Pedro Pinho: Cognição, uma questão biológica, educacional ou política?

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Ilustração: Reproduçãp

Por Pedro Augusto Pinho*

O Brasil teve apenas três presidentes que foram nacionalistas em toda extensão do conceito. Defenderam a soberania nacional e a cultura brasileira.

Lembro-me de uma época em que Rui Barbosa (1849-1923), a Águia de Haia, gozava de imenso prestígio porque falava inglês e fazia citações de autores estrangeiros. Muita subserviência colonial.

Idiomas estrangeiros e citações de literatos ou cientistas de outros países sempre tiveram por aqui uma áurea de saber inatingível.

Neste particular em nada diferimos dos vizinhos das Américas e dos ancestrais da África.

Toda África tem nos idiomas estrangeiros sua expressão oficial, seja do árabe vindo do Oriente Médio, seja dos colonizadores europeus, com exceção da Tanzânia do Julius Nyerere (1922-1999), libertador da Tanganica (1962) e da Tanzânia (1964), que adotou o suaíli nativo como oficial.

Neste século 21, em parte devido à presença da República Popular da China (China) na África, está ocorrendo o que denominamos a “segunda luta pela independência”.

E já o Ocidente, impregnado da submissão colonial europeia, começa a insidiosa e intencionalmente malévola desconstrução desta Independência, carimbando-a com a imprecisão de ser um “movimento terrorista”.

Movimentos terroristas, Trump ao cortar as verbas da USAID revelou, são instituições estadunidenses dedicadas a promover golpes de Estado, deposição de governos eleitos e qualquer um que não siga as ordens de Washington.

Foi assim que levaram Getúlio Vargas ao suicídio, deram um golpe em João Goulart, e impediram que Ernesto Geisel fizesse seu sucessor.

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No Brasil, a ausência de aprofundados estudos sobre a África, considerando que são descendentes de africanos mais da metade de nossa população, é um sinal de profunda alienação e submissão colonial.

Iniciemos por entender o sentido das “Primeiras Independências” na África.

Refiro-me àquelas iniciadas em 1957, em Gana, sob a liderança de Kwame Nkrumah (1909-1972), e que ficaram inconclusas, tendo sido marcadas pela Guerra Fria, envolvendo os Estados Unidos da América (EUA), como representante do capitalismo, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), representando o socialismo marxista.

Na época — este articulista lá trabalhando –, constatou na prática essas independências: saiu o colonizador capitalista e entrou o colonizador socialista.

Atualmente, com a China, isso já não mais ocorre.

A China não busca colonizar, mas, com o instrumento institucional da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR), ter parceiros de negócios, mutuamente exitosos, do qual quase todos países africanos participam com suas soberanias respeitadas.

Esta segurança de que o país não será agredido, retaliado, incentiva que, nesta nova leva de independências, os idiomas africanos estejam sendo também considerados oficiais.

Se parece pouco, caro leitor, recorde que você pensa com um idioma. Se lhe foi ensinado no berço, toda cultura ancestral ser-lhe-á transmitida, diferentemente de expressões estrangeiras cujo sentido é sempre mais estreito, poderíamos afirmar “apenas dicionarizado”.

Alberto da Costa e Silva (1931-2023), diplomata, escritor e historiador de imensa cultura, escreveu o Prefácio da edição brasileira de “African Genesis, Folk Tales and Myths of Africa” de Leo Frobenius (1873-1938) e de Douglas C. Fox (1906-1979), reunidos com a tradução de Dinah de Abreu Azevedo, para a Landry Livraria Editora e Distribuidora (SP, 2005), no qual se lê: “há um vínculo entre o presente e o passado mais poderoso do que pirâmides e bronzes e esculturas e manuscritos: a memória dos homens que não aprenderam ainda escrever, ou que ainda não tiveram o tesouro das lembranças arruinado pelo uso excessivo da palavra escrita”.

Imagine-se o significado da linguagem digital, das expressões do mundo virtual no qual vivemos em 2025.

A colonização africana fica ainda mais nítida ao se ler Ali Al’amin Mazrui, historiador queniano, autor do capítulo “O horizonte 2000”, do volume VIII da “História Geral da África”, iniciativa da UNESCO, traduzida por Luís Hernan de Almeida Prado Mendoza, para Cortez Editora (SP, 2011): “Não se deve esquecer que os savoir-faire introduzidos na África pela colonização apresentam uma ambiguidade histórica fundamental: se, por um lado, eles favorecem a emancipação, por outra parte, eles mostraram-se profundamente inúteis ao desenvolvimento”.

E adiante: “os colonizadores não souberam eficazmente transmitir as técnicas de produção. Foi justamente neste sentido que o sistema educacional e de formação não logrou êxito em promover um verdadeiro desenvolvimento nos territórios africanos”.

Igualmente significativos são intelectuais ganenses se queixando de um ensino que procurava somente mudar a crença religiosa ao invés de preparar os alunos para um trabalho mais exigente, utilizando tecnologias sofisticadas e métodos mais produtivos (S. K. Odamtten, “The Missionary Factor in Ghana’s Development up to the 1880s”, Waterville Publishing House, Accra, 1978).

Cabe a questão: não souberam ou não interessava aos colonizadores prover de ferramentas de transformação um povo querendo ser livre?

Cognição: uma questão biológica, educacional ou política?

O jornal O Globo, de domingo, 9/3/2025, à página Saúde, apresenta entrevista com o professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Eduardo Zimmer (1984), em matéria de Rafael Garcia, sob título “O Maior Fator de Risco para Declínio Cognitivo É Educação”.

Cientista e pesquisador, Zimmer parte dos mapeamentos etários, onde o crescente aumento da população de idade superior aos 60 anos vem revelando mais casos de demência.

Porém o professor Zimmer também atribui fator relevante à grande desigualdade social existente no Brasil. Teríamos então o descaso, quanto aos idosos, e o inadequado processo educacional como origem desta baixa compreensão dos brasileiros.

No entanto a matéria deixa algumas lacunas e até sugerem tratar de uma epidemia o declínio cognitivo.

Já nos manifestamos ter o triunfo da ideologia neoliberal financeira no Brasil, após 1990, acelerado verdadeiro processo de subversão político-ideológica, que teve início nas campanhas pela “redemocratização” e prosseguiu com a reformulação educacional; esta no sentido mais amplo da educação, que inclui a escolar e as informações divulgadas por todo tipo de mídia, levando ao fim na redução da compreensão dos fatos.

Há, assim, um embrutecimento generalizado que aprova medidas administrativas contrárias aos interesses da própria pessoa e de sua família, em votar em quem vai agir no sentido de aumentar o desemprego ou a ausência do emprego com carteira assinada (as farsas dos microempreendedores individuais e dos ubers), e tirar a segurança no caso de doenças, com as reformas e as privatizações nas áreas da assistência, e da velhice tranquila, com as reformas nas instituições previdenciárias.

O ensino também recebe sua cota com a privatização das escolas públicas, passando a cognição ser ainda mais ideológica, como propõe o atual governador de São Paulo com leilões de privatização.

O fim do Estado Nacional, que de algum modo todas pessoas participam, quer nos processos eleitorais quer pelos concursos para o emprego como funcionário público (civil, militar, no judiciário) passa, com a introdução do “mercado”, a ser conduzido apenas por instituições financeiras e por bilionários ou trilionários, donos de gestoras de ativos, tipo BlackRock, Vanguard, State Street, Fidelity etc, ou de plataformas de informação, como o Secretário recém-nomeado, Elon Musk, entre tantos semelhantes, como se pode observar na foto do salão da posse de Donald Trump, nos EUA.

O que esperar de um preposto do mercado?

Recentemente, analisando as geopolíticas nos países da América Latina, escrevemos sobre o Brasil.

“O verdadeiro governante do Brasil chama-se Comitê de Política Monetária (COPOM), órgão do Banco Central, formado pelo seu Presidente e pelos cinco diretores, que aprovam, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia – a Taxa Selic. Esta definição indica a restrição dos investimentos e das despesas correntes, exceto a do pagamento dos juros, e orienta as despesas públicas, quer para favorecer grupos ou partidos políticos, quer para remunerar empresários financiadores de campanhas para o Congresso Nacional. Ou seja, instaura-se um sistema de corrupção que atende a todos, inclusive aos membros do Poder Judiciário”.

A corrupção é inerente ao “mercado”, que apenas considera o lucro, não os meios de obtê-lo. Ter lucro é viver num país onde a moral, o direito e a honra nada significam, diante dos lucros sempre crescentes e impunemente mantidos.

Não está também neste descompasso entre a vida saudável, no corpo e na alma, e aquela que se tem sob as regras do “mercado”, e que tantos males causam à mente, que caberia a “uma boa política pública para evitar o declínio cognitivo”?

O que “O Globo” foge do enfrentamento é a questão do poder, de quem se encarrega verdadeiramente da governança nacional, repetindo como mantra dos aquinhoados do “mercado”: precisamos defender a democracia, mas que entrega ao capital financeiro os destinos do Brasil.

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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