José Roberto Torero: Proibir ou não, eis a não questão

Tempo de leitura: 5 min

Não adianta proibir uma torcida de assistir aos jogos. Pois basta que os mesmos sujeitos entrem com camisas brancas e pronto, a proibição está contornada. A questão é mais complicada, e tem ressalvas, confissões, críticas, soluções, avisos e enfins.

por José Roberto Torero, em Carta Maior

Na primeira versão deste texto, o título era “Proibir ou não, eis a questão”. E obviamente a proibição seria em relação às torcidas organizadas. Mas pensei, escrevi, repensei, reescrevi e cheguei a este novo título, pois acho que a proibição é uma falsa questão.

Não adianta proibir uma torcida de assistir aos jogos. Pois basta que os mesmos sujeitos entrem com camisas brancas e pronto, a proibição está contornada.

A questão é mais complicada, e tem ressalvas, confissões, críticas, soluções, avisos e enfins. Vamos às ressalvas:

Ressalvas

Nunca fui de nenhuma torcida organizada, mas imagino que deve ser muito divertido você se juntar a outros torcedores e ver jogos do seu time. Dá a alegre sensação de pertencer a um grupo. Você canta, pula torce, tem eco nas alegrias e consolo nas derrotas.

E as organizadas não são organizações criminosas (o que não quer dizer que não haja criminosos por lá). Certa vez dei uma palestra na Gaviões (nenhuma outra torcida me convidou) e conheci vários dirigentes inteligentes e bem intencionados.

Também não se pode esquecer que a violência, principalmente na adolescência, é algo comum, de forma nenhuma exclusiva de torcedores de futebol. Basta ver as brigas nas escolas hoje em dia. Ou usar a memória e lembrar dos seus tempos de antanho. Eu, pelo menos, dei e levei alguns socos na adolescência.

A última ressalva é que não me parece certo proibir a associação de pessoas. Há um certo ar de ditadura em dizer que as pessoas não podem ficar juntas, seja para fazer política, cantar ou ver futebol.

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Confissões

No início da minha carreira de colunista esportivo fiz um texto chamado “Torcedores, uni-vos”, uma espécie de manifesto torcedorista, que colocava o torcedor organizado como um potencial fator de mudança no futebol.

Eu realmente acreditava nisso. Mas, catorze anos depois, já não tenho a mesma opinião.

Pouquíssimas vezes as organizadas trouxeram avanço ao futebol. Em muitos casos elas foram usadas pelas diretorias dos clubes, vendendo seu apoio por ingressos grátis, dinheiro para churrasco, etc… E muitas vezes seguiram líderes tolos, mais interessados na projeção individual do que no clube.

Também pensei que as torcidas organizadas poderiam transbordar da vida boleira e ganhar uma cara mais política. Imagine, por exemplo, o que uma associação de organizadas não poderia fazer?

Mas esse transbordamento não ocorreu. Só conseguiram fazer isso com eficiência com relação ao carnaval. E tem sido uma experiência lamentável, vide os fatos acontecidos na última apuração.

Aliás, uma das coisas mais tristes do carnaval paulista é ver os integrantes da Gaviões em silêncio durante o desfile das outras escolas de samba.

Críticas

Além da violência contra torcedores de outros clubes, as organizadas também dificultam a vida dos torcedores do seu clube. Por conta do perigo iminente, pais pensam duas vezes antes de levar seus filhos ao campo. Não é apenas pela diminuição do número de lugares que os estádios têm médias de público menores do que antigamente. É também pela fuga do torcedor comum.

Mesmo que não haja briga, a torcida organizada é chata com o torcedor normal. Se você está sentado por perto, eles exigem que você torça como eles, que fique de pé como eles, que cante como eles. Esta ditadura da maioria não é nada agradável. Ela é burra, preconceituosa, fundamentalista.

As organizadas chegam ao cúmulo de oprimir e reprimir outras organizadas de seu próprio clube. Por exemplo, houve a tentativa de alguns torcedores do Santos de fazer uma torcida do tipo argentino, usando o mesmo tipo de faixas, músicas etc… Pois esta pequena torcida apanhou de uma grande torcida (também santista) só porque torcia de um jeito diferente. E, obviamente, os inchas santistas acabaram.

Soluções

Prender um cara porque brigou me parece pouco inteligente. Ele só vai se tornar um sujeito ainda pior. Mas, por outro lado, há que se cumprir a lei. Hoje há 27 sujeitos proibidos de assistir a jogos no estado de São Paulo. Só que não há nenhum controle sobre eles.

Uma saída é fazer como na Inglaterra, onde os torcedores banidos do estádio têm que ficar na delegacia durante os jogos. E, se o cara não aparecer, aí sim, cadeia nele.

É claro que a polícia vai usar a desculpa das delegacias cheias, etc… Mas há tantos policiais destacados para os jogos que este argumento me parece absurdo. É claro que é interessante usar alguns destes policiais para afastar justamente os tipos mais perigosos.

A punição é necessária. Tanto a torcedores violentos como em presidentes de clubes ou de federações. Mas o Brasil ainda é o país da impunidade, seja de Ricardo Teixeira, seja do sujeito que matou o palmeirense na Inajar de Souza neste domingo.

Boa parte da solução é mesmo policial. Há que se vigiar os sujeitos, as redes sociais, e afastar os torcedores violentos. Mas não há um trabalho sistemático em relação a isso. Não há uma inteligência policial atuante. Não há escutas telefônicas e rastreamento das relações pessoais dos principais terroristas do futebol.

Outra solução, ainda que parcial, é deixar os clássicos com apenas uma torcida. Sempre fui contra isso, pois acho a segregação uma derrota da sociedade, do poder da convivência. Mas me rendo. Às vezes há que aceitar uma derrota para não sofrer outras maiores.

Aviso

A batalha deste domingo foi uma vingança em relação à morte do corintiano Douglas Karim Silva, em agosto de 2011. Pois a morte de André Lezo também deve gerar vingança. Segundo apurou o jornal Lance!, a briga pode acontecer na via Dutra.

Creio que, em relação aos torcedores, há um sentimento de “Deixem que esses imbecis se matem uns aos outros”.

Mas a graça da sociedade é que ela cuida mesmo dos mais imbecis.

A polícia tem que mostrar eficiência e evitar novas lutas, novas mortes. É hora de estar um passo à frente dos imbecis, o que não deve ser difícil.

Considerações finais

Num vídeo disponível na internet, André Lezo, o torcedor que morreu neste domingo, fala que a Mancha e o Palmeiras eram sua vida. Isso é triste por várias razões:

Primeiro, pelo infeliz trocadilho, pois André não teve vida, mas morte, por conta de Palmeiras e Mancha.

Em segundo lugar, porque há uma certa desesperança em alguém dizer que o futebol é a coisa mais importante de sua vida. É muita falta de expectativa. É sinal de uma vida sem sentido.

Acredito que este crescimento da importância do futebol tem duas causas. A primeira é a queda do nível da educação nacional, que começou em meados dos anos sessenta, durante a ditadura militar. No longo prazo, essa educação falha fez com que valores fossem substituídos, que a cultura ficasse em segundo plano, que a participação na sociedade fosse evitada, etc…

Por outro lado, algumas forças sociais, como partidos políticos, comunidades eclesiais de base, sociedades amigos de bairro e sindicatos perderam seu poder de atração. Sem a ditadura como inimigo óbvio, elas não conseguiram criar novos desejos, novas causas.

As pessoas querem agir, querem fazer parte. E, sem muita concorrência, o futebol acabou canalizando boa parte desde desejo.

O que é uma pena, porque o futebol não tem importância nenhuma.

José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998.

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Comentários

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E S Fernandes

Torcida organizada é local próprio do lumpem proletário!
É só isto.
Este Marx pensa que está vivo.
Vive a querer explicar o mundo do século XXI.

MChagas

Tudo ia tão bem até a última frase. Simplista demais, ela esconde que o futebol, num país em que o esporte nas escolas e comunidades carece de apoio do Estado, é ferramenta importante para tirar o jovem do convívio com as drogas, com a criminalidade. Claro que existem coisas mais importantes na vida, mas se ele não tem importância nenhuma, por que está nas páginas de jornais diariamente, inclusive em colunas assinadas pelo próprio autor do texto? Faltou o revisor.

Edson Barbosa

"O que é uma pena, porque o futebol não tem importância nenhuma" A constatação feita por José Roberto Torero é enigmática. Uma de suas fontes de renda advém do futebol. É santista escreve diversas crônicas sobre o futebol e ainda consegue fazer humor inteligente em muitas delas. Pois bem, eu também percebi a importância do futebol lá em 1.999 quando o São Paulo F.C. deixou de lutar contra a CBF desistindo de seus direitos. Já comemorei muitos títulos do São Paulo depois disto porém sempre com o pé na realidade. "O qué uma pena, porque o futebol não tem importância nenhuma"

alfredo

A questão não é complicada, é muito mais simples do que parece. As torcidas organizadas são quadrilhas, a conversa de que a violência é provocada por alguns poucos bandidos infiltrados não convence mais. A briga de domingo foi marcada pela internet, aconteceu a 8 quilômetros do estádio e a 6 horas do início jogo, e envolveu, segundo estimativa da polícia, cerca de mil torcedores. Mil! Como acabar com isso? Fácil, é só cumprir a lei! Acabem com as torcidas organizadas, fechem sua sedes, confisquem o que encontrarem dentro delas, detenham, processem, prendam os culpados pelos crimes! Não dá mais pra filosofar e jogar conversa fora como se estivéssemos num imenso botequim. A inanição dos poderes públicos só estimula a impunidade.

angelo

Viciados em sucesso – por Marcelo Migliaccio

" (…)Crimes racistas são noticiados todos os dias. Nos tornamos tão gado que o boi malhado não tolera a companhia do boi preto no mesmo pasto. Tudo que precisamos é fazer parte de um rebanho monocromático, que consome o mesmo capim industrializado todos os dias. E, se não é a cor da pele, é a cor da camisa de time de futebol. Ou então a opção sexual. Tudo é motivo para bater ou até matar. (…) "
http://rioacima1.blogspot.com.br/2012/03/viciados

_Rorschach_

Acho mesmo que a solução é jogo de uma torcida só.

pperez

A velocidade como a violencia se dissemina nestes grupos atraves das redes sociais, é assustador!
E, o futebol enquanto espetaculo principal, está cedendo lugar para as batalhas sanguinarias no campo ou fora dele, muito parecidas com os gladiadores do imperio romano!

Douglas

Por mim esse pessoal que vive morrendo por time só tem um nome. LOUCO, no mínimo. Torcer é bom, interessante e participativo. O que esses doidos fazem é algo fora do normal. Daí como são insanos com consciência, pouco me preocupo se querem morrer ou matar. Problema deles. Agora que isso pode afetar pessoas que não tem nada a ver então a coisa fica muito grave. Tem uma solução simples. Crie-se uma arena, bem distante dos normais, para esses loucos animais e desvairados se digladiarem.

Francisco

Texto bem intencionado mas descompassado com a decadência a que chegou a raça humana.
Reter torcedor durante o horário do jogo? Estão combinando briga cinco horas antes do jogo em local longe do estádio, meu caro… batalhas campais envolvendo trezentas (isso mesmo!) trezentas pessoas. O que precisa é de inteligência infiltrada nas organizadas, escuta telefônica e IP dessa galera toda.

Diziam que para a Copa o país ia comprar um tal óculos que reconhece gente procurada. Vamos treinar com a prata da casa, porque a Copa esta logo alí…
PS Nenhum deles ama o esporte. Se amassem, esses trezentos e tantos iriam ser uma boa passeata contra o atropelamento de ciclistas. Bater em Eike Batista? Melhor bater em alguém sozinho e caído no chão…

Julio Silveira

Se torcida organizada fosse voltada para seu objetivo, mas não é. A partir do momento que utilizam a internet para preparar delitos, passaram a outro nivel, e estão muito perto de se tornarem, se já não são, como organizações paramilitares, que recrutam e tem lemas de morte sobre rivais. Fora do romantismo intriseco no objeto por trás da criação desses grupos, as criaturas estão deturpando o conceito e expondo inocentes a perigos que não fazem parte de seu lazer .

ThiagoFC

Ótimo texto. Faz uma reflexão, coisa que passa longe do discurso raso e comum da demonização das torcidas organizadas como a solução óbvia e única do problema da violência no futebol.

Só discordo quando ele diz que o futebol não tem importância nenhuma. "Futebol não é um assunto de vida ou morte. É algo muito mais importante que isso" – já disse aquele técnico britânico, cujo nome me falha.

    LULA VESCOVI

    Acho que a última frase é provocativa.Se não for isso,o texto,que é magnífico,fica sem sentidoi.

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