Jair de Souza: O povo é vítima e não responsável pelas desgraças que sofre
Tempo de leitura: 4 minPor Jair de Souza*
Estamos vivendo uma etapa desesperadora de nossa existência como sociedade.
Ao mesmo tempo em que notamos que o povo trabalhador está sendo espoliado a cada dia com mais violência e intensidade, nos damos conta de que boa parte deste mesmo povo atua como sustentáculo político dos verdadeiros causantes de sua espoliação.
Ao tomar conhecimento da nova composição dos comandos tanto do Senado como da Câmara dos Deputados, somos acometidos pelo espanto ao nos vermos diante da macabra conformação que reuniu o que havia de pior para ocupar postos onde seria preciso contar com os melhores.
É estarrecedor constatar que, ao mesmo tempo em que votou em Lula para a presidência da nação, o povo brasileiro tenha optado por eleger o parlamento mais reacionário de toda nossa história pós-ditadura militar.
Como admitir que os mesmos que entregaram a chefia da nação a alguém abertamente alinhado com as expectativas populares tenham também escolhido para ocupar os órgãos legislativos uma maioria de inimigos viscerais de tudo o que diga respeito aos interesses dos trabalhadores?
Um dos primeiros impulsos que somos impelidos a externar é uma enorme bronca e indignação pela falta de consciência e compreensão de parte dos que, mesmo integrando o grupo das principais vítimas das classes dominantes, continuam servindo como massa de manobra para os monstruosos interesses espelhados no nazismo-bolsonarismo-neopentecostalismo, no neoliberalismo e no grande capital financeiro e agro-exportador de modo geral.
Mas, é importante reconhecer, esta primeira motivação é muito mais decorrente de uma deficiência de responsabilidade dos que nos consideramos agentes das forças políticas da esquerda envolvidos em transformações estruturais do que por culpa de nossa gente humilde.
E esta opinião não se deriva de nenhuma falsa modéstia, e sim de uma avaliação realista do papel que nos cabe no processo de lutas das maiorias trabalhadoras.
No entanto, nosso povo mais carente é duplamente vitimado por todo este monstruoso esquema que, além de sugar o sangue de suas presas, consegue manipular suas debilidades para induzi-las a atuar em favor de seus próprios algozes.
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Uma esquerda bem esclarecida e bem formada intelectualmente não deveria jamais deixar de compreender o estado de vulnerabilidade de nossas massas populares.
É inaceitável que não compreendamos que sua falta de capacidade crítica se deve às circunstâncias do imenso isolamento social em que o povo de nossas periferias sobrevive.
Não podemos ter a pretensão de ser a vanguarda política da classe trabalhadora sem ter ainda assimilado a convicção de que é a vida em sociedade o único meio no qual os grupos humanos podem adquirir consciência sobre sua real dimensão na interação junto ao restante de seus semelhantes?
Como esperar que aqueles que há muito vêm sendo abandonados ao deus-dará possam desenvolver sua capacidade crítica a ponto de distinguir claramente quem expressa com fidelidade seus interesses de classes?
Por isso, em lugar de dirigir nosso estupor aos pobres que se deixam levar pelos apelos do nazismo-bolsonarismo-neopentecostalismo, deveríamos nos perguntar:
— Por que deixamos toda essa significativa população de extração humilde e carente totalmente à mercê dos mais empedernidos inimigos das causas populares?
— Por que não estamos ao lado desse povo, partilhando de seu dia a dia, buscando fazê-lo refletir a partir de suas próprias dificuldades?
— Se as forças da extrema direita nazibolsonarista-neopentecostais se dispõem a fazer seu diabólico trabalho de deformação de nosso povo, por que não nos dedicamos a educá-lo em prol de seus verdadeiros objetivos e necessidades?
O que eu quero dizer com o que acabei de expressar é que o principal fator que possibilita que tenhamos um número expressivo de gente humilde e trabalhadora prestando apoio aos mais nefastos representantes da maldade capitalista é a nossa ausência, nossa não presença ao lado dos que mais dependem e precisam de nossa ajuda para sair do mundo das trevas em que foram lançados.
Não podemos e não devemos culpar as vítimas pelo crime que está sendo cometido contra elas.
Contudo, não deveríamos cultivar a ilusão de que basta com voltarmos a fazer-nos presentes junto a nosso povo em seus locais de trabalho e moradia para que, rapidamente, tudo passe a funcionar como gostaríamos que funcionasse.
Certamente, não podemos esperar que tudo se resolva num passe de mágica! Este vai ser um trabalho penoso e de longa duração.
Como sabemos, é muito mais fácil destruir do que construir. Em consequência, as tarefas construtivas são invariavelmente muito mais demoradas e requerem muito mais dedicação e tenacidade.
Por sua vez, as de reconstrução, via de regra, soem ser ainda mais árduas, visto que precisam vencer também os anticorpos surgidos e desenvolvidos nas fracassadas tentativas anteriores de edificação.
Portanto, nos deparamos com um imenso trabalho que vai exigir nossa dedicação por inteiro e deve absorver toda nossa atenção e energia.
Só mesmo estando imbuídos da confiança da grandiosidade de nossa causa e de nosso empenho vamos estar em condições de superar os obstáculos com os quais teremos de nos confrontar.
É algo que exige acima de tudo a convicção de que a luta em favor do povo trabalhador é o que de mais valioso pode haver na vida de um revolucionário.
E por falar em verdadeira revolução de cunho popular, esta só será real se for realizada de maneira ativa e consciente pelas próprias massas trabalhadoras.
Nossa intenção, consciente ou inconscientemente, nunca deveria almejar eliminar o protagonismo ativo do povo na construção de um mundo novo, mais justo e solidário.
*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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