Cebes: É hora da sociedade brasileira abraçar o SUS

Tempo de leitura: 4 min

Editorial da revista Divulgação em Saúde para Debate, do Cebes, via blog Saúde Brasil, sugerido pelo médico Paulo Moraes

Ninguém hoje questiona que o Sistema Único de Saúde, integral e universal, foi uma conquista da sociedade brasileira. No contexto da luta pela redemocratização do país, um somatório de forças oriundas do movimento popular, da academia, dos trabalhadores da saúde e de partidos políticos foi decisivo para inserir na Constituição de 1988 a já consagrada inscrição: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.

A implantação desse modelo, universal e integral, coincidiu com o período de avanço das políticas neoliberais no Brasil, a partir do governo Collor. Princípios fundamentais do SUS, como a própria participação popular e controle social sobre a política pública, foram conseguidos apenas com muita luta do chamado Movimento Sanitário, já que inicialmente vetados pelo então presidente pela ocasião da promulgação da lei orgânica do SUS (Lei 8080/90).

O avanço das políticas e da ideologia neoliberal, frontalmente opostas à proposta do Sistema Único de Saúde, traduziu-se na prática em um paradoxo que até hoje, mais de 20 anos depois, ainda emperra a ampliação e consolidação do SUS: se, por um lado, temos a garantia constitucional da saúde como direito inalienável de cidadania, por outro, tivemos uma progressiva “contra-reforma” do Estado Brasileiro, tornando-o cada vez mais incapaz de cumprir sua função constitucional na Saúde.

Essa “contra-reforma” do Estado tem várias facetas: a limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal à contratação de trabalhadores para a saúde, os modelos de gestão privatizantes (como as famigeradas Organizações Sociais – OSs) que surgem justamente como saída para “driblar” essa limitação… decerto são empecilhos graves à expansão e consolidação do SUS.

A deficiência mais aguda, mais facilmente sentida pela população que é usuária do sistema, contudo, diz respeito claramente à questão do financiamento. Inicialmente, o SUS tinha como seu orçamento-base a receita equivalente a 30% do orçamento da Seguridade Social – garantido nas disposições transitórias da própria constituição.

Tal dispositivo constitucional nunca foi cumprido, e desde então o Movimento da Reforma Sanitária vem acumulando uma série de derrotas sucessivas: o fim da vinculação da chamada solidariedade das contribuições previdenciárias com a saúde; a CPMF, que surgiu como esperança de recompor a perda, mas que foi anulada pelos desvios de função e pela criação do então Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União – DRU); a Emenda Constitucional 29, que fixou a participação de Estados e Municípios, mas que somente estabilizou o investimento da União.

A regulamentação da Emenda 29, bandeira de luta do Movimento Sanitário nos últimos 10 anos, finalmente foi aprovada no final de 2011; entretanto, significou mais uma derrota. O movimento social, organizado em torno da “Primavera da Saúde”, reivindicava que a contribuição da União fosse fixada em no mínimo 10% das receitas correntes brutas, mas o texto aprovado pelo Congresso apenas oficializou o que já vinha acontecendo na prática, ou seja, a manutenção do piso do ano anterior acrescido de percentual equivalente à variação nominal do Produto Interno Bruto.

Ainda vivendo a “ressaca” da perda da batalha pela regulamentação da Emenda 29, o Movimento da Reforma Sanitária, articulado a diversas entidades e movimentos sociais da sociedade civil, lançou em março último o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Publica, tendo como principal instrumento de luta a proposição de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que estabelece o piso de investimento da União em 10% das receitas correntes brutas.

A insistência do Movimento Sanitário em garantir uma fonte de financiamento minimamente suficiente e estável encontra sustentação na necessidade de garantir a possibilidade de efetivamente fazer acontecer um Sistema Único de Saúde da forma como foi conquistado na Constituição.

Apoie o VIOMUNDO

À medida que esse financiamento vem sendo sistematicamente negado, a credibilidade e legitimidade do SUS perante a população vem progressivamente caindo. Enquanto permanece inalterada a negativa do Estado brasileiro em prover o SUS dos recursos necessários ao seu pleno desenvolvimento, existe uma máquina de propaganda ideológica operando no sentido de consolidar junto à sociedade brasileira a noção de que os serviços públicos (saúde incluída) são ineficazes e ineficientes, ante a propalada eficiência da iniciativa privada.

Com o crescimento econômico e redução da pobreza experimentados nos últimos anos, o que temos observado é o crescimento progressivo de planos e seguros de saúde privados, que já há algum tempo demonstram padecer da mesma ineficiência em prover uma assistência à saúde de qualidade que tem sido atribuída ao SUS.

Entretanto, no imaginário da população, adquirir um plano de saúde tem se consolidado como objeto de desejo e investimento prioritário para boa parte dos milhões de brasileiros que tem deixado o limiar de pobreza para trás nos últimos anos, a despeito da comprovada insuficiência desses planos e seguros, especialmente esses de baixo custo que estão ao alcance da chamada “nova classe média”.

Ao mesmo tempo, recente pesquisa realizada pelo IBOPE mostra que a saúde é o principal problema identificado pelos eleitores; 37% destes consideram-na prioridade, número bem superior ao alcançado pela segunda colocada, a segurança pública, considerada prioridade por 16% dos entrevistados.

É neste cenário que o CEBES, juntamente com várias entidades e movimentos sociais, vêm mais uma vez propor à sociedade brasileira a necessidade de se garantir o financiamento do SUS. Um sistema universal e integral, como foi inscrito na Constituição, tem um preço social a ser pago. E esse preço é substancialmente superior ao que o Estado brasileiro tem destinado, daquilo que é arrecadado da sociedade brasileira, à saúde pública.

O sucesso dessa nova investida vai depender fundamentalmente da capacidade dos movimentos e entidades que compõem o Movimento Nacional em Defesa da Saúde Publica em restabelecer sua capacidade de diálogo e mobilização no conjunto da sociedade brasileira.

O formato de um projeto de lei de iniciativa popular favorece isso. São necessárias mais de 1 milhão de assinaturas para que o projeto possa ser apresentado. Conseguir essas assinaturas, mais do que um esforço de estrutura e organização, significará (ou não) uma expressiva adesão da sociedade brasileira, novamente, à ideia de que a saúde é um direito de todos que precisa dos recursos necessários para ser garantido.

O instrumento e a força de mobilização e militância estão lançados.

É a oportunidade e a hora da sociedade brasileira abraçar o SUS, e dizer claramente que sua saúde é prioridade, e que deve ser provida pelo Estado brasileiro.

Vamos à luta!

Diretoria Nacional do Cebes

Leia também:

Ligia Bahia: A “idosofobia” e os planos de saúde

A verdade sobre o aborto

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

São Paulo é o único estado que não investe um centavo no SAMU/192 « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] também: Isabela Santos: Basta suspender planos de saúde ruins? Cebes: É hora da sociedade brasileira abraçar o SUS Centrais sindicais querem banimento do amianto Ligia Bahia: A “idosofobia” e os planos de […]

Isabela Santos: Basta suspender planos de saúde ruins? « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Cebes: É hora da sociedade brasileira abraçar o SUS […]

lia vinhas

Não é verdade que os nossos médicos odeiam ´pobres. Conheço muitos médicos que atendem nas instituições públicas e que são excelentes no agir e no tratar com as pessoas de baixa renda. O que há é falta de profissionais e mais investimento na infraestrutura hospitalar e dos postos de atendimento. Essas centenas de UPAS que estão sendo criadas só estão favorecendo os bolsos das construtoras e dos governadores e prefeitos, campeões em desviar as verbas federais para a Saúde e Educação públicas. É preciso recriar a CPMF para resgatar o SUS, fazer novos concursos, aumentar os salários, uma vergonha nacional hoje em dia pois o que recebem os profissionais os obriga a trabalhar tres vezes mais e ainda enfrentam a concorrencia desleal das OS, fajutas cooperativas que fazem a festa nos bolsos dos administradores e dos governos estaduais e municipais. Os contratados, sem a qualificação e o comprometimento dos concursados, ganham o triplo destes e trabalham se quiserem. Postos e hospitais continuam sem as condições físicas e humanas de atendimento decente a população que não pode pagar planos de saúde.
Fora OS! Mais verbas para a Saúde e melhores salários para médicos e todo o pessoal da área.

Zelia

Alguem,poderia fazer comentario sobre a Empresa Brasileira criada pelo governo
para gerir os hospitais Universitario. Com a palavra os defensores da Saude Publica. Aqui na minha
cidade a imprensa comenta todos os dias sobre o fato batendo na tecla da privatização dos mesmos.

Paulo Moraes

Conceição e equipe do Viomundo, agradecemos a disponibilidade em divulgar essa agenda tão importante para o país. Os documentos (projeto de lei e folha para coleta de assinaturas) estão disponíveis on-line em http://www.cebes.org.br/verBlog.asp?idConteudo=2639&idSubCategoria=56,
no final do post! Abraços a todos!

Jean

O orçamento do legislativo é maior do que a saúde e a educação.
Que tantas leis são essas que precisam ser feitas e refeitas nesse país e que custam tão caro???

Jean

Ao contrário do que estão dizendo por ai, há alguns médicos cubanos que só vêm ao Brasil para enriquecer de maneira “fácil”. Precisa ver se os colegas cubanos que já estão no Brasil realmente trabalham em unidades básicas de saúde. Isso talvez seja pura falácia dos que desejam facilitação nas revalidações de diplomas dos que não conseguiram passar no vestibular no Brasil.
Idolatram a iniciativa privada, mas quando os médicos dão preferência à iniciativa privada (que são as consultas particulares, e não os convênios!), criticam os médicos.
Os médicos muitas vezes atendem 400 a 500 pacientes por mês no SUS, e geralmente não recebem nenhum reconhecimento por seu trabalho. Pelo contrário, ao invés de incentivos, só recebem críticas, e às vezes, perseguições. Há muitas vezes a total falta de respeito aos médicos pelos gestores.
Para os médicos, o SUS é muito esforço e muita responsabilidade por quase nada, a não ser para os amigos dos políticos.

edu marcondes

Com uma estratégia que faz parte de seus interesses político-partidários e comerciais, a mídia corporativa tem desempenhado um importante papel nessa luta. Ao produzir com uma constância quase diária matérias mostrando as deficiências da saúde publica sem, frize-se, apontar as causas e as soluções está criando no público o estímulo às busca pelos (sofríveis) planos de saúde privada.

smilinguido

nossa saúde não tem jeito com os médicos que temos..eles odeiam pobres.
Teríamos de importar médicos de Cuba..

Leonardo Meireles Câmara

E inacreditável que um governo de um partido dito dos trabalhadores se esmere tanto em realizar a manutenção de gastos com oligarquias financeiras na faixa de 50% de tudo que se arrecada. Sem nenhum justificativa plausível. Isso durante uma década.

Saúde pública de qualidade para todos.

Aonde eu assino?

    Fabio Passos

    Falou e disse!

    E. S. Fernandes

    Muito bom.

    A grande maioria da população brasileira não sabe que quase metade da riqueza do país é entregue, como renda, a uma minoria de pessoas.

    O governo de esquerda que temos também não faz questão de levar tal informação à sociedade.

    O que se poderia fazer em benefício do povo com 45% do PIB da sexta economia mundial?

    Muito, sem dúvida.

    Infelizmente, tal riqueza, é jogada no ralo, isto é, no bolso de meia dúzia.

    Fabio Passos

    Está mais que na hora de mexer nas questões estruturais e enfrentar os interesses desta “elite” ladra.

Deixe seu comentário

Leia também