Safatle: Quando a indignação não leva a nada

Tempo de leitura: 3 min

02.05.2012 09:28
Política de uma nota só

por Vladimir Safatle, na CartaCapital

Há várias maneiras de despolitizar uma sociedade. A principal delas é impedir a circulação de informações e perspectivas distintas a respeito do modelo de funcionamento da vida social. Há, no entanto, uma forma mais insidiosa. Ela consiste em construir uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males da sociedade. Qualquer problema que aparecer será sempre remetido à mesma causa, a ser repetida infinitamente como um mantra.

Isto é o que ocorre com o problema da corrupção no Brasil. Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.

Não se trata aqui de negar que a corrupção seja um problema grave na vida nacional. É, porém, impressionante como dessa discussão nunca se segue nada, nem sequer uma reflexão mais ampla sobre as disfuncionalidades estruturais do sistema político brasileiro, sobre as relações promíscuas entre os grandes conglomerados econômicos e o Estado ou sobre a inexistência da participação popular nas decisões sobre a configuração do poder Judiciário.

Por exemplo, se há algo próprio do Brasil é este espetáculo macabro onde os escândalos de corrupção conseguem, sempre, envolver oposição e governo.

O que nos deixa como espectadores desse jogo ridículo no qual um lado tenta jogar o escândalo nas costas do outro, isso quando certos setores da mídia nacional tomam partido e divulgam apenas os males de um dos lados. O chamado mensalão demonstra claramente tal lógica. O esquema de financiamento de campanha que quase derrubou o governo havia sido gestado pelo presidente do principal partido de oposição. Situação e oposição se aproveitaram dos mesmos caminhos escusos, com os mesmos operadores. Não consigo lembrar de nenhum país onde algo parecido tenha ocorrido.

Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptoras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição do governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.

Nas condições atuais, o sistema político brasileiro só funciona sob corrupção. Um deputado não se elege com menos de 5 milhões de reais, o que lhe deixa completamente vulnerável -para lutar pelos interesses escusos de financiadores potenciais de campanha. Isso também ajuda a explicar porque 39% dos parlamentares da atual legislatura declaram-se milionários. Juntos eles têm um patrimônio declarado de 1,454 bilhão de reais. Ou seja, acabamos por ser governados por uma plutocracia, pois só mesmo uma plutocracia poderia financiar campanhas.

Mas como sabemos de antemão que nenhum escândalo de corrupção chegará a colocar em questão as distorções do sistema político brasileiro, ficamos sem a possibilidade de discutir política no sentido forte do termo. Não há mais dis-cussões sobre aprofundamento da participação popular nos processos decisórios, constituição de uma democracia direta, o papel do Estado no desenvolvimento, sobre um modelo econômico realmente competitivo, não entregue aos oligopólios, ou sobre como queremos financiar um sistema de educação pública de qualidade e para todos. Em um momento no qual o Brasil ganha importância no cenário internacional, nossa contribuição para a reinvenção da política em uma era nebulosa no continente europeu e nos Estados Unidos é próxima de zero.

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Tem-se a impressão de que a contribuição que poderíamos dar já foi dada (programas amplos de transferência de renda e reconstituição do mercado interno). Mesmo a luta contra a desigualdade nunca entrou realmente na pauta e, nesse sentido, nada temos a dizer, já que o Brasil continua a ser o paraíso das grandes fortunas e do consumo conspícuo. Sequer temos imposto sobre herança. Mas os próximos meses da política brasileira serão dominados pelo duodécimo escândalo no qual alguns políticos cairão para a imperfeição da nossa democracia continuar funcionando perfeitamente.

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Comentários

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Nameso

Excelente a provocação do texto e o subsequente debate plural de idéias. Parabens a tod@s pelo belo exercicio que me inspirou a acreditar mais em nossa amada nação.

nilson vieira

Nosso sistema politico é justo em sí.
ele dá igualdade a todos no processo eleitoral,
o elemento faltante é “as pessoas” com vontade e
disposição de se incomodar um pouco em prol de um bem maior.
O DISCURSO da ética é constante na boca “das pessoas” ,
falta participação real da população.
Os meios de comunicação fizeram a população não gostar de
política(é tudo ladrao)gente séria não participa.
Na minha cidade, o candidato que representa uma mudaça,aceitou
a escolha dos diretores e secretario de educação feita pelo Conselho Municipal de Educação com eleição direta, envolvendo os alunos, pais, professores e a comunidade.
Todo recurso da educação no município será gestado
pelo conselho municipal,com os cargos preenchidos “pelas pessoas”.
Só assim muda, outro jeito, só o que tá aí, discurso das pessoas.

Rafo

Não temos imposto sobre herança, o ITCD é o que?

Mário SF Alves

Análise imprescindível. Perfeita para o momento histórico; contanto que… seja dado o devido crédito a uma estratégia de enfrentamento político chamada PT. Simples assim.

Mardones Ferreira

O articulista acerta no diagnóstico. A intencionalidade da suposta discussão do ”problema” do Brasil e da falta de direcionamento polítco causam perplexidade aquem acompanha o esquema montado para afastar qualquer possibilidade de medida mais acertada.

No entanto, ainda que recente, sem dúvida, a atuação de jornalistas com seus blogs está causando uma movimentação nova em termos de equilíbrio de forças.

Não deixo de reconhecer que o poder do chamado PIG ainda é grande o suficiente para tentar gerar consensos, mas desde a última eleição presidencial, isso vem perdendo força.

Não sei se por má vontade ou mau caráter, não se tomou medidas tendo em vista a mudança de todo esse cenário. Mas há tímidas iniciativas que mostram que movimentos são feitos em direção acertada.

Dou o exemplo da mexida nos juros dos bancos públicos. O paradigma dos spreads foi, enfim, superado. E não é mais um tabu. Com relação a adoção de medidas saneadoras de crises, como o necessário financiamento público de campanha e o cadastro e punição dos corruptores, creio que infelizmente não há consenso dentro de um partido grande para bancar a ideia.

Há sim, a certeza de que certas medidas, se adotadas, iriam estancar uma sangria de tempos longos. E isso deixa uma pergunta: quem deseja estancar a sangria se o paciente segue vivo na CTI?

Cibele

Professor Wladimir Safatle rules!
Aêêêê, facebuquiano! Agora sim!

    Cibele

    Ah, o comentário do feicebuqui sumiu…

Fabio Passos

É a crítica ao udenismo desta direita medíocre que não tem nenhuma proposta para construir um futuro melhor para o Brasil.
Tudo o que a direita quer é manter os privilégios indecentes da minoria branca e rica.
Como defender o status quo em um dos países mais injustos do mundo é suicídio… usam o combate a corrupção como bandeira única na disputa por votos.
Empobrecem o debate, não criam alternativas e ainda caem de fuça no chão toda vez que são desmascarados como ladrões hipócritas.

Alternativa política séria ao governo Dilma só se vier da esquerda.

damastor dagobé

quem não viu não pode perder: a radiografia da zelite, sem retoques…

http://kibeloco.com.br/2012/05/02/down-down-down-no-high-society/

    Mário SF Alves

    Cara, inacreditável. Olhe só a a síntese: “É só perguntar para as empregadas que a gente já sabe que a população tem outras preocupações”.

    Mário SF Alves

    Mas, fica a dúvida: o funcionário do STF, ao responder à pergunta da socialite lacaniana, foi atento ao que determina Regimento Interno daquela instituição?

    tião medonho

    verdade…essas senhoras não tem qualquer filtro ideológico da linguagem para modular seu discurso..elas se exprimem meio como crianças que formulam seu pensamento de modo direto, quase “inocente”..como se o que elas acreditam fosse “A” verdade. Parecem quase loucas em seu mariaantonietismo
    extemporâneo…e são advogadas, psicanalistas, executivas e coisas assim.
    Mas isso ajuda bem a entender pq chegamos onde estamos não?

    Gil Rocha

    Ainda bem que estamos em
    uma democracia.
    Independente de quem sejam, as
    pessoas tem todo direito de se
    pronunciarem.
    Ricos ou pobres, todos ainda vivem
    no mesmo país.

    tião medonho

    melhor que se expressem mesmo..adoro ver um, como chama mesmo aquele militar deputado que está a direita de Ghengis Khan???? Não lembro…mas quando ele abre a boca sei que diminui muito o perigo do retorno dos militares ao poder…mesmo quem não viveu e nada sabe sobre isso entende direitinho o risco que corre.

Remindo Sauim

Em TODOS os países do mundo os operadores ecônomicos por debaixo do pano financiam todos os partidos. Basta olhar EUA, Inglaterra, Japão e Alemanha, para notarem que seja qual o partido que assuma, as políticas são sempre a favor do poder econômico. Não seja ingênuo, amigo!

    Lucas Cardoso

    É como o articulista disse. Esses países, assim como nós, são governados por uma plutocracia. Eu adiciono, praticamente todos os países no mundo atual são governados por uma ditadura da burguesia. Os sindicatos e movimentos sociais são capazes de influenciar até certo ponto a política dos governos, mas eles nunca terão sequer uma fração do poder que têm a Delta, a Mosanto, a Odebrecht, a General Electric, a Goldman Sachs, etc.

Paulo

Faz tempo que a maioria honesta deste país, não a militante e fanática, sabe do que o articulista diz que sabe. Mas o que é revelador mesmo da qualidade política do Brasil, como paradoxo, que ao assumir o poder, nenhum partido ou ideologia fez as reformas apregoadas em suas campanhas como fundamentais para que a corrupção não fosse essa tal nota só. Pelo contrário, fizeram que a nota só virasse um hit nacional, tocada como única harmonia possível em seus hinos de poder. Então, o que resta à sociedade? Segundo os mandatários, devemos esperar que as condições políticas ideais se estabeleçam. Quais são estas? Econômicas? Legislativas? Executivas? Judiciárias? Ninguém deste reino sabe! – Voltemos à nota só: Precisamos de uma maioria de não corruptos.

José Maia

Na mosca. A corrupção é migalha frente aos privilégios legalizados. A questão central é: a grande política, essa não interessa ser discutida pois necessariamente vai de encontro aos privilégios de todos os baronatos – incluindo o da mídia.

damastor dagobé

É a eterna chuva de Macondo que nunca para, é a serpente emplumada comendo eternamente o próprio rabo, é a agonia televisiva de Tancredo Neves, o que foi melhorando, melhorando, infinitamente, até morrer…são os funerais de Ayrton Senna, com aquela marcha fúnebre atroz que não parava nunca..(que dizer de um país cujo único herói era um motorista???), é estrutura circular da telenovela, que nunca acaba, apenas se repete infinitamente…ou o realismo fantástico não seria o único gênero de representação da realidade que dá conta da assim chamada América Latina? (sem trocadilhos tolos por favor)…

    Horridus Bendegó

    Macondo!
    Realismo Mágico!
    O Brasil foi elucidado!

    Mário SF Alves

    Uma observação, Horridus. Reconsidere aí. Não foi o Brasil que foi elucidado. Elucidado foi o mudus operandi da Casa-Grande,e, óbvio, todo o seu séquito de “discípulos”. Sem tal reconsideração, prezado Horridus, voltamos ao mantra verificado pelo Safatle e à estrutura circular de telenovelas do Dagobé. Ou não?

    tião medonho

    concordo que não é só o Brasil que foi elucidado…foi toda a Ibero América ou mesmo toda a latinidade (incluindo as matrizes europeias)..ou a atual “crise final do capitalismo” (atualmente temos uns três fins do mundo por ano onde a “sinistra” decreta que agora sim, o capitalismo vai pro saco)…mas como dizia o que tem a atual “crise final” de característico??? é coisa de Itália, França, Espanha e Portugal (a Grécia entra pelo parentesco óbvio)…somente. Enfim o território católico/caótico, antimodernidade, da anticiência, da contra-reforma, da burocracia pétrea, do ranço gótico/barroco.
    E pra concluir, se uma esquerda radical, honesta, iluminada, cheia de boa vontade, pudesse alterar esse ambiente Cuba seria um sucesso. Todos, esquerda e direita são frutos precocemente apodrecidos do mesmo caldo de cultura.

Gerson Carneiro

Detalhe: ainda há o requinte de direcionar o discurso “corrupção” exclusivamente para o Governo Federal, ignorando totalmente a corrupção que acontece na esfera dos governos estaduais e municipais, muitos casos até mais escandalosos tamanha dissimulação, como por exemplo o feirão de emendas da ALESP, e a associação TV Cultura & Grupo Folha & Grupo Abril.

    Pitagoras

    Fato. Primeiro, inegável que o executivo federal, o Congresso e o Judiciário superior se encontram naturalmente mais expostos à sociedade; longe de ideal, a polícia Federal está anos-luz à frente dessas guardas pretorianas que são as PM estaduais e a falida e contaminada polícia civil; mas o pior e mais sintomático é que as esferas mais próximos do se deveria chamar de cidadão, o município, os vereadores, e logo acima o estado, a assembleia legislativa, estão longe do seu escrutínio .
    Essas esferas de poder estão muito mais promíscuas, alheias ao cidadão, e perpetuam oligarquias e máfias locais.
    Assim não há risco de democracia no horizonte. É tudo uma gigantesca fraude!

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