A mineradora, a energia de Itaipu e o golpe de Estado no Paraguai
Tempo de leitura: 6 minInternacional| 27/06/2012 | Copyleft
A transnacional Rio Tinto Alcán e o golpe de Estado no Paraguai
Grandes produtores de grãos (soja em especial) e as respectivas empresas do setor expressaram, desde a primeira hora, apoio ao golpe contra o presidente Fernando Lugo. Mas há outras empresas interessadas na mudança de governo como a canadense Rio Tinto Alcán, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo. O governo canadense foi um dos primeiros, aliás, a aprovar o afastamento do presidente Lugo.
Silvio Núñez (*), na Carta Maior
Parece ter passado despercebido na imprensa internacional que um dos primeiros países, depois do Vaticano e da Alemanha, que reconheceram o novo governo instalado no Paraguai mediante um golpe parlamentar, foi o Canadá. O governo do Canadá, através de sua embaixada de Buenos Aires, vem realizando desde 2009 um intenso lobby a favor da indústria extrativa Río Tinto Alcán que quer se instalar nesse país sul-americano.
Mas, o quê representa a Río Tinto Alcán ?
A Río Tinto Alcán (RTA) é a segunda maior produtora de alumínio no mundo, se dedica também a extração de diversos minerais e tem presença nos cinco continentes. As denúncias contra a RTA incluem acusações de genocídio e crimes de lesa humanidade.
Em Papua Nova Guiné, ilha de Bougainville, a empresa é acusada de ter instigado, em 1980, um levante armado que provocou o uso de forças militares e milhares de mortos. A seguir, depois que os trabalhadores começaram a sabotar a mina, em 1988, a Rio Tinto foi acusada de conspirar para impor um bloqueio que resultou na morte de cerca de 10 mil civis até 1997.
O caso se encontra atualmente na Corte dos EUA, no caso “Sarei et al v. Rio Tinto Plc et al”, 9ª Corte de Apelações, N° 02-56256.
O jornalista paraguaio Guido Rodríguez Alcalá faz uma breve mas contundente história da RTA no mundo: apoio ao regime racista da África do Sul; o governo da Noruega pôs a RTA na lista negra por atentar contra o meio ambiente e os direitos humanos; por razões similares, o movimento “Fora do Pódio” deseja eliminar a RTA como patrocinadora dos Jogos Olímpicos…
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E a lista continua.
O investimento no Paraguai: um enorme consumo de energia
É importante esclarecer que o Paraguai é produtor de energia hidroelétrica, compartilhando centrais binacionais com seus vizinhos, Argentina e Brasil. Entretanto, 4/5 desta energia é exportada e só 1/5 utilizada no país.
A RTA deseja consumir, a baixos preços, uma quantidade equivalente (1/5). O investimento da RTA dividia o governo paraguaio.
Embora o Presidente da República houvesse se manifestado contrário a um subsidio ao preço da energia, o ministro de Indústria e Comércio, Francisco Rivas — confirmado como ministro pelo novo presidente Federico Franco — e o então vice-presidente Federico Franco haviam se manifestado favoráveis a cumprir as condições da RTA para sua vinda ao Paraguai.
O vice-ministério de Energia havia afirmado, entretanto, que os subsídios à energia para a RTA equivaliam a US$200 milhões/ano, crescentes. Igual opinião compartilhavam outros ministros não liberais.
Posição complacente e crítica do Governo
Depois de duas audiências públicas realizadas pelo mesmo governo, a batalha na opinião pública parecia dividida.
Por ser um assunto sumamente popular e com um apoio majoritário, o investimento da Río Tinto Alcán começou a gerar opiniões críticas dos mais diversos setores.
As opiniões mostram sua máxima polarização quando o então vice-presidente critica publicamente a vice-ministra de Minas e Energia, segundo publicação do jornal Ultima Hora, de 30 de maio passado: “Então, eu disse ao presidente da República (Lugo): para que me enviou ao Canadá e nos pôs a estudar isto, se no final uma vice-ministra (Mercedes Canese) vai se opor. Eu tenho o direito de pensar que o que se pretende é continuar favorecendo a economia brasileira, porque não cabe na minha cabeça que, podendo vender energia muito mais cara que a que cedemos ao Brasil, gerando emprego, impostos e divisas, tenha gente que se oponha a este projeto”.
Similares publicações podem ser vistas em outros meios.
A afirmação de Franco é um falso dilema, pois a venda de energia de Itaipu do Paraguai ao Brasil gera divisas para o desenvolvimento e o investimento e, além disso, o que a RTA se propõe é pagar preços inferiores — inicialmente 32 US$/Mwh e atualmente 42 US$/Mwh — aos que o Brasil paga e que, embora ao preço atual de 52,2 US$/Mwh, somente produzem um pequeno beneficio (8,4US$/Mwh) e cobrem ao mesmo tempo os custos de produção (43,8US$/Mwh).
A RTA pressiona o governo para iniciar negociações
Depois das declarações de Federico Franco, a empresa manifestou seu interesse em iniciar as negociações com o governo, pressionando sobre o cronograma de instalação da planta. Assim, no dia 13 de junho foi publicada nos meios de comunicação a visita dos representantes da RTA ao Chefe de Gabinete da Presidência da República. Na oportunidade, seu representante, o hispano-brasileiro Juan Pazos, afirmou: “Consideramos, depois de três anos e meio que estamos no Paraguai, que o governo já tem todas as informações que necessita”.
Evidentemente, um tema central é o preço da energia. Não se pode discutir o preço da energia, sem discutir o resto. Formam parte de um pacote. A multinacional não informou o valor que considera “ideal” pela energia paraguaia.
O golpe em gestação
Dois dias depois, em 15 de junho, aconteceu a tragédia de Curuguaty. Uma juíza determinou uma ordem de busca e apreensão a pedido do empresário colorado Blas M. Riquelme, para resguardar sua suposta propriedade privada. A ação é coordenada pela promotoria e termina com a morte de 18 campesinos e policiais.
No lugar, que depois a própria imprensa indicaria que eram terras públicas usurpadas por Blas M. Riquelme, havia menos de 50 pessoas no momento do massacre.
O resto é história. Nesse mesmo dia, Fernando Lugo substituiu Carlos Filizzola (da Frente Guasú) no Ministério do Interior pelo colorado, ex- Procurador Geral do Estado, Rubén Candia Amarilla, responsável por mais de 1000 denúncias de movimentos sociais e vinculado a Camilo Soares, ex- Secretário de Emergência Nacional, acusado por malversação e membro do primeiro círculo de Fernando Lugo.
Na segunda-feira, 18 de junho, a Frente Guasú expressou seu desacordo com dita designação, junto com o Partido Liberal Radical Autêntico (partido de Federico Franco e Francisco Rivas) e, para mais desconcerto, a própria Associação Nacional Republicana, Partido Colorado, criticou sua nomeação.
Na quinta-feira, 21 de junho, a Câmara de Deputados aprovou a abertura de um processo político contra Fernando Lugo.
No dia seguinte, 22 de junho, o Senado aprovou em tempo recorde o afastamento do presidente.
Golpe parlamentar
A notícia do jornal La Tercera, do Chile, reproduz a declaração do Secretário geral da OEA, José Miguel Insulza “…que, reconhecendo que o artigo 225 da Constituição do Paraguai confere faculdades à Câmara de Deputados para iniciar um juízo político e ao Senado para atuar como tribunal, ‘a comunidade internacional formulou dúvidas fundadas sobre o cumprimento das normas contidas nos artigos 17 e 18 da Constituição do Paraguai e nos tratados internacionais subscritos por esse país, que consagram os princípios universais do devido processo e do legítimo direito de todo processado de defender-se, usando todos os recursos processuais, contando para isso com prazos suficientes entre o inicio do juízo e sua conclusão’…”.
O presidente do Paraguai teve menos de 24 horas para preparar sua defesa e não foram apresentadas provas – exceto fotocópias e publicações da imprensa – para formalizar as acusações.
Transnacionais, entre elas a RTA, as primeiras beneficiadas com o golpe
Corretamente, analistas políticos atribuíram aos grandes oligopólios da produção de grãos como os principais beneficiados do golpe de Estado contra Fernando Lugo. Lugo foi submetido a um sumaríssimo juízo político pela matança de Curuguaty, que desnuda uma realidade que não pode ser ignorada: oito milhões de terras mal havidas que não foram recuperadas pela Justiça, e o Paraguai com a pior distribuição da terra na região.
Apesar de a ordem de despejo ter sido ditada por uma juíza e o operativo policial dirigido por uma promotora, o julgado foi Fernando Lugo.
Entretanto, se esqueceram de um ator chave: a RTA.
Em seu discurso de posse, Federico Franco se referiu longamente ao tema energético, “também impulsionará o setor energético para utilizar a energia gerada nas hidroelétricas de Itaipú e Yacyretá e ‘que ninguém tenha que ir ao exterior procurar trabalho'”.
O Canadá reconheceu imediatamente.
Logo em seguida, o nome de Francisco Rivas foi confirmado como Ministro de Indústria e Comércio e lobista da RTA.
Evidentemente, as razões são milhões.
(*) Jornalista e pesquisador.
PS do Viomundo1: A Rio Tinto é uma das proprietárias da Alumar, sediada em São Luís do Maranhão, que consome energia da usina de Tucuruí, no rio Tocantins, Pará. Aliás, aqui, o jornalista Lúcio Flávio Pinto denuncia como Tucuruí foi construída para atender interesses dos fabricantes de alumínio. É a atividade industrial mais eletrointensiva. Na época da construção de Tucuruí, um dos argumentos é de que a usina serviria para o desenvolvimento de uma indústria nacional de alumina e alumínio. Hoje, as três empresas do ramo — Albrás, Alunorte e Alumar — são controladas por multinacionais, depois que a Vale se desfez de suas operações.
PS do Viomundo2: Deixa eu ver, interesses da Monsanto + Rio Tinto + latifundiários + dono do jornal ABC Color, Aldo Zuccolillo, que é sócio da Cargill, dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e ligado à UDR local. Dá um belo samba.
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Comentários
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CNunes
cui bono??
sempre uma boa pergunta.
Ana Cruzzeli
Aí está Azenha o passado voltando e FHC e Gilmar mendes no meio.
A Vale do Rio Doce foi o maior entreguismo da historia, eu não consigo deixar de ter raiva do FHC e Serra não consigo.
Esses dois são CANALHAS. Pelo menos espero que os paulistanos deem essa derrota ao filhote do FHC esse ano e que o TRF/DF bote esse safado na cadeia, lugar ainda muito bom para o Serra. FHC? Esse não pode mais pegar cadeia mas pode ter sua verdadeira historia contada e seus desvios para Daniel Dantas revelados.
Não, o Brasil de Gilmar/FHC/SERRA se misturam a todos os latinos americanos e no caso do Paraguai muito mais ainda. A retomada do poder da esquerda paraguaia muito nos interessa.
A primeira derrota já sentiram, falta a derradeira em 2013
Julio Silveira
Nem vou dizer o que penso que o Brasil deveria fazer com Itaipu. Iriam me chamar de radical.
Alexandro Rodrigues
Certa vez, li um artigo dizendo que o governo dos vagabundos militares poderiam ter contruído Itaipu (com as mesmas dimensões e capacidade geradora) totalmente dentro do território brasileiro, entre o Mato Grosso do Sul e o Paraná.
A políticagem de boa vizinhas das ditaduras do Cone Sul falou mais alto, e metade da que por décadas foi a maior usina hidrelétrica do mundo foi dada aos paraguaios. Dada! Por que este paiseco não tem um tostão para constuí-la.
O Brasil tem que reagir! Ou o Paraguai paga toda sua dívida de Itaipu com o Brasil, ou o Brasil compra a parte paraguaia (com os devidos descontos), e assim ficamos livres dos reaças paraguaios, lambe saco de americanos e espanhóis…
Mas não, Dilma não fará isso! Ela é uma rainha soberana!
Mello
Condenar Lugo por Curuguaty seria o mesmo que condenar FHC por Eldorado dos Carajás.
Mário SF Alves
Exatamente isso. A diferença entre uma realidade e outra não é apenas em razão do desproporcional peso atômico e densidade específica do Brasil, e, sim, unicamente pelo locus político ocupado pelo citado governante daqui. Enquanto o de lá – ainda que timidamente – lutava contra o status quo dominante, o daqui lutava pelo empoderamento desse mesmo stauts quo dominante.
Depois do Tocantins, do Madeira e do Xingu, chegou a vez do Tapajós « Viomundo – O que você não vê na mídia
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