O livro da psiquiatria: “Normalidade” encolhe cada vez mais

Tempo de leitura: 4 min

Difícil passar batido por um artigo como o que vai abaixo. Seria possível pensar: “Falta de sorte dos norte-americanos e da maneira como eles diagnosticam e tratam as doenças mentais”.  Porém, não é assim.

Com suas certezas científicas calcadas em ideias pré-concebidas sem referência biológica palpável, eles ditam regras para o mundo deles e para boa parte do restante da humanidade também. Os diagnósticos adotados aqui nos Estados Unidos são seguidos de perto, ou ao pé da letra, no Brasil e aplicados, como aqui, em massa. Essa é a questão: como traçar políticas públicas para essas doenças uma vez que cada indivíduo precisa ser visto e tratado como indivíduo.

Bem, aqui no Viomundo, já entrevistamos anteriormente o Dr. Allen Frances, Professor Emérito da Universidade Duke que foi co-Presidente da força tarefa que escreveu o DSM-IV, ou seja, a edição número quatro do livro de diagnósticos da psiquiatria americana.

Agora está sendo redigido o número cinco, o DSM 5. E o Dr. Frances está liderando uma campanha pela revisão mais criteriosa do documento. Ele sabe quais são as consequências de um trabalho pouco cuidadoso nessa área, para os Estados Unidos e boa parte do mundo. Aqui vai a tradução do último artigo do Dr. Frances.

Será que a imprensa pode salvar o DSM 5 dele mesmo?

Allen Frances, no Huffington Post em 15 de fevereiro de 2011

De repente o DSM 5 se tornou uma estrela na imprensa. Nas últimas três semanas, mais de 100 artigos e reportagens sobre o DSM 5 apareceram em grandes veículos em mais de uma dúzia de países. (Para uma amostragem representativa, veja o post de Suzy Chapman no Dx Revision Watch.)

A explosão de interesse começou com uma enxurrada quando o New York Times publicou duas longas matéria sobre o DSM 5 e três editoriais relacionados a ele, tudo em apenas alguns dias. Uma coletiva de imprensa em Londres, então, gerou a distribuição em larga escala de uma reportagem da Reuters e muitos outros artigos independentes. E, ao mesmo tempo, surgiram várias outras reportagens de outros jornalistas que também estavam trabalhando em suas próprias matérias sobre o DSM 5.

A crítica intensa do DSM 5 está apenas começando. Eu sei de ao menos outros 10 jornalistas que estão preparando trabalhos para publicação no futuro próximo. E muitos dos jornalistas que publicaram reportagens nas últimas semanas têm a intenção de continuar acompanhando essa história – ao menos até a publicação do DSM 5, e talvez além disso. Eles entendem que o DSM 5 é um documento de grandes consequências individuais e sociais – e que seu impacto e riscos precisam de uma exposição pública.

A cobertura da imprensa tem sido quase uniformemente devastadoramente negativa. Os dois temas mais comuns são 1) o DSM 5 vai expandir radicalmente os limites da psiquiatria, medicando a normalidade e levando a tratamentos prejudiciais desnecessários; e 2) as decisões do DSM 5 estão sendo feitas de forma arbitrária com base em contribuições limitadas e sem o apoio científico suficiente.

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As propostas do DSM 5 que provocaram maior preocupação são mudanças de definição do autismo e a expansão da doença da depressão para incluir muito da tristeza normal.

A maior parte dos artigos contém pequenas imprecisões e às vezes dão ênfase a assuntos periféricos. E as propostas mais perigosas do DSM 5 acabam recendo pouca atenção.

Eu vou discutir em posts futuros como o DSM 5 vai agravar o exagero de diagnósticos de déficit de atenção e a super-prescrição de remédios antipsicóticos. Mas a imprensa percebeu os principais pontos direito e de alguma forma conseguiu falar dos riscos do DSM 5 de forma bem mais clara do que as pessoas que estão trabalhando nele.

Será que finalmente a Associação Americana de Psiquiatria (APA) vai dar ouvidos a este coro de críticas? Na última hora crucial, quando tudo mais tiver falhado, os jornalistas mundiais vão salvar o DSM 5 dele mesmo? O poder da caneta será maior do que as espessas paredes que até agora protegeram o DSM 5 da autocorreção? A força irresistível da imprensa poderá mover o antes imóvel DSM 5?

As respostas iniciais do DSM 5 não são encorajadoras – um caldo de imprecisões, enganações e declarações pouco convincentes que nunca atacam qualquer assunto de forma substantiva. E a APA provou anteriormente ser impressionantemente indiferente, obstinada e teimosa.

Nos dois últimos anos, o DSM 5 praticamente não fez mudanças em suas propostas – apesar de ter recebido uma variada gama de críticas. A APA também deu casualmente de ombros para a petição que se opõe a várias das propostas do DSM 5 e pede que elas sejam revistas por um painel científico independente.

O fato de a petição ter o apoio de 47 organizações diferentes e importantes de saúde mental parece não ter tido o menor peso. A APA também ignorou o plano de boicote do DSM 5 de muitos usuários que propõem substituí-lo pelo sistema alternativo de código ICD-10-CM (disponível, de graça, na internet).

Será que a publicidade negativa na imprensa resultará mais favorável para o DSM 5? Certamente, devemos ter esperança que sim – porque pouquíssimas opções estão disponíveis.

O DSM 5 continua dando apoio rígido a propostas realmente ruins que têm consequências não intencionais mas extremamente perigosas para a saúde pública. Um pequeno grupo de especialistas do DSM 5, sem contato com a realidade, está muito próximo de alcançar o que se pode chamar de um golpe radical – redefinir uma já muito ampla psiquiatria em detrimento de uma normalidade que encolhe rapidamente.

As muitas expressões de oposição de profissionais e do público que não fazem parte deste pequeno e hermeticamente fechado círculo foram quase completamente ignoradas.

Mas eu tenho alguma esperança de que essa barragem concentrada da imprensa possa ter sucesso onde outros esforços falharam. É justo dizer que o DSM 5 se tornou um objeto de piada do público em geral e dos profissionais. Talvez assim, por fim, estocado pela imprensa mundial, o DSM 5 terá que prestar atenção aos alertar unânimes de cautela.

Vamos torcer para que ele finalmente tenha caído em si e reduza os danos, rejeitando as piores propostas. Isso será um serviço à psiquiatria e, mais importante, ao futuro de nossos pacientes atuais.

Paradoxalmente, a cobertura terrivelmente embaraçosa que ele tem recebido da imprensa pode evitar, para o DSM 5 e para a APA, uma situação muito embaraçosa no futuro e, mais importante, evitar que milhares de pessoas, literalmente, sejam erroneamente rotuladas como doentes mentais e desnecessariamente expostas a medicamentos de risco.

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Comentários

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Caroline

Os psicólogos entendem muito bem a importancia dos limites na educação das crianças. Leia Winnicott.
Porem, não acredito que sejam impostos a base de medicamentos.

MariaTereza Carvalho

Na verdade, tudo isso é apenas um retrocesso (se é que houve algum avanço). Antigamente (na Idade Média, por exemplo) o controle social era exercido através de regras morais muito rígidas. Em suma, mudou, mudou, e não mudou nada.

L.M.

Em sete anos de medicalização da depressão(?) ou transtorno bipolar (?) ou espectro bipolar (?), quem sabe, de que fui diagnosticada, melhora não houve. Com ou sem medicamento, a sensação era a mesma, até então. Depois deste tempo de ineficácia medicamentosa, resolvi conversar com um psiquiatra que respeito demais e lhe contar que tinha parado a medicação por "minha conta e risco" já há dois meses, e que estava muito bem. Este senhor muito consciencioso me surpreendeu ao apoiar minhas "medidas pessoais". Tinha tomado agora alguns "nortes" que, enquanto me rendia ao prognóstico de outros psiquiatras de que eu jamais poderia deixar de ser medicada, de que a minha deficiência não era física, mas que eu tinha que me acostumar à idéia das minhas limitações emocionais para a vida toda…não me sentia capaz. Na verdade, tinha me conformado ao diagnóstico psiquiátrico e não me movia para fora dele. Como os medicamentos não me ajudavam, passei a duvidar. E realmente, deixar o tratamento psiquiátrico foi o meu rumo. Hoje comemoro três anos de vida bem melhor, resolvendo minhas questões existenciais de outras formas, bem mais eficientes, que os muitos medicamentos que utilizei. Eu mesma "discipulava" sobre meu diagnóstico e prognóstico. Hoje dou graças a Deus de ter me libertado de ambos. Hoje vivo. Antes achava que só poderia sobreviver.

virginia langley

A fabula da enfermeira Mildred Ratched

A BBC tem uma serie televisiva sobre livros onde se analisa os classicos antigos e modernos, absolutamente imprescindivel pq criteriosa, abrangente com uma produção esmerada com entrevistas nos locais dos fatos narrados, contextualização e sagacidade analitica.
Todos são esclarecedores mas um dos mais impressionantes foi a edição sobre O Estranho no Ninho, o livro: em entrevista nos dias de hoje com um psiquiatra que lera o livro e vira o filme de 1975, ele observa que, como todo mundo, devotara todo odio possivel à enfermeira Ratched, o simbolo absoluto a opressão da maquina psiquiatrica sobre o corpo e a alma dos infelizes que lhes caiam sob as garras. Hoje, depois de anos de pratica da psiquiatria conseguia entende-la muito bem, tinha total empatia pela sua posição delicada no meio de todos aqueles lunaticos, psicopatas abusivos, imprevisiveis,
Incontrolaveis, aproveitadores e picaretas que as proprias familias não queriam ver nem pintados. Isso remete a picaretagem da luta antimanicomial que reverte pras familias todos o onus da luta contra a loucura de seus membros sem que tenha nenhum recurso pra isso. No fim das contas estão esses “libertarios” todos cumprimentando com o chapeu alheio.

tião medonho

sujeito vai ao hospital acompanhar um amigo que vai fazer exames…lá ele ve um médico que 5 anos antes lhe dera somente mais 6 meses de vida em uma consulta apressada e negligente: resolve confrontar o da mafia de branco com o fato de ainda estar vivo e saudavel; ao que o curandeiro diplomado, sem descer do salto, retruca
arrogante…"mas o senhor tomou os remedios que receitei??"…ao que o sobrevivente..treplica: "não"…e o pajé, triunfante…" ta vendo??? nao faz o que a gente manda depois vem reclamar do resultado…assim não dá….assim não pode"..

CC.Brega.mim

e estas são as nossas drogas lícitas!

almerio

Este DSM é uma picaretagem da pior espécie, mas que provë o ganha pão dos psiquiatras, e com a poderosa indústria farmaceutica drogando tristes, estressados, desiludidos, mas sem curar nem um único paciente. E alguém ainda deu vivas a homeopatia, esta sim, além de ser totalmente efeito placebo, enche as burras dos laboratórios de manipulação…

Marcel

Como sempre um saber pobre como a psicologia, algo amorfo, que não está à altura da Filosofia e da Sociologia, expelindo seus anátemas. E o psicólogo terceiro mundista, semiletrado e de formação precária sempre ressentido a vociferar contra a psiquiatria. Esses são nossos autoritários e dogmáticos anti-autoritários…

Regina Braga

Conversa do médico com o paciente…Mas como?Vc não tomou, nem uma aspirina, nos últimos dois anos? Seu caso é muito grave…Parece que os grandes laboratórios,invadiram os consultórios, e, ainda só não prescrevem medicamentos,no mais, fazem tudo.E no Brasil,um dos piores retrocessos, foi a aprovação do Ato Médico.

Hans Bintje

Heloisa Villela:

Eu te amo (de longe) e vou fugir do tema.

De propósito, porque prefiro a música brasileira aos manuais europeus ou estadunidenses.

É birra? Não, é que eu me identifico com a poesia, mais franca e direta, como diz a música do Caetano:

"De perto ninguém é normal
Às vezes segue em linha reta
A vida, que é meu bem, meu mal

(…)

Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo assim minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada"

E a insensatez brasileira é irresistível (leia a nota do "Franco Atirador" com a transcrição do "Tá Todo Mundo Louco")

FrancoAtirador

Tá Todo Mundo Louco
Silvio Brito

Essa música foi feita
Num momento de depressão
Eu tava com papo cheio
Com raiva da vida
Com raiva de tudo
Fiz essa música
Prá encher o papo
De todo mundo…

É uma música sem graça
Sem métrica, sem rima
Sem ritmo
Com muitos erros de português
Agora ninguém tem nada com isso
Porque a música é minha
Eu faço dela o que eu quiser…

Eu fiz tudo prá não fazer
Um plágio mas ela saiu
Muito parecida
Com a música do Raul Seixas…

Oh mas não tem nada não
Porque não foi feita
Prá fazer sucesso
Nem prá ser apresentada
Em um programa de televisão…

Eu até coloquei
Uma frase em inglês
Prá valorizar a música
"I Love You"
É uma dessas músicas chatas
Enjoada e sem graça
Que a gente faz
Prá participar de festival…

Você que tá ouvindo
Essa música
Num tem nada com isso
Deve tá me achando
Um chato, enjoado
Não liga "prisso" não!
Não liga "prisso" não!
Não liga "prisso" não!
É a cabeça irmão…

É a cabeça irmão
É a cabeça irmão
Mas que depressão!
É a cabeça irmão
É a cabeça irmão
Mas que confusão!
É a cabeça irmão
É a cabeça irmão
Desafinação!
É a cabeça irmão
É a cabeça irmão…

Tá Todo Mundo Louco!
Oba!…(6x)

Tube ri din din, din din!
Tube ri din din, din din!

Tudo está ficando diferente
Ninguém vê!
Já estou cansado
De ouvir você dizer:
Que eu não sei fumar
Que eu não sei beber
Que eu não sei cantar
Aquilo tudo
Que você adora ouvir
E eu não sirvo prá você
Por que?
Eu não sei cantar inglês
Por que?
Eu não sei cantar inglês
Ran!…

Tá Todo Mundo Louco!
Oba!…(6x)

Tube ri din din, din din!
Tube ri din din, din din!

Já não compreendo
A razão do desamor
Nem entendo porque
Ninguém fala mais de amor
Você me traiu
E disse que é normal
Um a um todos irão por certo
Acompanhar a evolução
E quase que eu fiquei prá trás
Por que?
Fui querer ser bom rapaz
Por que?
Fui querer ser bom rapaz
Ran!…

Tá Todo Mundo Louco!
Oba!…(9x)

[youtube Bew9l77dDzA http://www.youtube.com/watch?v=Bew9l77dDzA youtube]

Substantivo Plural » Blog Archive » O livro da psiquiatria: “Normalidade” encolhe cada vez mais

[…] aqui […]

Willian

De perto, ninguém é normal.

    Pinguim

    Lembra do filme: de medico e louco todo mundo tem um pouco rsrs
    Bricadeira rs

beattrice

Muitos membros do MP ligados ao trabalho com crianças e adolescentes acusam a tragédia:
as questões comportamentais ligadas ao desenvolvimento e à estruturação da personalidade humana outrora tratadas no âmbito da família e da escola foram medicalizadas ao extremo e levadas à psiquiatria, em uma etapa posterior que ora assistimos desaguam nos gabinetes da promotoria da infancia e adolescencia.

FrancoAtirador

.
.
A tese do Dr. Simão Bacamarte,

O Alienista da Casa Verde,

Fazendo sucesso nos EUA.
.
.

virginia langley

o capitalismo jamais remediará os males por ele criados…isso seria sua auto destruição, e de autodestrestivo ele nao tem nada apesar de uma certa esquerda que vive pregando a "crise final do capitalismo"…ou peguem na locadora Os 12 Macacos, filme do Terry Guilliam onde o Brad Pitt faz um louco bem sabido, na boca de quem colocam um certeiro "louco é quem não consome"..

    Felipe

    Claro, o filme do Brad Pitt é mais profundo do que o Capital…

Felipe

http://www.outraspalavras.net/2012/02/25/um-contr

APROVEITANDO O TEMA:
Por Bruce E. Levine, em Alternet | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Rico Gatson, O Grupo
UM CONTROLE PSQUIÁTRICO DA DISSIDÊNCIA?
Em minha carreira como psicólogo, falei com centenas de pessoas antes diagnosticadas por outros profissionais como portadoras de Transtorno Desafiador de Oposição (TDO), Transtorno do Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Ansiedade e outras doenças psiquiátricas. Estou chocado por dois fatos: 1) quantos destes pacientes são, em essência, anti-autoritários; 2) como os profissionais que os diagnosticaram não o são.

Os anti-autoritários questionam se uma autoridade é legítima, antes de levá-la a sério. Sua avaliação de legitimidade inclui avaliar se as autoridades sabem de fato do que estão falando; se são honestas; e se se preocupam com aqueles que as respeitam. Quando anti-autoritários avaliam uma autoridade como ilegítima, eles desafiam e resistem a seu poder. Certas vezes, de forma agressiva; outras, de forma agressivo-passiva. Às vezes, com sabedoria; outras, não.

Alguns ativistas lamentam como parecem ser poucos os anti-autoritários nos Estados Unidos. Uma razão pode estar em que muitos anti-autoritários são psico-diagnosticados e medicados antes de formarem consciência política a respeito das autoridades sociais mais opressoras.

Por que profissionais de Saúde mental veem anti-autoritários como portadores de distúrbios mentais

Conquistar aceitação nas escolas superiores ou de especialização de medicina, e obter um doutoramento ou pós-doutoramento como psicólogo ou psiquiatra, significa superar muitos obstáculos. Requer adequar-se comportamentalmente a autoridades – inclusive aquelas pelas quais não se tem respeito. A seleção e socialização dos profissionais de saúde mental tende a excluir muitos anti-autoritários. Graus e credenciais são, antes de tudo, atestados de adequação. Quem estendeu seus estudos, viveu longos anos em um mundo onde é preciso conformar-se rotineiramente com as exigências de autoridades. Por isso, para muitos doutores e pós-doutores em saúde mental, pessoas diferentes, que rejeitam esta adequação comportamental, parecem ser de outro mundo – um mundo diagnosticável.

Descobri que a maior parte dos psicólogos, psiquiatras e outros profissionais de saúde mental não são apenas extraordinariamente adequados às autoridades – mas também inconscientes da magnitude de sua obediência. Também tornou-se claro para mim que o anti-autoritarismo de seus pacientes cria enorme ansiedade entre estes profissionais, o que impulsiona diagnósticos e tratamentos.

Na universidade, descobri que para ser rotulado como alguém com “problemas com autoridade”, bastava não bajular um diretor de treinamento clínico cuja personalidade era uma combinação de Donald Trump, Newt Gingrich e Howard Cosell. Quando alguns professores me disseram que eu tinha “problemas com autoridade”, reagi ao rótulo com sentimentos contraditórios. Por um lado, achei interessante, porque entre os filhos de trabalhadores, com quem havia crescido, eu era considerado de certa forma obediente à autoridade. Além disso, eu tinha feito minhas lições de casa, estudado e recebido boas notas. Entretanto, embora os meus novos “problemas com autoridade” deixassem-me alegre, por ser agora visto como um bad boy, também me preocupava com o tipo de profissão em que estava entrando. Mais especificamente, se alguém como eu era visto como tendo “problemas com autoridade”, como seriam chamados os garotos com quem cresci – atentos a tantas coisas que lhes interessavam, mas não suficientemente interessados com a escola para obedecê-la? Logo a resposta tornou-se clara.

Diagnósticos de doença mental para anti-autoritários

Um artigo de 2009 no Psychiatric Times, intitulado “TDO e TDAH: Enfrentando os Desafios do Comportamento Disruptivo”, relata que os “transtornos disruptivos”, uma categoria que inclui o Transtorno do Deficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno Desafiador de Oposição (TDO), são os problemas de saúde mental mais comuns em crianças e adolescentes. O TDAH é definido por baixa atenção e tendência à distração; baixo auto-controle, impulsividade e hiperatividade. Já o TDO é definido como “um patrão de comportamento negativista, hostil e desafiante, sem as violações mais sérias dos direitos básicos de outros vistas no transtorno de conduta”. Os sintomas do TDO incluem “desafiar ativamente, ou recusar-se a obedecer com frequência as ordens e regras dos adultos” e “discutir frequentemente com adultos”.

[ O ARTIGO INTEIRO ENCONTRA-SE NESTE LINK: http://www.outraspalavras.net/2012/02/25/um-contr… ]

    Jorges

    De fato, notamos que nas escolas há uma fixação nos "hiperativos"; de onde vem isso senão pela terminologia psiquiátrica? Capturado, o discurso na área da educação (ao nível escolar) ignora TDO.
    Isso precisa mudar; anti-autoritários são indesejados pelo critério das "cópias adequadas", opressão do sistema capitalista ante a riqueza de modos de ser da diversidade humana. Dopando vidas até quando?
    Poder médico alienado no biológico corporal – resgatar corpos – senda a mente secundária. Mesmo os tratamentos medicamentosos bem sucedidos pedem terapia complementar que é menosprezada, em geral, pela onipotência médica… os "recursos", inclusive financeiros, acabam por aí. Sim, generalizando bastante, mas é uma discussão lerda… multiprofissionalidade continua sendo só conceito!

NELSON NISENBAUM

O DSM não é um texto de critérios diagnósticos, como muitos imaginam. A única função do texto é a CODIFICAÇÃO das patologias. A função diagnóstica é do pfofissional médico. Sobre a indústrica farmacêutica, ela fabrica produtos químicos. Como bem diz o professor Romildo Bueno, do Rio de Janeiro, o que transforma uma substância química em remédio é a caneta do médico. Portanto, amigos, o alvo não é o DSM nem a indústria, e sim o aparelho formador médico. Esta é a raiz dos problemas. Por outro lado, como profissional médico que sou, prefiro viver em um mundo com as opções terapêuticas que temos hoje do que com as que existiam quando me formei há 27 anos.

    Mari

    Patologias? Ainda se usa como sinônimo de doença? Sou leiga, mas pensei que tivesse caído em desuso. Muito boa, aliás genial, a observação de que " o que transforma uma substância química em remédio é a caneta do médico". Ai, ai essa caneta de médico, bendita ou maldita…

    Leo V

    E viva os homeopatas, que fogem esse esquema! Hoje em dia médico é formado pela indústria farmacêutica. Uma espécie de terceirizado da indústria farmacêutica. E viva mais uma vez os homeopatas, que romperam com esse destino!

    Zé das Couves

    Digite o texto aqui![youtube 73HykUNP9kI http://www.youtube.com/watch?v=73HykUNP9kI youtube]

    Willian

    Homeopatia é só água com açúcar. Há um prêmio de 1 milhão de dólares para quem provar que a homeopatia funciona. Candidate-se.

    NELSON NISENBAUM

    E por acaso os homeopatas não prescrevem remédios que alguém fabrica???

    Operante Livre

    Nelson, permita-me discordar. Certa vez vi um jovem que atirara em alguém, e a pessoa veio a falecer, dizendo que não havia matado, que não era um assassino, que apenas apertara o gatilho quem matou foi a bala. Isto não é uma anedota, foi real. Fica prá pensar a analogia com o que um médico pode fazer ou o que uma indústria ou faculdade de medicina podem formar – atiradores que apenas atiram receitas e diagnósticos.

    NELSON NISENBAUM

    Desculpe, Operante, achei a analogia muito pobre. Parte de um ponto de vista que parece-me arrogar-se à onisciência.

    cronopio

    Nelson, segundo me consta os médicos também obedecem apenas a critérios técnicos. Há um quadro de sintomas pré-estabelecido, o médico assinala os sintomas encontrados e a medicação é quase que automaticamente selecionada. É claro que há sempre um ou dois psiquiatras que colocam a mão na consciência e percebem o logro, mas a maioria apenas recomenda o remédio, de preferência da marca que lhe presenteou com uma passagem e uma semana de estadia em algum local paradisíaco. Ou estou delirando?

    NELSON NISENBAUM

    Cronopio, você não está delirando, mas sem dúvida, generalizando, o que não é bom. Obedecer a critérios técnicos é um imperativo da boa prática médica. Entre os critérios técnicos, estão as características biográficas e ambientais do paciente, que interferem ou modificam a interpretação dos sintomas. Logo, sintomas semelhantes não necessariamente apontam diagnósticos semelhantes ou remédios semelhantes.

    José X.

    Sobre a indústrica farmacêutica, ela fabrica produtos químicos. Como bem diz o professor Romildo Bueno, do Rio de Janeiro, o que transforma uma substância química em remédio é a caneta do médico.

    Isso é piada né…a indústria farmacêutica gasta bilhões e bilhões promovendo seus "produtos químicos" como remédio.

    Outro dia mesmo o médico (neurologista) que passas as receitas dos remédios para minha mãe (84 nos) estava comentando sobre o assunto, sobre como novas "síndromes" são inventadas para a indústria ganhar mais dinheiro. E falou sobre o (médico) presidente de alguma entidade que não me lembro agora, passando férias na Tailândia (!!!) por conta de um desses fabricantes.

Lucas Costa

"Pior é pensar que crianças comecem a ser medicadas porque perturbam a aula, têm dificuldade de lidar com o status quo, etc, e acabem inutilizadas para a vida plena".

Ainda bem que ultrapassei minha infância e adolescência sem esse "admirável mundo novo"!

Mari

Um artigo tão bom, lúcido e pedagógico, mas que é como se jogasse pérolas aos porcos. A indústria farmacêutica jamais deixará de dar as cartas na psiquitria mundial. É muito dinheiro em jogo.

    NELSON NISENBAUM

    Perdoe-me, Mari, mas quando não havia a indústria farmacêutica, o que havia? Pode-se afirmar que há 100, 200, 500 ou 1000 anos atrás a psiquiatria ou coisa equivalente a cada época teria uma melhor alternativa? Já leu a literatura médica antiga, para comparar?

Daniela V.

Hoje o difícil é ser normal mesmo. Há comprimido pra tudo, além da mentirada. É ficar esperto se não vira oficialmente doido

Vera Silva

É aterrador.
Eu que trabalhei quase 40 anos com psicoterapia fico aterrorizada com o poder da indústria farmacológica sobre cada um de nós. Aliada ao poder discricionário do psiquiatra – que poderá diagnosticar usando oscritérios não científicos do DSM 5 – qualquer pessoa considerada "perigosa" pelo poderoso de plantão, pode ser neutralizada por medicamentos.
Pior é pensar que crianças comecem a ser medicadas porque perturbam a aula, têm dificuldade de lidar com o status quo, etc, e acabem inutilizadas para a vida plena.
Dói profundamente e aterroriza.
É bom começarmos a "gritar" enquanto isto não for considerado doença mental.

    Marcel

    A psicóloga Vera parou nos anos 1970, ruminando aquele stalinista do Althusser e asseclas…

    Agora aluno mal educado, que não tem limite algum, virou ameaça à ordem.

    Patético…

    Anderson

    De fato, algo a se pensar:

    Eu que trabalho quase 20 anos em sala de aula fico aterrorizado com a arrogância de nossos psicólogos e psicoterapeutas… Gente que nunca pegou um giz ou se dirigiu a uma classe lotada (ou não).

    Acreditando que produzir analfabetos (funcionais ou não), dizer sim a todo capricho de crianças e adolescentes, tolerar alunos mal educados, preconceituos e grosseiros frente a professores, funcionários e colegas de classe, e que não querem nada com nada representam uma forma de "resistência" (termo pedante, frente ao capitalismo.

    Ainda mais o precariamente formado psicólogo brasileiro, sempre com complexo de inferioridade por não ser levado tão a sério quanto os grandes teóricos da filosofia e ciências humanas. Não conhece nem os classicos e fundamentos de sua ciência e tenta fazer sociologia de quinta categoria.

    É bom que pais e educadores comecem a gritar antes que o Brasil se transforme numa "República dos Terapeutas", com poucos iluminados dizendo como educar os filhos.

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