A questão verdadeiramente estrutural que distingue Serra e Dilma é de natureza histórica, não retórica. Grosso modo, poder-se-ia condensá-la numa pergunta: desenvolvimento para quem? A resposta opõe, de um lado, os interesses mais retrógrados e reacionários da sociedade brasileira, que tem, objetivamente, em Serra seu estuário neste pleito, e, de outro, Dilma Rousseff, referência de continuidade do amplo espectro de forças aglutinadas em torno do atual governo. É isso que está em jogo nesta campanha presidencial.
Editorial, Carta Maior
José Serra critica, corretamente, a ortodoxia encastelada no Banco Central que subiu a taxa de juros em abril de 2008, quando a crise internacional já campeava solta nos mercados financeiros e requeria um ajuste de sentido exatamente oposto. O que Serra não diz –porque não pode, porque não enxerga ou porque discorda – é que sem contar com o lubrificante do juro baixo para gerar um efeito contracíclico favorável ao investimento e a demanda, o Presidente Lula não hesitou.
A contrapelo do que foi a ação do Estado brasileiro em crises anteriores, sobretudo aqueles registradas durante os oito anos em que Serra foi ministro de FHC, Lula determinou generosa ampliação da liquidez pelos bancos públicos –que ele não privatizou, mas fortaleceu, ao contrário de seu antecessor; a expansão do crédito popular –cujo volume mais que dobrou em relação ao governo tucano e hoje se aproxima de 50% do PIB; o aumento real do salário mínimo,que teve ganho real de 73% acima do INPC desde 2003; a ampliação do Bolsa Família –que a oposição até há pouco denominava de ‘bolsa-esmola’ e ‘gastança’; o financiamento de máquinas à agricultura famíliar; a ampliação dos investimentos da Petrobrás, e os do PAC, além do incentivo à construção civil, com o reforço nos financiamentos da CEF e o programa Minhas Casa, Minha vida. A enfeixar esse conjunto, uma contundente desoneração fiscal foi promovida em vários setores produtivos.
Delfim Netto, ex-ministro da ditadura militar, já havia feito a mesma crítica de Serra à política de juros do BC antes, com maior profundidade e rigor, em colunas que assina na Folha e no jornal Valor, ademais de textos nesse sentido publicados em sua página na Carta Capital. Carta Maior concordou, deu divulgação e ampliou essas críticas na época, abrindo espaço às ponderações no mesmo sentido feitas por outros economistas, à esquerda. Nem por isso credita-se a Delfim Netto qualificações políticas para gerir o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro na sucessão do Presidente Lula.
Não se confunda essa travessia com uma gincana de conhecimentos em macroeconomia, quesito em relação ao qual tanto Serra, quanto Delfim e Dilma Rousseff se ombreiam, sendo conhecidas também as restrições da ex-ministra à ortodoxia neoliberal, bem como seu corajoso contraponto cotidiano à orientação imposta pelo paloccismo no 1º mandato de Lula. O que está em questão nesse divisor político é mais dramático do que a proficiência retórica em capítulos básicos de livros textos de estudantes de economia. A questão verdadeiramente estrutural que distingue Serra, Delfim e Dilma é de natureza histórica, não retórica. Grosso modo, poder-se-ia condensá-la numa pergunta: desenvolvimento para quem? A resposta opõe, de um lado, os interesses mais retrógrados e reacionários da sociedade brasileira, que tem, objetivamente, em Serra seu estuário neste pleito, e, de outro, Dilma Rousseff, referência de continuidade do amplo espectro de forças aglutinadas em torno do atual governo, dentro do qual os interesses reacionários – que empalmam a candidatura José Serra – sofrem o contrapeso da enraizadora presença de movimentos e lideranças populares, incluindo-se aí o Presidente e sua base de origem.
É isso que está em jogo nesta campanha presidencial. O ferramental macroeconômico, assim como a bola, no futebol, para recorrer a uma metáfora a gosto de Lula, não decide o jogo. Quem marca ou leva gol é a equipe que conduz a bola e, sobretudo, o lugar reservado à imensa massa de brasileiros no jogo do desenvolvimento. Sabemos o lugar que aqueles que apóiam Serra destinaram ao interesse popular sempre que empalmaram o poder como pretendem faze-lo agora, de novo, tendo à frente um personagem obrigatoriamente esquivo, dada a natureza imiscível entre o que sai de sua boca e as forças que comandam o seu destino.
Comentários
Sagarana
O único risco agora é o Plínio de Arruda Sampaio. Os banqueiros não temem nenhum outro. Muito menos a doce Dilma.
Tweets that mention Carta Maior: Serra, a taxa de juros e a História | Viomundo – O que você não vê na mídia — Topsy.com
[…] This post was mentioned on Twitter by Mario Madureira. Mario Madureira said: Carta Maior: Serra, a taxa de juros e a História – http://tinyurl.com/2u4kno9 (via @viomundo). Entenda por que Dilma é melhor para o Brasil […]
Gerson Carneiro
História… ah, sobre história.
Na última terça-feira, 11/05/2010, o Ministério da Justiça oficializou à Suiça e à França 19 pedidos para quebra de sigilo de 19 brasileiros suspeitos de receber propina da Alston entre 1995 e 2003. O dinheiro destinava a garantir à multinacional francesa contratos vantajosos com empresas públicas brasileiras, dentre elas empresas públicas administradas pelos tucanos em São Paulo.
Esse caso não envolve apenas história, mas também economia e administração. Hein! Seo dotô economista.
Marat
Há algo de muito errado com o PSDB: Os caras criticaram ostensivamente o atual governo, mas agora se dizem de esquerda (aliás, quando o Her Bornhausen dirá que é vermelho?), dizem que não vão privatizar etc. Quem eles (e a sua imprensa) pensam que enganam?
Fabio_Passos
Ótima análise da Carta Maior afirmando que a crítica de zé serra ao comportamento do BC é correta.
Outra coisa é a discussão se a critica é cínica.
A submissão do Brasil aos ditames dos especuladores é uma aberração.
O cassino continua aberto e isto é péssimo para o Brasil.
mila
Com toda certeza não serão os tucanos, responsaveis pela maior taxa de juros da historia deste país, que resolverão essa aberração que sangra o Brasil.
O passado condena os demo-tucanos…
Jairo_Beraldo
E ainda querem botar banca,Mila…como "não tenho nada com isso".
Fabio_Passos
Os tucanos é claro que não.
Foram eles que escancararam o Brasil para a jogatina do cassino.
Quem põe fim nisso é o Plinio de Arruda Sampaio.
setepalmos
A questão dos juros é polêmica.
Ela abarca questões como o rendimento de títulos da dívida pública, da caderneta de poupança, e controversamente da inflação. De um lado, o Estado tem gastos imensos com os rendimentos destes títulos, e o massivo e incomodo aporte de investidores de curto prazo atraídos pela ciranda financeira. Não distante, uma pressão gerada pelo rendimento da caderneta de poupança que inibe a baixa dos juros, que em caso de queda, faria a poupança ser mais atraente do que outros investimentos – é salutar rememorar a atuação do PPS em face da proposta de taxar as cadernetas com aplicações suntuosas. Com relação à inflação, em verdade os juros tem efeito de inibição creditícia, existiriam outros mecanismos para atacar pressões inflacionárias, as mais interessantes em meu sentir seriam as que estimulam a produção.
É neste particular que entra a birutice de aeroporto, ou como eu creio, a sem-vergonhice. Serra de um lado critica a atuação do BC, e de outro a imprensa critica a atuação do executivo, expondo que os estímulos à economia deveriam ser retirados há tempos.
São momentos os quais se chega a falar de superaquecimento da economia, de falta de mão de obra qualificada. A verdade é que estes que ladram estas bobagens são os mesmos que diziam que o país não conseguia crescer a taxas asiáticas por incompetência da gestão. É a torcida que solta espuma pela boca, raivosa como um viciado em crack atrás de sua droga, neste particular que não seja mais fácil do que é constatar a sua incompetência.
A falta de oferta de mão de obra, que empurra positivamente os reajustes de salários, escancararia a incompetência de planejamento dos 4 primeiros anos do governo FHC, quando não houve investimento na criação de Institutos técnicos, na formação de mão de Obra.
É tudo o que a oposição deseja evitar.
carlos hely
Realmente serra e o escolhido a dedo pela elite brasileira para voltar aos anos de ouro onde só eles poderiam ter carros, filhos em universidades federais e juros tão altos que não precisava investir. Alias investir pra que com um juros de 42% ao ano! Serra foi o governador que desceu o cassetete na polícia civil de SP, nos professores, espalhou o pedágio pelas rodovias de SP e não quer nem saber o que o povo pensa, dá se uma sumida e a impressa não fala nada e o povo segue a vida.
Jairo_Beraldo
Os paulistas tem culpa nisso.Se elegem continuamente os tucanos,é porque estão satisfeitos com o que acontece…ou voce tem dúvida,que Alckimin será eleito lá?
Ricardo Valim
Vale lembrar que, enquanto o candidato José Serra alardeia sua crítica à taxa de juros, aqui em São Paulo, o governador José Serra decidiu substituir a "absurda" taxa SELIC na atualização de débitos tributários pelos juros diários de 0,10%, isto é, 3% ao mês ou 36% ao ano, mais que o quádruplo da taxa que ele ataca. Isso é um baita calcanhar de aquiles do candidato oposicionista e merece ser melhor divulgado.
Leider_Lincoln
De fato, Valim, de fato. Daria uma ótima matéria.
mila
Vamos espalhar pela internet…
Jairo_Beraldo
Muito bem lembrado.temos que converter este comentario em noticia e espalhar na blogosfera.
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