Brasileiras com câncer de mama terão mais chance de cura com remédio disponível no SUS a partir de janeiro

Tempo de leitura: 4 min

Remédio que aumenta chance de cura estará disponível no SUS a partir de janeiro

Dr. Munir Murad: “O trastuzumabe reduz em aproximadamente 50% a possibilidade de recaída da doença”

por Conceição Lemes

O câncer de mama é o segundo mais freqüente no mundo e o primeiro entre as mulheres. Este ano devem ocorrer mais de 1,15 milhão de casos novos e 400 mil óbitos.  No Brasil, são esperados 53 mil casos novos e 12 mil mortes em 2012.Indubitavelmente, uma questão importante de saúde pública.

A boa notícia: a partir de janeiro de 2013, o trastuzumabe — um dos remédios mais importantes para tratamento da doença inicial e avançada –, estará disponível a todas as pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS).

Até agora, só tinham acesso as mulheres tratadas em clínicas privadas ou de convênios (parte dos planos de saúde cobre a medicação) e as que o conseguiam via judicial.

A medida foi aprovada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), do Ministério da Saúde. Os oncologistas comemoram a decisão.

“Nos casos diagnosticados em estágios iniciais, o trastuzumabe aumenta significativamente a chance de cura, reduzindo o risco de recaída”, afirma o oncologista Munir Murad Júnior, coordenador do Programa de Residência Médica em Cancerologia Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Já entre as pacientes com doença avançada, metastática, sem possibilidade de cura, o trastuzumabe melhora a qualidade de vida e, principalmente, aumenta o tempo de  sobrevida. Em um estudo clássico, mulheres que não receberam a medicação tiveram sobrevida média de 20 meses em contraste com os 26 meses das mulheres tratatas com o medicamento em questão.”

DROGA PARALISA ATIVIDADE DAS CÉLULAS NEOPLÁSICAS

Em geral, as mulheres com câncer de mama têm 60% de possibilidade de estarem vivas cinco anos após o diagnóstico. Isso, é claro, depende muito da fase em que é detectado.

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Nos tumores iniciais, quando a cirurgia é totalmente factível, essa chance é superior a 90%. Mas é possível aumentá-la, indo para 93%, 95% com alguma terapia adjuvante, que colabore com o tratamento principal. Pode ser quimioterapia, radioterapia, hormonioterapia ou qualquer outra terapêutica feita para aumentar a probabilidade de cura. É nesse contexto que entra o trastuzumabe.

“O tratamento primário do câncer de mama é o cirúrgico”, explica Murad. “O trastuzumabe é adjuvante. É usado junto com a quimioterapia.”

Detalhe: o trastuzumabe não é um quimioterápico padrão. É o que os médicos chamam de medicação de terapia alvo.

Explico. Hoje em dia, graças a técnicas moleculares, é possível descobrir as moléculas das células que sofreram mutações. Algumas estão mais frequentemente alteradas nas células do câncer do que nas sadias. Usa-se, então, uma medicação que vai atuar nessas moléculas modificadas.

O trastuzumabe atua numa molécula chamada HER2. O HER 2 é um receptor que fica na membrana das células com câncer e estimula a sua replicação. Esse receptor está com expressão aumentada em aproximadamente 20% das pacientes com câncer e lhes confere pior resposta ao tratamento com quimioterapia clássica. O trastuzumabe inova por interagir com o HER 2, travando a sua atividade. Resultado: o medicamento paralisa a divisão das células neoplásicas.

“O tempo de uso vai depender da doença em cada paciente”, afirma Murad. “Mas frequentemente nos estágios iniciais, após a cirurgia, o trastuzumabe é usado junto com quimioterapia geralmente durante seis meses; depois, sozinho por mais seis meses para completar um total de 52 semanas . Reduz-se, assim, em aproximadamente 50% a possibilidade de recaída da doença.”

O próprio Murad faz questão de alertar sobre três pontos.

Primeiro, o trastuzumabe é tóxico para o coração. Então, é preciso ter boa função cardíaca para recebê-lo.

Segundo, algumas drogas usadas em quimioterapia não combinam bem com ele, devido aos efeitos colaterais. Por isso, tem de se evitar certas combinações.

Terceiro, não é uma panacéia, que resolveu totalmente o problema do câncer de mama.

“Mas ajudou, sim. É uma droga que há 10 anos mudou a história do câncer de mama, especialmente para pacientes incuráveis”, frisa Murad. “Do ponto de vista científico, hoje não é mais uma novidade. A novidade é estar disponível para toda a população que precisar.”

MAMOGRAFIA PERIÓDICA AUMENTA CHANCES DE CURA

— E a prevenção, como fica agora com o trastuzumabe? – muitos devem estar se perguntando.

Atenção. Uma coisa não tem a ver com a outra. O fato de se ter hoje uma droga potente que melhorou a possibilidade de cura de alguns casos e de maior sobrevida para outros, não quer dizer que se deva ficar tranquila e deixar para lá os exames de triagem.

Estamos falando da mamografia (radiografia de mama), que possibilita o diagnóstico precoce da doença. Ela ajuda a identificar tumores de mama numa fase em que a mulher ainda não percebeu que existe algo errado. Resultado alterado não significa ter câncer. É necessário biópsia do nódulo para saber exatamente o que é. No local, injeta-se uma agulha, que retira um pedacinho de tecido mamário. Na maioria das vezes, não é câncer, mas tumor benigno.

Há apenas certa divergência na literatura em relação à idade em que deve ser feita e a periodicidade.

O Instituto Nacional do Câncer, o Inca, do Ministério da Saúde, recomenda a cada dois anos para mulheres entre 50 e 69 anos, ou segundo recomendação médica.

Já o Centro de Promoção da Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo recomenda a toda mulher acima de 40 anos a cada um ou dois anos. Já para as mulheres com história familiar de câncer de mama, a orientação é caso a caso.

“Mas o que indubitavelmente está definido é que para mulheres acima de 50 anos uma mamografia anual aumenta as chances de cura, diminuindo o risco de você morrer de câncer de mama”, recomenda o oncologista Munir Murad. “Faça a mamografia periodicamente. Converse com o seu médico a respeito.”

PS do Blog da Saúde:  Consultei o Ministério da Saúde para saber por que não disponibilizar o trastuzumabe imediatamente, como já havia dito nos comentários.  Segue a resposta da sua assessoria de imprensa:

De acordo com a o decreto 7.646, que dispõe sobre o processo administrativo para incorporação de tecnologias no SUS, foi estabelecido um período de 180 dias para que o sistema efetive a oferta à população. Esse tempo é o prazo limite, usado para organizar e preparar as unidades de saúde pública de todo o país, capacitar os profissionais, criar protocolo clínico de uso e efetuar a compra e distribuição do medicamento. Inclusive, a expectativa do ministro da saúde, Alexandre Padilha, é de que o medicamento trastuzumabe esteja disponível no SUS antes mesmo do prazo legal.

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Comentários

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Maria Júlia

O INCA fez mais recomendações que ajudariam a reduzir o número de mortes por câncer: http://www.femama.org.br/novo/noticias-detalhe.php?menu=not&id=37#.U35gsvldWQY

izabel maria scapin renosto

Parabéns pela notícia

Precisamos muito de apoio, principalmente nós que moramos longe das capitais.

Almir Macedo

O Dr. Munir Murad foi bem na entrevista e com muita segurança. No entanto o comentário escrito por ele foi também muito esclarecedor. Também lamento que o remédio não esteja disponível ainda. Por que esperar para 2013? Com a palavra o ministro Padilha.

Munir Murad Júnior

Boa noite. Pelos comentários deu pra perceber que ficou claro que a droga em questão é importante para o tratamento de uma parcela das pacientes com câncer de mama. Que bom que a entrevista gerou assunto; fico ainda mais satisfeito ao perceber que a discussão foi pra um lado amplo e muito interessante: incorporação de novas tecnologias.
É um assunto complexo, que envolve várias áreas do conhecimento (no mínimo): medicina, economia, ética e direito. Não dá pra entrar num assunto desses desarmado e contando apenas com “bom senso”. Claro que num primeiro momento existe uma tendência a simplificação e vamos desejar sempre o melhor para todos. Paul Kind, uma grande referência no assunto, numa visita a Faculdade de Economia da UFMG começou uma de suas aulas a poucos dias dizendo ser “impossível para qualquer sistema de saúde dar tudo, para todos, ao mesmo tempo”. Esse argumento está intimamente ligado a dura realidade de lidarmos com recursos finitos. Por mais que nossa vontade seja instintivamente contrária, sempre teremos que lidar com limitação de recursos. Estamos diante, portanto, de um desafio enorme: equilibrar um sistema de saúde com recursos limitados tensionado por uma demanda que pode parecer infinita. Com a evolução da medicina, novas abordagens cirúrgicas, novas medicações, novos exames…estão em crescente desenvolvimento e isso é ótimo. Entretanto, não dá pra assumir que toda nova tecnologia é boa e que qualquer ganho deve ser incorporado. Uma avaliação crítica dessas novas tecnologias deve ser feita, devem ser avaliados os reais benefícios oferecidos pelas novidades, a capacidade de se reproduzir esses ganhos em condições distintas e custo que tudo isso iria gerar. Grandes sistemas de saúde no mundo atual estão compromissados com o desenvolvimento desse tipo de análise, que sai da simplificação: esse remédio é “o melhor” e tende a ir para “esse remédio altera desfechos realmente importantes (risco de morte/incapacidades etc…) com efeitos colaterais toleráveis, sob um custo que é aceitável para o sistema de saúde. Os sistemas de saúde bem organizados assim, quase sempre, estão sendo criticados por não disponibilizarem tudo… Entretanto são os que vem mostrando ao mundo uma alternativa factível de realização de saúde pública universal de qualidade. Isso pra não falar de onde vem a crítica: de países que quase nada oferecem de maneira universal, que boa parte de seus cidadãos não recebe cobertura por nenhum sistema de saúde e que os gastos com saúde são altíssimos, para poucas pessoas e com resultados, portanto, questionáveis.
Aqui vai um link do Guardian pra uma matéria que compara sistemas de saúde num contexto mundial interessante (os números são da OMS): http://bit.ly/QZ05Qz
Só a tabela já deixa uma boa ideia.
Em suma, queria deixar claro que é um assunto delicado, técnico e que um equilíbrio entre representantes da sociedade, do governo e da indústria deve ser almejado e obtido com medidas transparentes para todos os setores da população.
Fico muito satisfeito em colaborar…

    Conceição Lemes

    Obrigada, dr. Munir, por mais esses esclarecimentos. O Ministério da Saúde, via assessoria de imprensa,disse que realmente não pode disponibilizar o trastuzumabe de imediato às mulheres que necessitam do medicamento. A resposta do MS está num PS,que acrescentei ao texto da matéria. abs

    Samanta M. Cunha

    Dr. Munir abordou a questão de maneira cuidadosa, aprofundada e pertinente. Obrigada, foi uma aula.

    Claudia Peres

    Dr.Munir

    Essa noticia é uma das melhores que ja li nos últimos anos, adorei suas explicações, Gostaria de parabenizar vc e toda a equipe medica, por esses 5 longos anos de dedicação não só a mim, mas com todas as pessoas que precisam de vcs no HC de Belo Horizonte.
    Muita obrigada por tudo, e por não ser só o medico e sim o amigo humanitário que precisamos tanto na hora de receber um diagnostico de câncer.
    Obrigada mesmo.
    Sua paciente chata de São Paulo, rsrsrsrsrsrs.

Ignez Soares

Onde está o movimento feminista que nem brigou para que o remédio chegasse à RedeSUS e nem corre atrás pra que seja liberado logo?

Maria Helena

Cabe perguntar, já que perguntar não ofende: onde está o movimento feminista que nem pediu o remédio mais moderno para a RedeSUS e nem corre pra que seja liberado logo? Pelo visto as feministas não têm câncer de mama.

Conceição Lemes

Valéria, Laura e Tetê, obrigada. Já fiz esta pergunta ao Ministério da Saúde, estou aguardando a resposta. bjs

Maria Helena

Conceição lemes, como sempre, nos brindando com uma entrevista bem elaborada. Agradeço ao Dr. Munir Murad as informações prestadas.
Também não entendi porque o remédio só estará disponível na red epública em 2013. Se vira Padilha!

Tetê

Alguém sabe dizer por que o remédio só chegará ás brasileiras pobres só em 2013? Sim, para a spobres, porque as ricas já o tiomam há muito tempo, pois podem comprá-lo! Preocupa-me a longa espera, porque contra o câncer 2013 é longe demais e muitas poderão morrer até lá, apenas pela falta do remédio.
Gostei da entrevista com o Dr. Munir Murad

Laura Antunes

Os oncologistas comemoram a decisão.
Até entendo e merece mesmo comemoração, no entanto porque o acesso não é de imediato?
Deve ser um horror saber que tem um remédio mais eficaz e não poder tratar os doentes com ele. Há um boato, que parece ser verdadeiro, que os remédios para cãnceres no SUS não são sempre os de “última linha”. Será que isso é ético (fornecer remédios mais antigos e menos eficazes quando há no mercado outros considerados melhores, de última linha? Deveria ser feita uma lei que obrigasse o SUS a oferecer sempre o melhor tratamento existente no momento.

Valéria

Dr. Munir, por que o remédio será distribuído pelo SUS só em 2013 se ele já está à venda e quem pode pagar por ele pode comprá-lo? Ministro padilha, se entene moço, até janeiro de 2013, por exemplo, quantas mulheres morrerão precocemente por não ter usado o remédio? É vergonhoso não disponibilizar o remédio antes.
Gostei de suas falas.

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