIRA.
É preciso URGENTE mudar esses formuladores que estão tratando disto pelo ponto de vista do Governo federal.
Nós temos e devemos fazer uma contra-proposta para negociar.
Abs,
Laurita Salles
DEART/UFRN
Fabio Passos
Paulo Kliass acerta em cheio…
”
No início deste ano o governo anunciou um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União, para assegurar a formação do superávit primário e demonstrar que haveria “seriedade e rigor” no controle dos gastos públicos. Pura balela! Afinal a própria peça orçamentária reserva mais de 40% de suas receitas para o pagamento de juros e serviços da dívida pública. E não custa nada repetir: recursos não faltam! Muito pelo contrário, eles sobram. O problema é que as despesas de natureza financeira são consideradas intocáveis, recobertas por uma espécie de manto de santidade e de cumprimento obrigatório. Essas rubricas são pagas pontualmente, sem nenhum questionamento ou atraso. No outro extremo, vítimas de um tratamento nada VIP, estão as demais despesas governamentais: pagamento de pessoal, benefícios da previdência social, gastos com saúde, despesas com educação, projetos de investimento, etc. Nesses casos a orientação permanece sendo a da má vontade, a do retardamento, a do contingenciamento de verbas. Sempre acompanhados do discurso surrado da “ausência de recursos”.
”
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5691
Fabio Passos
pauloroberto
Gostaria de fazer só uma perguntinha: Se o governo concordar em aumentar os salários e deixar o resto do jeito que está, a greve acaba?
Mário SF Alves
Concordo. A dúvida é pertinente. E, sem querer reproduzir modelos, mas, não seria o caso de se considerar mais atentamente o exemplo dos estudantes no Chile? Afinal, o Chile, assim como o Brasil, são países que até recentemente eram assolados por ditaduras. Só não saberia dizer tanto lá, quanto aqui, somos todos igualmente muitíssimos condicionados por entulhos autoritários.
ZePovinho
http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/contribfont2012a2015.htm
Rendimentos de Capital:
Fundos de longo prazo e aplicações de renda fixa, em geral:
– 22,5% para aplicações com prazo de até 180 dias;
– 20,0% para aplicações com prazo de 181 até 360 dias;
– 17,5% para aplicações com prazo de 361 até 720 dias;
– 15,0% para aplicações com prazo acima de 720 dias;
Fundos de curto prazo:
– 22,5% para aplicações com prazo de até 180 dias;
– 20,0% para aplicações com prazo acima de 180 dias;
Fundos de ações:
– 15%;
Aplicações em renda variável:
– 0,005%;
Fabio Passos
Que loucura.
Um trabalhador que recebe 3 mil cruzeiro/mês paga mais IR que o especulador com seu capital vadio… que só vem usurpar riqueza e não produz um prego.
E aí não tem dinheiro prá investir 10% do PIB na educação…
ZePovinho
“Nenhum teste de sociedade justa é tão claro e decisivo como a sua propensão em tributar para desenvolver e sustentar um forte sistema educacional para todos os seus cidadãos.” [John K. Galbraith, A sociedade justa: uma perspectiva humana, p.83]
Alíquotas do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – a partir do exercício de 2012
http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/contribfont2012a2015.htm
b) nos meses de abril a dezembro
Base de cálculo mensal em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 1.566,61 0 0
De 1.566,62 até 2.347,85 7,5 117,49
De 2.347,86 até 3.130,51 15,0 293,58
De 3.130,52 até 3.911,63 22,5 528,37
Acima de 3.911,63 27,5 723,95
Veja bem,mizifio Azenha,como é injusta a tributação no Brasil.As faixas onde incide o imposto recaem,preponderantemente,sobre os trabalhadores- que ganham salários muito baixos.Ressalte-se que o imposto de renda é um imposto direto,na fonte.Ainda existem os indiretos(sobre consumo),como o ICMS e outros,que levam outra parte do nosso salário para manter o aparato estatal que protege as empresas privadas que mamam no governo:municípios,estados e União.
Devemos falar,também,que se o Azenha,por exemplo,no projeto de Comunismo Lusitano,trouxer dinheiro de Trás Os Montes como INVESTIMENTO não vai pagar nada de imposto de renda:lei da época de FHC.
Então,Presidenta Dilma,que tal aumentar as faixas onde incide o imposto de renda????Que tal isentar quem percebe até 20 mil reais e acabar com o sistema de impostos regressivos que impedem os trabalhadores de consumir(gerando mais empregos) e libera recursos preciosos do Estado para os especuladores ganharem rios de dinheiro com os títulos da dívida pública???Aqui estão os nomes deles:
http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/downloads/dealers/Dealers_1Sem12.pdf
INSTITUIÇÕES CREDENCIADAS A OPERAR COM A CODIP E COM O DEMAB
DEALERS
Período de Avaliação: 10/02/2012 a 31/07/2012
BCO BRADESCO S A
BCO BTG PACTUAL S A
BCO CITIBANK S A
BCO DO BRASIL S A/MERCADO
BCO J P MORGAN S A
BCO SANTANDER (BRASIL) S A
BCO VOTORANTIM S A
CAIXA ECONOMICA FEDERAL/MERCADO
CM CAPITAL MARKETS CCTVM LTDA
HSBC BANK BRASIL S A – BANCO MULTIPLO
ITAU UNIBANCO S A
RENASCENCA DTVM LTDA/BRAD
Referência Legal:
Decisão-Conjunta 18, de 10/02/2010, Ato Normativo Conjunto 26 de 08/02/2012 e Ato Normativo Conjunto 27 de 08/02/2012.
Elza
ZePovinho tava com saudades de seus sábios comentários, ontem (19/07) lembrei que vc tava ausente daqui.Vc disse td que eu penso, mas que não sabia como, mais uma vz um show de comentário.
Olha vendo meu caso nem precisaria isentar R$ 20.000,00, 10.000,00, já melhoraria muito minha carga tributária.
ZePovinho
Eu também sou garfado,Elza.Como muitos sabem,por aqui,sou petista há 10 anos,mas não dá para defender essa carga tributária monstruosa em cima de baixos salários;ainda mais em cima de professores que deveriam ser isentos de tributação.
Também acho que TODO o ensino deveria ser federalizado:da creche à pós-graduação.Isso é investimento.
abolicionista
Isso mesmo, sem falar no imposto sobre grandes fortunas!
josaphat
Como eu sempre digo: O PT nunca teve, não tem e parece que jamais terá uma proposta para a educação brasileira. E é o nosso melhor partido. O que significa que muito menos dos outros pode se esperar alguma coisa.
E vejam só a diferença entre os salários dos professores federais e os de estados e municípios.
O meu sonho é uma grande greve, em todo o país, com todos os professores, municipais e estaduais, parados, com milhões de crianças sem aulas e com os pais sem saber o que fazer com os anjinhos. Só aí, talvez, a sociedade passe a se interessar pela questão.
Julio Silveira
Mas é justamente com isso que eles contam (quando digo eles, antes que hajam revoltas, digo que não há exclusividade no pronome). Com a indiferença dos cidadãos sobre esse problema crucial para o desenvolvimento de qualquer país. Um cidadão sem local para desaguar seus rebentos pode se transformar em um revoltoso contra as vitimas do falido sistema, os docentes, pela falta de expectativa de nas manhãs não terem as escolas para resolver seus problemas.
Fazer o que voce sugere seria ideal se ouvessem pessoas realmente interessadas mas apenas desatentas que precisassem de um chacoalhar para acordar, mas não é isso que se verifica. Vi gente, a principio com cultura educacional, gritar ser contra a greve por que estaria cansado de ver sua vida prejudicada pela paralização. Imaginou isso?
Mariac
Sei não. As escolas viraram creches. Se a greve se torna geral as mães medianas vão criticar as greves e o PIG vai se abastecer.
Mário SF Alves
Só a imprescindível educação política do povo é que irá resolver definitivamente tudo isso.
Uma greve tão prolongada e nenhuma discussão, nenhuma estratégia, nenhuma ação à fundo sobre educação política com vistas à construção do Estado Democrático de Direito. É… a bem da verdade, estamos todos mortos. O capitalismo clássico nos forjou e o financeiro nos enredou, nos embasbacou. Definitivamente, tornaram-nos subproduto do sistema. É por isso que nos subterrâneos do poder só ecoa mesmo o grito de guerra neoliberal, o caótico salve-se quem puder!
Paciente
O PT pariu Paulo Freire. O PDT pariu Darcy Ribeiro. Ambos pariram praticamente tudo que há de novo e de bom na educação brasileira.
Não gostar ou não estar satisfeito é seu direito, logo…
…logo crie, ou procure, ou eleja algum segmento politico que tenha:
a) criado;
b) realizado ou;
c) pensado…
A educação brasileira.
Em seu beneficio e do seu tempo, não procure na direita…
…nem procure nos niilistas (educação e plantar e esperar colher).
No mais, respeite a história da educação brasileira e seus heróis
Deixe de falar “ligeirezas”…
Ricardo JC
Prezado josaphat
Concordo com você. E ainda acho mais. O modelo de governança que o PT utiliza está por se esgotar. Se não houver um maciço investimento em EDUCAÇÃO E SAÚDE (porque somente discutimos a educação como prioritária?) as coisas vão mudar de rumo. Não gosto nem de pensar no PSDB outra vez no governo…
No mais, a questão da educação é fácil de explicar. A elite tem acesso a boas escolas e boas universidades (estas pagas com o suor de todos nós…), então porque mudar o ritmo do jogo? Você não vai ver nunca em sua vida, a dita grande imprensa clamando por reformas educacionais de base. Só quando for para bater no PT.
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