Pedro Augusto Pinho: Trump conduzirá o fim do poder do mundo ocidental?
Tempo de leitura: 6 minDonald Trump: conduzirá ao ponto final a queda do poder ocidental?
Por Pedro Augusto Pinho*
Oswald Arnold Gottfried Spengler foi historiador e filósofo alemão (1889-1936), cuja obra “Der Untergang des Abendlandes” (“O Declínio do Ocidente”), em dois volumes com edição definitiva em 1923, foi referência em debates historiográficos, filosóficos e políticos entre os intelectuais europeus, logo após sua publicação e só não prosseguiu, após a II Grande Guerra, pela intensa batalha, em todas as frentes, inclusive acadêmica, travada pelas ideologias vencedoras: a capitalista, auto referida como liberal e democrática, e a socialista marxista, sintetizada como comunista.
Em resumo, sempre incompleto, o pensamento de Spengler era que as culturas evoluíam como organismos, tendo o florescer, o amadurecimento e o colapso. E acreditava que o Ocidente chegava a seu fim.
No entanto as durações eram distintas, daí ter enunciado oito culturas nos 30 mil anos da História da Civilização Humana: egípcia, babilônica, chinesa, indiana, mesoamericana (maia/asteca), clássica (greco-romana), a do oriente médio não babilônica (juntou a hebraica, árabe, persa sob o título de “mago”) e a ocidental ou europeia.
Procuraremos entender, sob ótica mais coerente à Splengeriana, que foi também compreendida como próxima ao nacional-socialismo, crítica à democracia e pouco confiável em sua comunicação, o que ocorre no mundo do século XXI onde surgem diversos Donalds Trumps em países de culturas distintas.
As transformações no século XX
O eurocentrismo colonizador faz-nos dar à cultura europeia a amplitude que nunca conheceu.
Veja, por exemplo, o idioma, expressivo componente cultural. A historiadora e arqueóloga lituana Marija Gimbutas (1921-1994), no amplo estudo que faz dos eslavos (“Os Eslavos”, tradução para português por António Lavrador da Silva, Editorial Verbo, Lisboa, 1975) identifica três ramos surgidos do proto-eslávico, de regiões asiáticas espraiadas na Europa Oriental, que conhecemos hoje como: checo, sérvio, polonês, eslovaco, esloveno, ucraniano, bielorrusso, russo, servo-croata, macedônico e búlgaro.
Por outro lado, as línguas europeias ocidentais têm, com mais intensa ou simples lembranças, influências do grego e do latim.
O século XX foi de muitos ensinamentos que ainda estão sendo trabalhados para as governanças neste século XXI.
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Mas já se mostram alguns frutos importantes como das questões coletivas sobre as nacionais. Veja-se a necessidade de Spencer classificar as culturas dominantes, que seria a das nacionalidades vitoriosas em determinados períodos da humanidade.
Como classificar o BRICS, que é o acrônimo dos países fundadores, com imensas diferenças entre si, mas que têm a mais profunda influência em 2025, quando as nações fazem fila para nele serem admitidas?
Donald Trump é um sauro pré-histórico que ainda mede o poder pela virulência, pela sua força física, quando o mundo descortinou outros padrões de convivialidade.
Apenas quem ainda não entendeu o BRICS ou tem presa sua política ao passado, com critérios inteiramente superados do liberalismo versus socialismo, das religiões e ateísmos, das etnias, pode cair no trumpismo.
O que se dirá, senão como piada, de renomear os acidentes geográficos para demonstrar que é grande e forte?
Mas não se deve desprezar o que os Estados Unidos da América (EUA) ainda representam no mundo, especialmente para os países das Américas, colonizados pela Doutrina Monroe (1823) e pelo Destino Manifesto (1845), frutos da Constituição Plutocrática Estadunidense de 1787, uma séria ameaça.
Examine-se pois, diferentemente, as ameaças de Trump para a América Latina, para a Europa e para Ásia, aí incluída a Rússia que tem sua maior porção territorial na Sibéria.
Ásia, Europa e África
Inicie-se pela Ásia, onde, se não for desinformação tão comum nas mídias contemporâneas, Trump só disse sim às colocações de Xi Jin Ping, inclusive na desnuclearização militar, impossível de se acreditar neste momento de queda de braço.
Mas é indubitável que está neste contexto asiático o maior poder do mundo em 2025. Não somente do mundo produtivo, mas das tecnologias de ponta, da valorização do trabalho, no comércio, e mesmo nas moedas.
Embora bem mais amplo do que à Ásia, o fato das grandes gestoras de ativos e do próprio Donald Trump fazerem propaganda das criptomoeda, apenas demonstram que o dólar estadunidense nada mais vale do que um bitcoin, ou seja, não tem um suporte material para avaliar seu efetivo valor. Tudo, monetariamente tratando, é fantasia!
E quem são os gestores de ativos?
São os verdadeiros proprietários das empresas do mundo ocidental: indústrias mecânicas, petroleiras, eletrônicas, mineradoras, empresas comerciais, de transporte e de serviços.
Basta consultar os votos nas Assembleias de acionistas e se encontrarão: BlackRock, Vanguard, State Street, Fidelity, Capital Group, BNY Mellon, Wellington, Amundi, Invesco, JP Morgan, Alianz, Goldman Sachs, Prudential, T. Rowe Price e outros.
A situação do dólar estadunidense é tão crítica que, publicado no jornal Valor, em 27/01/2025, se encontra declaração de Laurence D. Fink, fundador, Chairman e Chief Executive Officer (CEO) da BlackRock, no encontro em Davos (Suíça), sendo esta empresa o maior gestor de ativos com, há um ano, cinco vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil investidos (cerca de U$ 10,5 trilhões), que “a criptomoeda como hedge vai crescer”.
Veja caro leitor o nível da empulhação: um papel sem existência em ativo real: imóveis, ações de empresas, ouro, metal de grande procura como o nióbio, ou reservas de petróleo é apontado como “ativo” garantidor do dinheiro corrente. O dólar do Trump acabou. Dito por quem foi certamente patrocinador de sua campanha eleitoral.
E a relação de Trump com a Europa?
Há muita incongruência, contradição até, entre o que se observa nas movimentações populares, por relatos de viajantes e outras informações confiáveis, por analistas das mídias e em noticiários, em geral.
Mas os resultados eleitorais deixam clara a insatisfação generalizada, apenas difusamente dirigida.
No entanto, existe, e não se limita à Europa, a falta da compreensão do momento histórico que passa o mundo após a vitória das finanças, na década de 1980, pelo que se chama, habitualmente, de esquerda.
O discurso foi contra as opressões e recaía tanto sobre os países da “Cortina de Ferro” quando sobre ditaduras militares ou mesmo de autoritários civis.
Começa aí o desencontro das esquerdas, uma orfandade, que tinha na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), na China Maoísta, e em movimentos de libertação nas Américas e na África sua referência.
Muitos líderes eram idealistas e se sacrificaram sem deixar continuidade. Pois lhes faltaram construir a ideologia adequada às condições geográficas e culturais que formassem as governanças competentes.
E o neoliberalismo financeiro, dominando as comunicações, muito se aproveitou desta situação. Deixar-se-ão os casos específicos para quanto se tratar das Américas.
Fica apenas um exemplo, da França, que colocou no poder “socialista” um empregado da mais poderosa família banqueira: os Rothschild, e que lá se mantém desde 2006.
A África, ainda dominada pela colonização europeia até o fim do século XX, foi levada aos mesmos problemas dos colonizadores. Apenas agora, neste século XXI, surgem, principalmente em países da região do Sahel, movimentos nacionalistas de libertação nacional, mas pouco se pode analisar de seus líderes, suas ideologias e resultados, além da expulsão dos europeus e dos estadunidenses.
América Latina e Brasil
Emiliano Zapata e Pancho Villa lutaram contra a ditadura de Porfírio Díaz, entre 1910 e 1920. Era movimento camponês pela terra, pelo ensino e pelo respeito à cultura daqueles descendentes dos maias e astecas.
Os movimentos pela autonomia e pela cidadania iniciaram, no Brasil, pelos militares, os tenentistas, na década de 1920.
Ainda não é pacífica a origem deste movimento. Os mais sabujos, baba-ovos, buscam no positivismo dos gaúchos, que governaram o Rio Grande do Sul, de 1891 a 1898, tendo a liderança de Júlio de Castilhos (1860-1903), a influência no tenentismo.
Consideramos que os fracassos militares do Império, Guerra contra o Paraguai e dos Canudos, justificaram a ida à Alemanha para treinamento bélico.
“O primeiro contato de oficiais brasileiros com alemães para tratar de uma possível instrução militar ocorreu entre os anos de 1905 e 1906, quando alguns jovens militares brasileiros viajaram para a Alemanha para observar e aprender com aquele Exército que, desde a vitória sobre a França em 1870, era reconhecido mundialmente por sua eficiência” (Carla Cristina Wrbieta Ferezin, citada em Maj Bruno Freitas Rosa, “A influência das missões militares estrangeiras na evolução da Doutrina Militar Terrestre nos séculos XX e XXI”, Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, RJ, 2021).
Efetivamente, os positivistas, os “jovens turcos” (militares que receberam treinamento na Alemanha), os que participaram da Missão Militar Francesa (1920-1940), além da repercussão da Revolução Bolchevista de 1917 de algum modo conduziram à vitória e permanência da Revolução de 1930, o mais duradouro e profundo movimento de transformação social ocorrido na América Latina antes da Revolução Cubana (1959).
Sem desmerecer a altivez, coragem, capacidade de diálogo com o povo e os mais nobres ideais de convivência humana e desenvolvimento, os muitos movimentos, revoluções, golpes, eleições que conduziram lideranças transformadoras foram destruídos pelos EUA e todo seu aparato organizacional para manter a América Latina como quintal, sua fonte de suprimento para manutenção do poder.
Porém, há a “maldição de Spengler”. A atual cultura, europeia ou ocidental, como suas antecessoras, também chega ao final. E Trumpossáurio é forte candidato a enterrar o “líder” ocidental, e, assim, mais uma cultura.
Os avanços, poucos além dos apoios pré-eleição, e os recuos, aparentemente só cantou de galo com a velha colônia colombiana, que se separou do bolivarianismo no passado para seguir o monroísmo, que mereceu do intelectual venezuelano, José Gregorio Linares, a designação do confronto entre a dignidade e a ingerência.
Como se comportará o hesitante Lula em terceiro mandato?
Estamos ainda na primeira semana do aguardado fim do mundo ocidental.
*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Pedro Aurélio Zabaleta
A charge que ilustra a matéria é excelente. Quase perfeita. Peço licença para um pitaco para aperfeiçoá-la. Substituir as estrelas da bandeira por suásticas.
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