Mirko Casale: Como a globalização foi um fracasso para os EUA, segundo o vice-presidente. VÍDEO
Tempo de leitura: 6 minComo a globalização foi um fracasso (para os Estados Unidos)
Mirko Casale, AhíLes Va/ transcrição e tradução do vídeo acima
A globalização foi um fracasso para os Estados Unidos, e tenham cuidado, pois não se trata de uma opinião tirada de alguma publicação de mídia social, mas do próprio vice-presidente dos United States of America (Estados Unidos da América).
As palavras de J. D. Vance abrangem 40 anos de história recente, mas também são fundamentais quando se trata de interpretar o presente e o futuro, não apenas dos Estados Unidos, mas de todo o planeta.
Aí Vai!
Acompanhe.
***
Mirko Casale — O vice-presidente dos EUA afirmou em um discurso recente que as políticas de globalização promovidas com entusiasmo pelos Estados Unidos nas últimas quatro décadas foram prejudiciais ao país. Período que também inclui, seguramente, o primeiro mandato de seu atual chefe, Donald Trump.
Em sua intervenção, que durou pouco mais de 20 minutos, J. D. Vance fez um repasso dos atuais desafios da economia estadunidense, em especial de como se chegou a este ponto e as propostas da administração Trump para superar a situação atual.
No entanto, dessa palestra diante de um congresso de inovadores estadunidenses, vamos nos concentrar em alguns minutos verdadeiramente reveladores, em que o vice-presidente foi excepcionalmente sincero, talvez sem desejá-lo. Atenção.
J. D. Vance — Havia dois preconceitos em nossas classes dirigentes com respeito à globalização. A primeira é assumir que podemos separar a fabricação das coisas do design das coisas.
A ideia da globalização era que os países ricos iriam subir na escala de valor enquanto os países mais pobres fariam as coisas simples.
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Mirko Casale — Como, como, como? Pode repetir esta última, por favor, J. D.?
J. D. Vance — A ideia da globalização era que os países ricos iriam subir na cadeia de valor enquanto os países pobres fariam coisas mais simples.
Mirko Casale — Olhem só! J. D. Vance não está nos dizendo nada que não soubéssemos antes, mas é bastante significativo que isso esteja sendo dito por quem o está dizendo.
Porque, se voltarmos às origens da globalização, por então, o Ocidente coletivo, liderado por Washington, insistia que estava promovendo o relaxamento das normas internacionais do comércio com um espírito de altruísmo e solidariedade para o benefício de todo o planeta.
Contudo, na realidade, era uma estratégia não apenas com o objetivo de garantir a manutenção do status quo de séculos de primazia do norte global sobre o sul global, mas também com o objetivo de aumentar essa distância: Alguns cada vez mais aristocratas dos ofícios nobres, outros cada vez mais plebeus, condenados a trabalhos de baixa qualificação e pior remunerados.
Ou, dizendo-o em outras palavras, a globalização nos tornaria todos iguais, mas alguns mais iguais que outros.
Mas, vamos deixar que o J. D. nos dê um exemplo de como foi isso e com que consequência.
J. D. Vance — A gente abriria a caixa de um iPhone e ali estaria escrito que tinha sido projetado em Cupertino, Califórnia. Logicamente, isso implica que teria sido fabricado em Shenzhen (China), ou em algum outro lugar.
E, sim, algumas pessoas poderiam perder seus empregos na fabricação, mas elas poderiam aprender a projetar, ou, para usar a frase muito popular, poderiam aprender a programar. Mas, parece que nos equivocamos.
Mirko Casale — Pois, parece que sim, eles se equivocaram. E, à continuação, J. D. explica detalhadamente em que.
Mas, antes, algumas observações: Se vocês prestarem atenção, o vice-presidente dos EUA, obviamente, enfoca todo o assunto desde a perspectiva de seu país. Mas ele dá dois exemplos nada aleatórios para ilustrar seu ponto: iPhone e China.
Porque a ideia era que em alguns países eles se concentrariam em projetar ou programar e, em outros, fariam feridas nas mãos, soldando microprocessadores em placas-base de celulares e computadores.
Um plano sem falhas!
Mas o plano, que em seus primeiros anos deu o resultado esperado, dando uma sensação de abundância material infinita, nunca antes vista em nações ricas, foi acumulando um efeito colateral indesejado.
Conte-nos qual foi, J. D.
J. D. Vance — Ocorre que as zonas geográficas onde as coisas são fabricadas são muito boas para projetar as coisas. Há efeitos de interconexão de redes, como todos vocês sabem bem. As empresas que projetam os produtos trabalham com as empresas que os fabricam.
Elas compartilham a propriedade intelectual, elas compartilham melhores práticas e, às vezes, até mesmo compartilham seus principais profissionais.
Mirko Casale — Caramba, que reviravolta tremenda!
Acontece que, para usar o estilo de Jusep Burrel, muitos na selva não queriam se limitar a ser mão de obra pouco qualificada para o jardim e, ou bem exigiram acesso ao conhecimento tecnológico como pré-condição para sua mera fabricação, ou bem, aproveitaram a oportunidade para ter acesso a ele de outra maneira.
E assim foi como, sem mais nem menos, a coisa começou a se inverter.
J. D. Vance — Bem, a gente supunha que as outras nações sempre viriam depois de nós na cadeia de valor. Mas acontece que, à medida que iam se aprimorando no extremo inferior da cadeia de valor, eles também começaram a nos alcançar na extremidade superior. E assim, ficamos espremidos entre os dois extremos.
Mirko Casale — Quer dizer, em parte do sul global, especialmente na Ásia, eles não apenas deslocaram do mercado global a mão de obra estadunidense pouco qualificada, mas, ano após ano, eles começaram a primeiro rivalizar, e depois também a deslocar a elite tecnológica ocidental.
Assim, o do “não se preocupem com os empregos perdidos na manufatura e aprendam a programar”, que Vance comentou de maneira crítica, acabou se cumprindo em sua forma mais prejudicial para Washington.
É que hoje a vibrante força de trabalho asiática não só tem uma vantagem de 20 ou 30 anos em experiência sobre seus pares no Ocidente Coletivo, algo perfeitamente previsto pelos gurus da globalização no final do século XX. Além disso, o inesperado aconteceu.
E, para usar a mesma expressão, na Ásia eles também aprenderam a programar e hoje já superam em muitos aspectos tecnológicos ao norte global. Mas isso não foi o único que falhou na globalização. Não é mesmo, J. D.?
J. D. Vance — Bem esse foi o primeiro preconceito sobre a globalização. Eu acho que o segundo é que a mão de obra barata é fundamentalmente uma muleta. Uma muleta que inibe a inovação.
Eu poderia até mesmo dizer que é uma droga da qual um enorme número de empresas estadunidenses se tornaram viciadas. Porque quando se pode fabricar um produto mais barato, é muito mais fácil optar por baratear os produtos do que inová-los.
Mirko Casale — Como se a primeira ideia preconcebida sobre a globalização mencionada pelo vice-presidente dos EUA não lhes criasse problemas suficientes, além de ficarem atrás em fabricação e tecnologia em relação com a China e de outras nações emergentes, especialmente asiáticas, a indústria ocidental em geral e a dos Estados Unidos em particular tornaram-se preguiçosas e facilistas, à base de recorrer à mão de obra barata.
Uma droga tão viciante que, no Ocidente, passaram a procurá-la no exterior e incluso a trazê-la para casa.
J. D. Vance — E tanto se deslocávamos fábricas a zonas econômicas com mão de obra barata, ou importássemos mão de obra barata através de nosso sistema de imigração, a mão de obra barata se converteu na droga das economias ocidentais.
Mirko Casale — Para recapitular, foi assim que, segundo o vice-presidente dos EUA, a globalização tornou a indústria estadunidense menos produtiva, deixou-a atrasada na corrida tecnológica global e tornou-a quase narco-dependente de mão de obra barata.
Belo diagnóstico, J. D. Logicamente, no resto do seu discurso, o segundo em comando da administração Trump garantiu que tinham grandes planos para resolver estes problemas.
Como cortes de impostos, estímulos aos inovadores e uma série de outras promessas que, mesmo se conseguissem cumpri-las sem efeitos secundários, está por ver-se se serão capazes de reverter uma inércia acumulada ao longo de quase 40 anos.
Porque hoje é óbvio que aquele plano segundo o qual de um lado do mundo haveria um grupo de hipsters concebendo novos dispositivos tecnológicos, mas produzíveis e comercializáveis a apenas a um preço de venda minimamente razoável à custa da realidade social e laboral do outro lado do mundo está chegando ao fim.
E nada disso não é algo que vocês ou nós ignorássemos, mas é bom que aqueles que fingiam não ter reparado, finalmente comecem a se dar conta.
*Mirko Casale é o roteirista, apresentador e diretor do programa Ahí les va! (Aí, está!), que há cinco anos a RT transmite para países de língua espanhola.
*Transcrição e tradução ao português e legendas de Jair de Souza
*Jair de Souza é economista e mestre em linguística pela UFRJ.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Zé Maria
https://www.ahilesva.info/67e2d0bbdc76de66498c2dd8
Zé Maria
Indivíduo Mais Racista esse Vice do Trump!
Tudo isso para justificar a Expulsão Sumária
de Imigrantes – ‘escravos’ ‘desqualificados’
‘impuros’ – e o Isolamento dos EUA do Mundo.