por Saul Leblon, em Carta Maior
O Senado paraguaio concluiu nesta sexta-feira o enredo do golpe iniciado no dia anterior e aprovou, por 39 votos a favor e quatro contra, o impeachment do presidente da República, Fernando Lugo.
De olho nas eleições de abril de 2013, a oligarquia, a Igreja e a mídia (leia a entrevista com o Presidente do Equador, Rafael Correa) queriam a destituição do ex-bispo eleito em 2008, cuja base de apoio é maior no interior (40% da população vive no campo), sendo porém pouco organizada e pobre (30% está abaixo da linha da pobreza).
A pressa evidenciada no rito sumário da votação, questionável até do ponto de vista jurídico, tinha como objetivo impedir a mobilização desses contingentes dispersos, pouco contemplados por um Estado fraco, desprovido de receita fiscal e acossado por interesses poderosos. O torniquete histórico que levou à destituição de Lugo ainda expressa a realidade estrutural de boa parte da América Latina.
Quando o Parlamento concluiu a votação havia do lado de fora pouco mais de dois mil manifestantes contrários ao golpe (número que dobrou à noite), mas vigiados por um aparato repressivo de escala equivalente.
Lugo recebeu a notícia no Palácio de governo. A determinação dos golpistas ignorou solenemente a pressão internacional: dirigentes da Unasul advertiram pouco antes da votação que o organismo poderá não reconhecer um governo resultante da ruptura democrática consumada.
Ex-bispo da linha progressista do catolicismo latino-americano, Lugo foi eleito em 2008 pelos extratos mais pobres que formam o grosso da população paraguaia. À frente de um aparelho de Estado fraco, com receita fiscal inferior a 12% do PIB, seu governo transpirava a fragilidade de quem não conseguia atender as urgências da base social, mas tampouco desfrutava da complacência de uma oligarquia poderosa, sedimentada em 61 anos de poder ‘colorado’ — sendo que desses, 34 só de ditadura do general Stroessner.
Conflitos sociais insolúveis marcaram a presidência do religioso adepto da Teologia da Libertação que não reprimia os movimentos sociais, buscando canalizar suas demandas para um esforço de organização dos excluídos. Com a proximidade das eleições de abril de 2013, a oligarquia paraguaia decidiu implodir essa dinâmica incômoda. Antecipou a sua volta ao poder através de um atalho expresso: um impeachment golpista processado em 24 horas.
O torniquete enfrentado por Lugo, infelizmente, não representa uma exceção no cenário da América Latina. Estado fraco, baixa receita fiscal, desequilíbrios sociais explosivos (2% dos proprietários paraguaios tem 75% das terras), uma organização popular insuficiente, elites intransigentes (um programa similar ao Bolsa Família foi rejeitado pelo mesmo Congresso que derrubou o Presidente e resistiu ao ingresso da Venezuela no Mercosul) e uma mídia golpista formam um padrão ainda disseminado.
Um dia antes do do impeachment o jornal Valor Econômico, de identidade insuspeita na defesa dos mercados, dedicou ao Paraguai uma coluna sugestivamente intitulada “O paraíso do Estado mínimo”. Nela arrola dados do torniquete fiscal/social/conservador que 24 horas depois asfixiria a experiência de um governante avesso a esse redil histórico.
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Com pequenos ajustes locais, versões semelhantes dessa sinuca feita de Estado mínimo e exclusão social máxima repetem-se na Bolívia, Guatemala, Honduras, Peru, El Salvador, Equador, Nicarágua etc.
A fragilidade das políticas públicas na América Latina — agravada pelo ciclo neoliberal,que ainda encontra defensores no Brasil demotucano — é proporcional a esse engessamento, proveniente de uma carga fiscal média que não excede a 18% do PIB (ela alcança 35% no Brasil e vai a 40% na União Européia, pré-crise).
Mesmo a receita disponível provém de uma base que acentua desigualdades em vez de corrigi-las: na média da região, mais de 50% da arrecadação é baseada em impostos indiretos, pagos de forma linear por toda população com efeito socialmente nulo ou regressivo. Para efeito de comparação, na UE (pré-crise) 40% do resultado tributário origina-se de impostos diretos; o restante provém de tributos indiretos e segurança social.
Vincular a solução dos problemas sociais da AL a uma gradual evolução rumo a uma estrutura tributária mais justa equivale a apostar em uma reforma agrária ancorada em acordo de cooperação pacífica entre latifundiários e trabalhadores sem-terra. Enquanto se espera pelo milagre, o espaço para políticas sociais redistributivas persiste acanhado, ao passo que as tensões e a insatisfação popular crescem atiçando o apetite golpista.
Não por acaso, ao ser informado do andamento do impeachment na sexta-feira, Rafael Correa, Presidente do Equador, ele mesmo vítima de uma tentativa golpista, em setembro de 2010, preocupou-se: ” Se isso for bem sucedido abre um precedente perigoso na região”. A ver a capacidade de resistência do povo paraguaio e a reação internacional nas próximas horas.
Comentários
xacal
O golpismo lateja em qualquer parte do mundo!
Há distinções, é claro, entre países com maior nível de amadurecimento institucional e com uma estrutura estatal compatível com outros setores da sociedade, o que nos parece claro, pelos dados expostos, não é o caso paraguaio.
A tentação de utilizar meios anormais como ferramenta da disputa política, quando as populações insistem em contrariar os interesses das castas mais poderosas, tem mais chances de vingar quanto menor a mobilização destas populações.
Até assusta que Lugo tenha durado tanto.
O que mais assusta é que algumas pessoas argumentem pela “legalidade” do processo.
1- O fato de haver uma previsão legal não garante que o rito tenha garantido o devido direito de ampla defesa e contraditório. Só um idiota poderia ponderar que um processo desta magnitude(processar, julgar e sentenciar um presidente eleito)se dê em 24 horas e resguarde esses princípios…por este raciocínio cretino, basta reunirem-se aspectos formais do “processo” para que consideremos justo o resultado…sendo assim, a partir de hoje, cessam-se as arguições sobre abusos de autoridade, inconstitucionalidade ou coação, dentre outros vícios processuais;
2- O principal “motivo” que justificaria sua deposição, a (im)provável omissão ou incompetência, que gerou o banho de sangue com 17 mortos no conflito fundiário, é canhestro, pois:
Se para este fato ainda não há fim do processo e sentença, como apontar o presidente como culpado de algo que não transitou em julgado?
Creio que Lugo, resignado, aceitou o golpe, até porque, com um Congresso destes, seu “sangramento” seria maior.
Os golpistas podem ter conseguido um vitória de Pirro, se considerarmos que deram fôlego político e um motivo para uma nova coesão, talvez mais organizada, dos setores populares, inclusive para alterar a coalizão parlamentar.
Se quiserem debater pelos argumentos políticos, eu até aceito que defendam o golpismo como ferramenta, mas pela “formalidade do processo”, não, aí não dá!
Geysa Guimarães
Golpe na AL é feito a minha gripe, tá sempre em incubação, à espera do momento favorável.
A diferença é que a minha gripe não é made in USA.
lulipe
Vamos deixar de chororô.O Impeachment foi feito dentro do que prevê a Constituição paraguaia, ou seja, de forma legal.Houve a abertura do processo na Câmara com uma lavada 74×1 e depois confirmado pelo Senado.Os parlamentares não entraram pela janela estão lá por votação democrática do povo do Paraguai.Queiram ou não o Lugo já é passado, terá mais tempo para cuidar de seus filhos.
Willian
76 x 1, lulipe. Lugo caiu igual ao Collor, por falta de apoio parlamentar. Um deputado em 80 o apoiava? Durou muito, não? Não resistiu porque não pode, faltou-lhe apoio, inclusive popular. Segunda-feira a vida recomeça no Paraguai como se nada houvesse acontecido. Engraçado vocês protestarem contra o “golpe” no Paraguai, quando com alguns meses de FHC iniciaram a campanha “Fora FHC” por um motivo que nem vocês se lembram. Golpe bom só para destituir os adversários, hein?
Julio Silveira
Como democrata convicto tenho que admitir, essa é uma verdade inconveniente. Pensando bem, ela faz parte da hipocrisia havida na luta pelos interesses politicos transitórios.
Jose Mario HRP
A turma toda ganhou um pequeno “bonus” da Cia e pronto, Paraguay no grupinho Colombia , Chile e agora Paraguay!
Base militares e controle do espaço aéreo da América do Sul!
Tudo muito legal, aliás voce tem razão não é golpe, é estelionato, coisa de LADRÃO barato e que custa pouco para ser comprado(Senadores e deputados paraguaios!).
Depois quando eles chegarem aqui e fizeram no Iraque ou no Vietnam voce vai reclamar que seus filhos , pais, irmãos estão morrendo pela tuda falta de carater!
lulipe
Você anda vendo muito filme, Zé, melhor acordar para realidade!!!
Alexandre Aguiar
Foi golpe! O resto é perfumaria.
assalariado.
Sr. Saul Leblon, o Estado constituído junto com suas instituições, nada democrático, é a personificação da burguesia enquanto classe dominante sobre a sociedade e os assalariados. É fraco, quando está em questão os interesses e os direitos dos explorados pelos donos do capital. Quando se trata de socorrer os bolsos, e atribuir os direitos aos donos dos meios de produção, o Estado é extremamente forte. Haja golpes, armados ou não.
Exemplos atuais é que não faltam, citaria uma meia duzia agora. Ou seja, os golpes que o capital, e seu Estado de direita sempre deram, e darão, na sociedade civil nunca foram exceção, são sim regras. Da uma olhadinha na história das elites. Fazem parte da ditadura de dominação/ exploração do capital sobre a sociedade. Preciso dar exemplos?
Saudações Socialistas.
ana db
Lateja desde sempre. O impeachment de Fernando Collor foi golpe branco. No mesmo estilo, agora, do Lugo. Pior é a esquerda ter compactuado. Golpe da casagrande através de seu capachos congressistas. Tentaram inumeras vezes com Lula que por pouco não foi vitima. O PiG representante da casagrande trata de fazer a lavagem cerebral do povo.
Jose Mario HRP
Collor era LADRÃO e o Lugo , ao que me consta, não cometeu crime algum!
Aliás o LADRÃO Collor ficou com um dinheiro meu que daria para comprar um apt de tres quartos!
Mas claro havia pilantras que se regozijaram com aquilo!
Evandro Pereira
Companheiros,
Talvez esta tragédia contra a frágil democracia paraguaia resulte ao menos algo de bom, será a oportunidade que agora a Venezuela terá de finalmente entrar no Mercosul, haja vista que o empecilho que faltava era a assertiva deste execrável parlamento paraguaio e que com certeza, se prevalecer a coerência dos países do Mercosul e Unasul, o Paraguai for expulso o empecilho se remove.
Vlad
Aqui não há o mínimo risco.
A esquerda cheirosa e deslumbrada acha que está no poder.
Os donos do poder econômico, que de fato continuam no poder, estão exultantes.
Golpe pra que mesmo?
Maria Thereza
Os donos do poder, como todos os grandes proprietários, gostam de mostrar seus bens a seus pares. Mandar por tabela ou por ilação, não é com eles. O Paulo Figeuira está coberto de razão. Aqui, também contamos com o auxílio luxuoso do judiciário e a colaboração de erundinas e assemelhados, sem contar com os de sempre. A Igreja, pra variar, sendo a primeira a se manifestar a favor dos poderosos.
assalariado.
Caríssima Maria Thereza, devo por uma questão de justiça, colocar uma ressalva em seu comentário. Você diz; “… a colaboração de erundinas e assemelhados, sem contar com os de sempre.” Ora, cara Maria, se você observar a história dos assalariados pela sua emancipação em relação a exploração do capital sobre o trabalho, e, a atuação da deputada junto aos movimentos sociais, com certeza, saberá separar a dona Erundina deste equivoco ideológico que escreves.
Com todo respeito.
Saudações Socialistas.
Mariza
A esquerda não acha que ela está no poder não, ela de fato está no poder e tem mais, se fosse aqui nós já estaríamos na rua há muito tempo, e derrubaríamos o tucanato e demo da forma que fosse preciso, por isso digo e afirmos, A ESQUERDA NO BRASIL ESTÁ NO PODER VLAD, para seu desgosto e os demotucanos, nunca mais chegarão lá kkkkkkkkkkkkkkkkkkk!
assalariado.
Caríssima Mariza, você sabe qual é a diferença entre ser poder e estar poder? Você se esquece ou desconhece as brechas na lei quando se trata do Estado jurídico burgues julgar as necessidades imediatas do capital e seus lacaios. Além do mais, quem é maioria no congresso nacional? Eles -(os capitalistas e seus lacaios)- instalados no congresso chegam, hoje -(no minimo)-, a 278 deputados federais, e no senado, são em quantos?
Por isso lhes digo, o congresso nacional que é burgues -(câmara federal e Senado)- que são componentes do Estado do capital, derrubam a dona Dilma no momento que eles assim acharem oportuno. Então, não se esqueça das armadilhas obscuras que os capitalistas colam na carta magna, e nem percebemos. Não se iluda, cuidado com a aparente democracia burguesa, que na hora (H), e oportuna, como no Paraguai -(Honduras, Venezuela, Equador, etc, …)- se mostram de corpo inteiro, a que vieram, travestidos de Estado de Direito.
Saudações Socialistas.
pperez
Não sei de que esquerda no poder vc se refere?
Quem tem Sarney,Lobao,Calheiros lá e não satisfeito namora Maluf para estar la também, a unica cor que se pode ver é marrom de ….,deixa pra lá!
o Mário
“…18/06/2012
CIA e MOSSAD unem grupos sionistas, anticastristas, neonazistas e de extrema direita para realizarem manifestações na Rio+20 contra Ahmednejad e líderes progressistas da América Latina
Por ZÓBIA SKARTINNI e KATHARINA GARCIA…”
http://opensanti.blogspot.com.br/2012/06/cia-e-mossad-unem-grupos-sionistas.html
Jose Mario HRP
Rssa cambada não aprende mesmo!
Jamais chegaremos a um mundo melhor com gente como esses sionistas e radicais islamicos!
Ralé pura!
Sou espirita mas exijo que nosso governo seja absolutamente laico e preste os mesmos serviços a todos os brasileiros, com a mesma dedicação!
Fabio SP
Vamos invadir o Paraguai e terminar o serviço que D.Pedro II não acabou…
Vlad
Se falar isso perto de um paraguaio, certifique-se se ele não está armado e que vc está em forma para correr os 5 mil metros.
mfs
Qual o serviço do II Imperio que você mais admira? Execução em massa? Estupros coletivos? Roubos, incêndios e assassinato de crianças? Conte-nos qual é a sua opção de consumo.
Julio Silveira
Acredito que o golpismo lateja. Por força da fraqueza moral dos chamados governos democraticos (em diversas situações). Mas principalmente, em seu afã por conciliação para governar, quando esquecem de fazer o dever de casa institucional, de criar bases saneadoras e culturais. Quando permitem que excessões virem regras deixam as portas abertas para ousadias rebeldes no futuro, como um incentivo. Sem contar que passam a impressão, para o cidadão, de não haver distinção entre os que buscam o poder, que são todos iguais e que portanto qualquer um serve. Isso faz com que a pratica democratica perca seu sentido, trazendo indiferença popular e falta de cumplicidade com governos. Aí os golpistas operam, nessa raiz, que é responsavel por grande parte dos nossos problemas de falta de consciência de cidadania.
luca brevi
A mão hansamneana de Washinghton deu um tiro certeiro em Honduras e para
depois espalhar pela América seguindo modelo do Tio Sam.Temos que tomar cuiidado com os Tucanocratas Tupiniquins.
Francisco Nogueira
A fragilidade do governo Lugo era evidente. Assim o fato mesmo não sendo o correto, era possível. Servir como parâmetro para as demais nações não creio que o seja. Serve muito é de conselho: não se deve bobear com a direita, incansável, que não dorme no ponto.
As ações, posteriores ao golpe, são lances de xadrez político. Torço para que o povo paraguaio não sofra tanto, pois é previsível tempo difícil tanto do governo imposto como pela reação dos países sul-americanos, contrários ao golpe.
Com o reconhecimento dos EUA já sabemos que não é bom para o sul.
Geysa Guimarães
Reconhecimento ou patrocínio?
Paulo Figueira
A DEMOCRACIA NO CONTINENTE SULAMERICANO NUNCA CONSEGUIU CRIAR RAÍZES, TEMOS ELITES DE TRADIÇÃO AUTORITÁRIA E O INTERVENCIONISMO AMERICANO SEMPRE SE FEZ PRESENTE.,
ESPERO DO GOVERNO BRASILEIRO NESTE MOMENTO EM QUE MAIS UMA VEZ UM GOLPE CONTRA A DEMOCRACIA E CONTRA OS INTERESSES DOS POVOS DO CONTINENTE É DESCARADAMENTE POSTO EM MARCHA, UMA ATITUDE FIRME DE LIDERANÇA NA REGIÃO, EXIGINDO O RESPEITO AO GOVERNO ELEITO, E UMA DEMONSTRAÇÃO CLARA, QUE O BRASIL E OS DEMAIS PARCEIROS DA UNASUL, NÃO PERMITIRÃO AVENTURAS GOLPISTAS, PATROCINADAS PELOS INTERESSES NORTE AMERICANOS EM NOSSO CONTINENTE, SOB PENA DE ESPERARMOS PARA VER QUAL SERÁ A PRÓXIMA VÍTIMA.
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