Dr. Rosinha, especial para o Viomundo
Carta Capital, diga-se de passagem a melhor revista semanal do Brasil, traz na edição de número 689, do último dia 21 de março, uma pequena nota com o título “Não teve graça”. Não só a reproduzo, mas também roubo o título dela para nominar este artigo.
“A patrulha antipoliticamente correta achou que era boa ideia: antes do show de comédia, o cliente se comprometia a não se ofender com as piadas sobre negros, mulheres, gays e deficientes.
Faltou combinar com a banda. Ao ser chamado de macaco em pleno palco, o tecladista Raphael Lopes saiu do local e chamou a polícia. A confusão marcou a primeira noite de humor Proibidão, no Kitsch Club, em São Paulo.
A ofensa aconteceu quando o comediante Felipe Hamachi fez uma piada na qual relacionava a Aids com o sexo entre humanos e macacos e olhou para Raphael, que é negro.”
Ao olhar para Raphael, Hamachi ofendeu-o diretamente. Mas, mesmo que não tivesse olhado para o tecladista, estava ofendendo-o e ofendendo também os homens e mulheres minimamente inteligentes.
Isto não teve graça e tantas outras piadas, ações, atos e gestos preconceituosos realizados cotidianamente tampouco tiveram ou têm graça.
Como pode alguém, como que se prevenindo de possíveis crimes por preconceitos, pedir ao cliente que “não se ofenda” com as piadas sobre negros, mulheres, gays e deficientes, se vivemos num país preconceituoso e machista?
Este tipo de comportamento só faz alimentar o preconceito e o machismo. Machismo que leva a crimes, alguns bárbaros, como o que ocorreu em Queimadas, na Paraíba.
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Em Queimadas, na madrugada do último 12 de fevereiro, ocorreu uma “festa de aniversário”. O aniversariante pediu como “presente” algumas meninas, e que as mesmas fossem escolhidas a “dedo”.
Para que o presente fosse completo, não poderia haver alarde e tampouco gritos, por isso foram compradas cordas, panos para elaborar capuz, meias e esparadrapos para vedar a boca.
O capuz era para cobrir o rosto das convidadas, as cordas para amarrá-las e as meias e esparadrapos, para vedar a boca para que não pudessem gritar. Tudo planejado, agora era ir para a festa-crime.
Durante a “festa” de aniversário, duas delas conseguiram reconhecer os “festeiros” criminosos. As duas foram amarradas, vedadas e colocadas na carroceria de um Fiat Strada, e levadas como reféns.
Na cidade, em frente à igreja Nossa Senhora da Guia, uma delas conseguiu pular e, ali mesmo, foi baleada e morta. A outra foi encontrada, no dia seguinte, morta, na carroceria do carro, amarrada, despida e com meias na boca.
Aparecida Gonçalves, da Secretaria Nacional de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, trouxe, na semana passada, este fato para a CPI mista que investiga as causas da violência contra as mulheres. Pediu que o adotemos como um caso simbólico do machismo.
Mesmo com a enorme subnotificação que há no país, a taxa de homicídios de mulheres é alta. Essa taxa é o número de homicídios a cada 100 mil mulheres. A média nacional, em 2010, foi de 4,4.
Aviso para quem não é da área: a taxa brasileira é altíssima.
O Estado em que mais se matam mulheres é o Espírito Santo, com o coeficiente de 9,4. Em segundo, Alagoas (8,3). Talvez por ser da região Sul do país, pouco se fala a respeito, mas o Paraná é o terceiro do ranking, com uma taxa de 6,3 assassinatos a cada 100 mil mulheres.
Não se divulga, mas o Paraná e sua capital Curitiba têm uma alta incidência de violência e, consequentemente, uma alta taxa de homicídios. Está à frente inclusive da própria Paraíba, que ocupa o quarto lugar (6,0) entre os Estados onde há mais assassinatos de mulheres.
Cida Gonçalves, como a conhecemos, iniciou sua apresentação na CPI com a seguinte frase: “O simples fato de nascer mulher constitui um fator de risco em determinadas conjunturas sociais” (o realce da frase é por minha conta).
É isto mesmo que ocorreu em Queimadas. Só o fato de ter nascido mulher já a predispõe a ser vítima.
O crime em questão foi fruto do machismo e da impunidade para esses tipos de delito. Ou alguém imagina que um grupo de mulheres organizaria uma “festa” com esse teor macabro?
Só a cabeça doentia do machista faz isso. Esta festa, assim como a piada de Felipe Hamachi, mesmo para o mais radical dos machistas, não teve graça.
Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No twitter: @DrRosinha
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Comentários
Reflexões sobre o estupro coletivo em Queimadas | OCOMPRIMIDO
[…] continuo chocado, por isso volto ao tema. Já abordei o que aconteceu em Queimadas num artigo (“Não teve graça”) publicado aqui no Viomundo, mas entendo necessário voltar ao […]
Dr. Rosinha: Reflexões sobre o estupro coletivo em Queimadas « Viomundo – O que você não vê na mídia
[…] continuo chocado, por isso volto ao tema. Já abordei o que aconteceu em Queimadas num artigo (“Não teve graça”) publicado aqui no Viomundo, mas entendo necessário voltar ao […]
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[…] Dr. Rosinha: Não teve graça […]
marcosomag
Não vou julgar a piada do cara pois não sei se foi ou não engraçada. Sou totalmente contra politicamente correto no humor. Nos dias que correm, "feras" como Costinha e Dercy Gonçalves, antíteses do politicamente correto, passariam fome.
Ana Paula
Embora eu admire os artigos do Dr. Rosinha, sinto que os dados apresentados são insatisfatórios, apesar de reconhecer o problema da violência contra a mulher no Brasil e admiti-lo gravíssimo, considero necessária uma melhor apresentação dos dados.
"O Estado em que mais se matam mulheres é o Espírito Santo, com o coeficiente de 9,4. Em segundo, Alagoas (8,3)."
Os estados citados pelo Dr. Rosinha são os 2 mais violentos do Brasil, com taxas de homicídios por 100.000 habitantes de 60,3 (AL) e 56,4 (ES). Evidentemente que nestes estados mais mulheres são vítimas de assassinatos, porque mais pessoas em geral são vítimas de assassinato.
Vinicius Garcia
Está faltando inteligência aos humoristas, a piada pode ter a figura do escracho e do deboche, mas deve ter também o cuidado de não ser ofensiva. Há sim meios de fazer graça sem apelos extremos. Tematizar racismo como piada só se for para por em ridículo o racismo, e não para incentivá-lo.
Fujencio
Fico imaginando,como a casa que estava sabendo do teor do show,mesmo assim ainda o permitiu.Acho que não so o humorista como tambem a casa tinham que ser responsabilizados.Com relação ao que aconteceu em Queimadas(neste caso),dizer que foi fruto de machismo e uma piada tão sem graça quanto a do humorista preconceituoso.Aqui no Rio tinha uma gangue de mulheres que roubavam e chegaram a fazer uma vitima fatal e ninguem nunca disse que isso era coisa de feministas.Não sou e nem quero ser o dono da verdade,mas deixemos bem claro que machistas e/ou feministas são uma coisa completamente diferente dos criminosos ou criminosas aqui citados. Acho que o deputado autor deste texto dveria saber a diferença…
mfs
É verdade, Eu como machista protesto quando me acusam de criminoso. Sou uma pessoa de bem que apenas paga salário menor para as mulheres que exercem a mesma função que os homens, apenas demito uma funcionária se a vida sexual privada dela não me agradar, consigo ser mais ameaçador quando discuto com uma mulher que é fisicamente mais fraca do que eu, escolho minhas funcionárias a dedo (especialmente quando não reagem negativamente) e estou convencido de que os homens são mais inteligentes e moralmente superiores às mulheres, com exceção da minha mãe, claro.
Fujencio
Acho que você não entendeu o que eu quis dizer,mas vou explicar a você,eu não acho que o cara so porque e machista seja um estuprador,sequestrador ou homicida.Não concordo com salário menor para as mulheres que exercem a mesma função que os homens,ameaçar as mulheres e etc., so não acho que machista ou feminista seja sinônimo de criminoso.Não acho que você seja machista,parece mais feminista,não quer dizer que você seja um criminoso por isso.
José Geraldo Gouvêa
Houve um tempo em que humorismo era a arte de se fazer graça. Hoje em dia os "humoristas" acham que têm o direito de agredir, ofender, caluniar e vilipendiar, e ainda ficam surpresos quando as pessoas reclamam. Chamam-nas de "patrulha do politicamente correto", como se fosse errado. Tenha quantos erros tiver, essa ideia de expressão politicamente correta é um triunfo da educação, da civilidade e da empatia. Ser mal educado não é um direito. Não é algo de que ninguém deva se orgulhar. Mas hoje em dia, com nossos valores invertidos, ser idiota é cool, ser brega é chique, ser mal educado é descolado e ofender os outros é fazer humor. Pobreza de espírito desses "humauristas" (criando um neologismo inspirado no Dicionovário do falecido Millôr, este sim um exemplo de humor visceral que não precisava de falta de educação). Pobreza de espírito generalizada em uma sociedade onde tantas pessoas acham normal fazer graça (na verdade, bullying) contra minorias. Uma regra elementar de convivência que meus pais me ensinaram quando criança é: "não se faz piada da desgraça alheia, não se ri de defeito físico e não se fala mal da mulher dos outros." Certos humoristas parecem filhos de jacaré, chocados sem mãe, na areia da margem do rio. Infelizmente há muitos filhotes de jacaré no mundo.
Geysa Guimarães
Quanto à piada: não se ofender com ela é uma coisa, mas ser colocado no palco como parte dela, parece que não fazia parte do "compromisso".
Não teve graça mesmo, tem que fazer o que o ofendido fez, buscar reparação.
Tudo no texto é interessante. Uma "festa" para os olhos de nós, mulheres.
Parabéns ao dr. Rosinha.
pperez
A Lei Maria da penha veio até atenuar um pouco a violencia contra as mulheres. em especial nos grandes centros urbanos
Mas o exemplo aí de cima,comprova que os herdeiros de Lampião ainda mandam e desmandam no sertão nordestino com conivencia ainda de muitas autoridades, coroneis,grileiros,capatazes etc
Duarte
Chico e millor nunca precisaram fazer uma idiotice como essa para aparecerem, tinham talento, coisa que falta nesta moçada arrivista….
Ana Paula
Duarte, o Chico Anysio fazia humor pintando o rosto com maquiagem escura e interpretando um negro estereotípico. Nos EUA isso é conhecido como 'blackface' e é reconhecidamente humor de caráter racista. Não vou nem falar dos personagens do Chico que eram homofóbicos… o Chico sempre apontou pra multidão e escolheu a dedo o mais fraco pra fazer graça, nunca satirizava os patrões, ele não é um bom exemplo, já o Millôr, este era elegante!
mfs
Ninguém pode abrir mão de um direito numa situação de presumível coação. O empregado não pode abrir mão de ter carteira assinada. Do mesmo modo, é óbvio que o empregado foi coagido a assinar um termo de que não se sentiria ofendido com as piadas racistas. O caso foi claramente de racismo, não apenas injúria, mas de racismo na medida em que obrigou o funcionário a aceitar o assédio moral como garantia de manutenção do emprego. É caso de polícia, seu juiz.
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