Jair de Souza: A questão fiscal como parte da luta de classes

Tempo de leitura: 6 min
Ilustração: Montagem com os cartoons de V.T. (Victor Teixeira) e Brum Chargista

A questão fiscal como parte da luta de classes

Por Jair de Souza*

Com a recente aprovação pelo Congresso da proposta de recorte de gastos enviada pelo Governo Federal, ficaram bastante evidentes alguns aspectos de como são travadas as batalhas dentro da luta de classes em nosso país.

Se, mesmo fazendo enormes concessões aos interesses das classes dominantes, o projeto governamental procurava garantir a defesa de alguns pontos favoráveis ao campo popular, a atuação da maioria reacionária nos órgãos parlamentares no processo de discussão da medida acabou por encaminhar a definição num rumo em que o povo trabalhador saiu em situação ainda pior do que já se encontrava.

Mas, por que esta questão de tributação fiscal e isenção de impostos tem tudo a ver com a luta de classes? É isto o que vamos tentar esclarecer nas próximas linhas deste texto.

Em primeiro lugar, é fundamental que tenhamos em mente que é através de sua capacidade de influir na atuação do aparelho de Estado que as diferentes classes que compõem uma sociedade conseguem fazer valer o peso de suas reivindicações em relação ao conjunto de seus integrantes.

Em consequência, aqueles que dispuserem de mais força estarão em condições mais favoráveis para impor ao Estado a priorização do atendimento dos pontos que lhes são favoráveis e, por sua vez, que os custos para a manutenção desse aparelho recaiam com maior incidência sobre aqueles que contam com menos poder de fogo.

Como é sabido, para que possam funcionar normalmente, todas as sociedades humanas modernas dependem da arrecadação de impostos para manter as atividades públicas essenciais que são supridas pelo Estado.

O fornecimento de um ensino público de qualidade aceitável, um serviço de atendimento médico eficiente e um esquema de segurança pública que ofereça proteção e tranquilidade a seus habitantes, tudo isto são tarefas que correspondem ao Estado e que dependem de recursos fiscais para serem mantidos.

Quais são os serviços a proporcionar e de onde extrair os fundos para sustentá-los são as principais questões que as forças componentes da sociedade precisam dirimir para que o aparelho de Estado possa continuar exercendo suas atividades.

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Via de regra, as classes mais abastadas se preocupam quase que exclusivamente com a eficiência dos sistemas de repressão policial e do judiciário, visto que são estes os que lhes servem para conter mais eficazmente a rebeldia dos setores populares e os protestos dos trabalhadores e dos pobres em geral.

Neste sentido, esses setores mais ricos não costumam demonstrar nenhuma disposição de atender as necessidades básicas das maiorias populares.

Para as classes dominantes é preferível manter seus filhos em escolas particulares a contribuir para a existência de escolas públicas de boa qualidade, onde os filhos dos trabalhadores possam ser bem educados. Algo semelhante ocorre em relação com o atendimento médico.

Quanto a isto, como os setores mais abastados têm como pagar por hospitais e clínicas particulares, eles geralmente se opõem à existência de sistemas de assistência médica pública que beneficiem aos menos favorecidos economicamente. Por isso, eles se resistem a aceitar que os impostos sirvam para bancar tais serviços públicos.

Porém, como as camadas mais ricas representam uma fração ínfima da totalidade da população, elas dependem do apoio político que consigam angariar em outros setores para impor as determinações que conformam com seus interesses.

Assim, elas tratam de atrair para suas posições pelo menos certas parcelas das classes médias e dos pobres, para que estes também assumam como seus os posicionamentos e as visões que favorecem quase que exclusivamente aos ricos.

Portanto, em lugar de expressar claramente que não querem pagar impostos e que não concordam que estes sirvam para custear serviços que beneficiam as maiorias menos pudentes, os super ricos recorrerão a seu imenso poderio e controle midiático para induzir a gente de extração popular a crer que a eliminação por parte do Estado da oferta de serviços públicos e a não cobrança de impostos dos mais aquinhoados são medidas que vão ao encontro dos interesses de todos.

Entretanto, quando analisamos como se dá a arrecadação tributária no Brasil, nos damos conta de que, de fato, o grosso da tributação incide sobre aqueles que, por lógica, coerência e decência humanitária, menos deveriam pagar.

Expressando isto de maneira menos inequívoca: em nosso país, os ricos não pagam quase nada de impostos, enquanto que os setores mais humildes têm de assumir um peso absurdamente elevado do montante de recursos fiscais arrecadados.

O principal mecanismo utilizado para isentar quase que totalmente as classes dominantes do pagamento de impostos é concentrar a tributação sobre o consumo e não sobre a renda.

Enquanto que nos países europeus, nos Estados Unidos e no Japão, por exemplo, as rendas são muito mais rigorosamente taxadas de modo direto, chegando em vários casos a superar os 50%, em nosso país, a alíquota máxima não vai além dos 27,5%.

Assim, tanto faz que tenhamos um super executivo que ganhe em torno de R$ 500.000,00 ao mês ou um assalariado de classe média que receba em torno de R$ 15.000,00, o percentual que incidirá sobre ambos será o mesmo, ou seja, 27,5%.

Porém, isto está longe de representar a injustiça mais aberrante. No caso de rendimentos auferidos por vias não salariais, a aberração é muitíssimo maior e chega mesmo a ser monstruosa. Os rendimentos advindos de dividendos simplesmente não são taxados.

O Brasil é um dos únicos países do mundo onde isto ocorre. Já a tributação aplicada aos rendimentos derivados de atividades empresariais é mínima ou inexistente. No final das contas, o que realmente vai sustentar o funcionamento do aparelho estatal serão os impostos cobrados indiretamente sobre os bens de consumo.

Para que nos seja possível ter uma compreensão mais realística do que isto significa, vamos traçar à continuação um quadro hipotético (mas bem elucidativo do problema real) sobre o peso arcado pelo conjunto dos trabalhadores e pelos setores capitalistas no total dos impostos aplicados aos bens de consumo.

Neste caso, visando facilitar a exposição e o entendimento, vamos admitir as hipóteses que listaremos a seguir. Na verdade, a situação real é ainda mais crítica:

a) Há no país 100 milhões de contribuintes, dos quais, 80 milhões são trabalhadores que ganham uma média mensal de R$ 2.500,00, e outros 20 milhões de empresários cujos rendimentos estão na média de R$ 50.000,00 ao mês;

b) Outra suposição realística é a de que todo o rendimento dos que ganham a média de R$ 2.500,00 é gasta em bens de consumo e, no caso dos que estão na média dos R$ 50.000,00 o gasto individual em consumo será de R$ 10.000,00;

c) Para efeitos práticos, todos os bens de consumo são taxados com a alíquota de 25% sobre seus preços de mercado;

d) Renda total do país: R$ 1.200.000.000,00, sendo R$ 200.000.000.000,00 dos trabalhadores e R$ 1.000.000.000.000,00 dos empresários.

Se aplicarmos a alíquota de 25% de impostos ao consumo de cada grupo, chegaremos aos seguintes números:

– Trabalhadores: R$ 50.000.000.000,00 (25% de R$ 2.500,00 x 80.000.000)
– Empresários: R$ 50.000.000.000,00 (25% de R$ 10.000,00 x 20.000.000)

Expressando em palavras o significado destes cálculos, temos que os trabalhadores pagam de impostos 25% de seu rendimento total de 200.000.000.000,00, ao passo que os empresários se limitam a ceder apenas 5% de seus ganhos totais de R$ 1.000.000.000.000,00 para cobrir impostos.

Após analisarmos este quadro, vamos entender que não é à toa que as classes dominantes querem que a tributação seja feita exclusivamente sobre os bens de consumo, e não a taxação direta em relação com os rendimentos.

Bem, sabemos que do diagnóstico constatado não surge a cura de imediato. O problema de quem paga as contas dos custos do funcionamento do aparelho estatal e a quem ele deve servir prioritariamente está inserido nos embates da luta de classes permanente que são travados sempre e quando classes com interesses contrapostos se chocam no cenário social.

Sabemos também que, por mais que Lula seja uma pessoa profundamente entranhada de sentimentos favoráveis à classe trabalhadora, da qual ele mesmo é oriundo, seu governo não é um governo hegemonizado pelos trabalhadores.

Em vista do que acabamos de dizer, temos de ter clareza que o atual governo é uma entidade em disputa, em que cada grupo que o integra procura conduzi-lo de acordo com seus interesses de classe.

Portanto, cabe aos trabalhadores também travar a luta para que suas aspirações sejam respeitadas e atendidas. Mas, isto não depende tão somente de desejos e vontades. Não nos basta nos satisfazermos com a presença de Lula na chefia do Estado.

Para que isto se transforme em força popular real, é preciso que os trabalhadores, suas organizações sindicais e partidos estejam conscientes da realidade que nos circunda e dispostos a somar força e organização com vistas a avançar no rumo de uma nova sociedade, na qual injustiças como as expostas neste texto se tornem coisas do passado.

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ e mestre em linguística pela mesma universidade.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Marcelo Zero: Como os ricos custam caro aos cofres do Brasil!

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Zé Maria

Novo Consenso de Washington

” O Novo Consenso de Washington visa
sustentar a Hegemonia do Capital dos EUA
e de seus Aliados ‘juniores’ ”

Por Michael Roberts, em:
https://necat.ufsc.br/novo-consenso-de-washington/

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Zé Maria

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OURO: DE LASTRO FINANCEIRO A COMMODITY

Por:
Maria Lúcia Amarante de Andrade
Luiz MaurÌcio da Silva Cunha
Guilherme Tavares Gandra

https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/3184/2/BS%2011%20OURO_de%20lastro%20financeiro%20a%20commodity_P.pdf

[A Globalização Neoliberal transformou as Matérias-Primas,
as Moedas e as Mercadorias Industrializadas, e todos os
Produtos com Significado na Economia Real, em Papéis Virtuais
para Obter Lucros Desmedidos com a Especulação Financeira,
às Custas da Classe Trabalhadora e em Prejuízo das Nações.
Esse foi o Objetivo da Dolarização das Transações Internacionais
(Vide “Acordo de Bretton Woods” e “O Consenso de Washington”).]
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O Declínio de Bretton Woods e a Emergência dos Mercados ‘Globalizados’

Por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Economista;
Professor do Instituto de Economia da UNICAMP.

[…]
“Forças políticas importantes que combateram o fascismo, sabiam muito bem que a sobrevivência da democracia não dependia apenas da restauração das instituições e dos mecanismos de representação popular, do equilíbrio de poderes e do controle público dos atos das autoridades.

A experiência negativa dos anos 20 e 30 deixou uma lição: o capitalismo da grande empresa e do capital financeiro levaria inexoravelmente a sociedade ao limiar de outras aventuras totalitárias, caso não fosse constituída uma instância pública de decisão capaz de coordenar e disciplinar os megapoderes privados.

A ameaça à liberdade, dizia Karl Mannhein, não vem de um governo que é “nosso”, que elegemos e que podemos derrubar, senão das oligarquias sem responsabilidade pública.

As coalizações de interesses e as combinações empresariais típicas do capitalismo contemporâneo têm poder para adotar medidas arbitrárias, como o racionamento da produção, greve de investimentos, aumentos abusivos de preços, controle de patentes, de recursos e de mercados.

As forças sociais e os homens de poder incumbidos de reconstruir as instituições capitalistas do pós-guerra estavam prenhes desta convicção.

Para evitar a repetição do desastre era necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz de alentar o desenvolvimento, sem obstáculos, do comércio entre as nações, dentro de regras monetárias que garantissem a confiança na moeda-reserva, o ajustamento não deflacionário do balanço de pagamentos e o abastecimento de liquidez requerido pelas transações em expansão.
Tratava-se, portanto, de erigir um ambiente econômico internacional destinado a propiciar um amplo raio de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso social.

A construção e a gestão desse ambiente internacional favorável encontraram resposta adequada nas reformas promovidas nas instituições e nas políticas dos Estados Nacionais.

As novas instituições e as políticas econômicas do Estado Social estavam comprometidas com a manutenção do pleno emprego, com a atenuação, em nome da igualdade, dos danos causados ao indivíduo pela operação sem peias do “mecanismo econômico”.

Alliez (1988) diz, com razão, que durante mais de duas décadas realizou-se a criação de um mundo fundado sobre o direito ao trabalho, que tinha como objetivo o pleno emprego, o crescimento dos salários reais.

“Promover esta dinâmica, onde o crescimento dos salários ocorre em benefício dos lucros que eles engendravam, implica uma modificação do papel do Estado. Este deve, não apenas ratificar e garantir os acordos de produtividade, mas também manter, quando não planificar, a dinâmica revestida por eles: por um lado estimulando o consumo dos assalariados através do aumento das transferências sociais e, por outro, sustentado os investimentos produtivos – controle das taxas de juros e política de investimentos públicos”.

A concepção de um desenvolvimento nacional, no marco de uma ordem internacional estável e regulada não era uma fantasia idiossincrática, mas decorria do “espírito do tempo”, forjado na reminiscência da experiência terrível das primeiras quatro décadas deste século.
Tampouco era fortuito o papel atribuído à ação do Estado no estímulo ao crescimento, na prevenção das instabilidades da economia e na correção dos desequilíbrios sociais.

Os acontecimentos que vêm se manifestando no último quarto de século [XX] parecem indicar que a era keynesiana – os anos dourados do crescimento capitalista – foi sucedida, desde o começo dos 70, por turbulências e instabilidades que a história poderá revelar tão formidáveis quanto as que irromperam nas décadas de 20 e 30.

O fato é que o conjunto das relações comerciais, produtivas, tecnológicas e financeiras que nasceu do acordo de Bretton Woods e prosperou sob a liderança americana, não resistiu ao próprio sucesso.

Os Estados Unidos e sua economia cumpriram, durante os primeiros vinte anos do pós-guerra a função hegemônica que decorria de sua supremacia industrial, financeira e militar. Sob o manto desta hegemonia foram reconstruídas as economias da Europa e do Japão e criadas as condições para o avanço das experiências de industrialização na periferia do capitalismo.

As instituições multilaterais de Bretton Woods – o Banco Mundial e o FMI – nasceram com poderes de regulação inferiores aos desejados inicialmente por Keynes e Dexter White, respectivamente representantes da Inglaterra e dos Estados Unidos nas negociações do acordo, que se desenvolveram basicamente, entre 1942 e 1944.

Harry Dexter White pertenceu à chamada ‘Ala Esquerda dos New Dealers’ e foi por isso, depois da guerra, investigado duramente pelo ‘Comitê de Atividades Anti-Americanas do Congresso [dos EUA]’.

Seu plano inicial previa a constituição de um verdadeiro Banco Internacional e de um Fundo de Estabilização. Juntos o Banco e o Fundo deteriam uma capacidade ampliada de provimento de liquidez ao comércio entre os países-membros e seriam mais flexíveis na determinação das condições de ajustamento dos déficits do balanço de pagamentos.

Isso assustou o establishiment americano.
Uns porque entendiam que estes poderes limitavam seriamente o raio de manobra da política econômica nacional americana.
Outros porque temiam a tendência “inflacionária” desses mecanismos de liquidez e de ajustamento.

Keynes propôs a ‘Clearing Union’, uma espécie de ‘Banco Central dos
bancos centrais’.
A Clearing Union emitiria uma moeda bancária, o ‘bancor’, ao qual estariam referidas as moedas nacionais.
Os déficits e superávits dos países corresponderiam a reduções e aumentos das contas dos bancos centrais (em bancor) junto à Clearing Union.

Uma peculiaridade do Plano Keynes era a distribuição mais eqüitativa do ônus do ajustamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos entre deficitários e superavitários.
Isto significava, na verdade, dentro das condicionalidades estabelecidas, facilitar o crédito aos países deficitários e penalizar os países superavitários.

O propósito de Keynes era evitar os ajustamentos deflacionários e manter as economias nacionais na trajetória do pleno-emprego.

A proposta também sofreu sérias restrições dos Estados Unidos, país que emergiu da segunda guerra como credor do resto do mundo e superavitário em suas relações comerciais com os demais.

O enfraquecimento do Fundo, em relação às idéias originais, significou a entrega das funções de regulação de liquidez e de emprestador de última instância ao Federal Reserve [FED].

O sistema monetário e de pagamentos que surgiu do Acordo de Bretton Woods foi menos “internacionalista” do que desejariam os que sonhavam com uma verdadeira “ordem econômica mundial”.

O problema do FMI não é seu poder excessivo, mas sua deplorável submissão ao poder e aos interesses dos Estados Unidos.

Muito se tem escrito sobre o papel dos Estados Unidos na prosperidade do pós-guerra.
Alguns autores procuraram definir com maior precisão as condições de estabilidade do sistema de Bretton Woods: o benefício da ‘seignorage’, desfrutado pelo país emissor da moeda reserva (os EUA) era condição para que os países-membros executassem, dentro das regras, políticas “keynesianas” internas e estratégias neo-mercantilistas.

Padoan (1986) sugere que, para os Estados Unidos, os benefícios da seignorage se desdobravam em:

a) objetivos estratégicos: os americanos suportaram a maior parte dos custos da aliança militar formalizado no tratado do Atlântico Norte e puderam fazê-lo em grande medida, graças à condição de emissores da moeda reserva internacional;

b) objetivos econômicos: a seignorage permitiu a expansão da indústria americana e de seu estilo tecnológico (o fordismo), sobretudo através do investimento direto;

c) objetivos financeiros: a posição de “banqueiro internacional” dos Estados Unidos concedeu um enorme espaço para o crescimento dos bancos americanos.

Ao perseguir estes objetivos, a economia americana funcionava – Minsky assinalou com correção – como “reguladora” do sistema capitalista.
Isto significa que os Estados Unidos cumpriam o papel de fonte autônoma de demanda efetiva e emprestador de última instância.

Para os países membros do sistema hegemônico esta função reguladora era uma garantia ‘ex-ante’ de políticas nacionais expansionistas continuadas e estratégias de crescimento neo-mercantilistas.

Por isso, os Estados Unidos e sua economia começaram a sentir os efeitos
da ascensão dos parceiros/competidores. Japão e Alemanha, por exemplo, reconstruíram sistemas industriais e empresariais mais novos e mais permeáveis à mudanças tecnológica e organizacional e os novos industrializados da periferia ganharam maior espaço no volume crescente do comércio mundial.
Não por acaso, o saldo negativo do balanço de pagamentos americano mostrou, a partir do início dos 70, uma participação cada vez mais importante do déficit comercial.

Durante os anos 50 e 60 a balança comercial americana foi sistematicamente superavitária à despeito da posição deficitária do balanço global.

As Inevitáveis Pressões sobre o Dólar se Intensificaram e, já em 1971,
Nixon Suspendeu a Conversibilidade do Dólar a uma Taxa Fixa com o Ouro.

Em 1973 o Sistema de Paridades Fixas, mas Ajustáveis, de Bretton Woods foi Substituído por um Sistema de Flutuações Sujas [‘Dirty Float’, um tipo de controle cambial restrito em que o Banco Central de um país intervém na taxa de câmbio de forma limitada, como no Brasil, por exemplo].

Os Estados Unidos não foram capazes de sustentar a posição do dólar como moeda-padrão, na medida em que uma oferta “excessiva” de dólares brotava do desequilíbrio crescente do balanço de pagamentos, agora sob a pressão de um déficit comercial.

Minsky e outros autores sustentam que o “dólar standard”, à semelhança dos sistemas nacionais, era na verdade, um sistema monetário de crédito.

Nesse sistema, o déficit global do balanço de pagamentos determinava a quantidade do crédito e a situação positiva da balança comercial garantia a qualidade dos fluxos em dólares colocados à disposição de outros países, empresas e indivíduos.

Foi, aliás, sob o signo da desorganização financeira e monetária que se deu a formidável expansão do circuito financeiro “internacionalizado”, nos anos 1970.

A crise do sistema de regulação de Bretton Woods, permitiu e estimulou o surgimento de operações de empréstimos/depósitos que escapavam ao controle dos bancos centrais.

A fonte inicial dessas operações “internacionalizadas” foram certamente os dólares que excediam a demanda dos agentes econômicos e das autoridades monetárias estrangeiras.

O ‘Primeiro Choque do Petróleo’ e a Famosa ‘Reciclagem Privada dos
Petrodólares’ ampliaram as Bases da Oferta de Crédito Internacional
e Empurraram o Sistema para a Zona de Riscos Crescentes.

De qualquer maneira, a euforia do endividamento externo que deu sobre-fôlego a muitos projetos de industrialização e de crescimento industrial (tanto na periferia do capitalismo, quanto na área socialista), já era resultado da fadiga e das contradições que atingiram os mecanismos básicos que garantiam, simultaneamente, a estabilidade e o crescimento das economias centrais.

O circuito financeiro internacionalizado e operado pelos grandes bancos comerciais, à margem de qualquer regulamentação ou supervisão dos bancos centrais acentuou sobremaneira a tendência à super expansão dos empréstimos e o progressivo rebaixamento da qualidade do crédito concedido.

Como já foi dito em outra ocasião (Tavares e Belluzzo, 1986), o circuito financeiro internacional passou a funcionar como um sistema de “crédito puro” em suas relações com governos e empresas, com criação endógena de liquidez e altos prêmios de risco.

Os agentes endividados, por sua vez, aceitavam qualquer taxa de juros para a rolagem e ampliação de suas dívidas.

A internacionalização financeira surgida no final dos 1960 expressou-se através da crescente supremacia da função de meio de financiamento e de pagamento do dólar em relação à sua função de ‘standard universal’.

O conflito entre as duas funções, que devem coexistir pacificamente num sistema monetário estável, chegou no final dos anos 1970 a suscitar ensaios da substituição do dólar por ‘Direitos Especiais de Saque’ (criados em 1967) emitidos pelo FMI e lastreados em uma “Cesta de Moedas”.

As ameaças ao dólar foram, no entanto, contidas pelo gesto unilateral dos Estados Unidos que, no final de 1979, subiram abruptamente as taxas de juros com o propósito de preservar a função de reserva de sua moeda nacional.

Se alguém desejasse marcar uma data para a derrocada final da arquitetura de Bretton Woods teria alguma chance de acertar, escolhendo outubro de 1979.

Não se trata apenas de constatar que os Estados Unidos deixaram de exercer o papel de “país residual”, isto é, de país capaz de amortecer as tensões – tanto as inflacionárias quanto as recessivas – do sistema funcionando como fonte autônoma de demanda efetiva e ‘lender of last resort’ [Ofertante de Crédito Emergencial].

Ao impor a Regeneração do Papel do Dólar como Reserva Universal através de uma Elevação Sem Precedentes das Taxas de Juros, os Estados Unidos deram o Derradeiro Golpe no Estado de Convenções que sustentara a Estabilidade Relativa da Era Keynesiana.

Durante os anos 1980 a economia mundial foi afetada por flutuações amplas nas taxas de câmbio das moedas que comandam as três zonas monetárias (dólar, iene e marco).
Estas flutuações nas taxas de câmbio foram acompanhadas por uma extrema volatilidade das taxas de juros.

Na verdade, as flutuações das taxas de câmbio, supostamente destinadas a corrigir desequilíbrios do balanço de pagamentos e dar maior autonomia às políticas domésticas, foram desestabilizadoras.
Isto porque a crescente mobilidade dos capitais de curto prazo obrigou a seguidas intervenções da política monetária, determinando oscilações entre taxas de juros das diversas moedas e criando severas restrições a ação da política fiscal.

É neste Ambiente de Instabilidade Financeira e “Descentralização”
do Sistema Monetário Internacional que ocorrem as Transformações
Financeiras Conhecidas pelas Designações Genéricas de “Globalização”,
“Desregulamentação” e “Securitização”.

Estas transformações foram amadurecendo ao longo de um período
de crescimento interrompido por recessões relativamente suaves e
por intervenções “anti-cíclicas” dos governos.

Daí duas conseqüências importantes podem ser assinaladas:

a) foram evitados os processos agudos de desvalorização de dívidas (‘debt
deflation’); e

b) a partir de 1975 cresceu proporcionalmente o peso e a importância da dívida pública americana na composição dos portfólios privados.

Nos anos 1980, a Ampliação dos Dois Déficits – Orçamentário e Comercial –
dos Estados Unidos foi um Fator Importante para dar um Segundo Impulso e
uma Nova Direção ao Processo de Globalização Financeira.

Na prática, a ampliação dos mercados de dívida pública constituíram a base
sobre a qual se assentou o desenvolvimento do processo de securitização.
Isto não apenas porque cresceu a participação dos títulos americanos na
formação da riqueza financeira demandada pelos agentes privados
americanos e de outros países, mas também porque os papéis do governo
dos Estados Unidos são os produtos mais nobres e seguros dos mercados integrados.

A expansão da posição devedora líquida norte-americana permitiu o
ajustamento, sem grandes traumas, das carteiras dos bancos, na medida
em que os créditos desvalorizados dos países em desenvolvimento foram
sendo substituídos por dívida emitida pelo Tesouro Nacional aos Estados Unidos.

Estamos tentando argumentar que a Evolução da Crise do Sistema de
Crédito Internacionalizado e as Respostas dos Estados Unidos ao
Enfraquecimento do Papel do Dólar criaram as Condições para o Surgimento
de Novas Formas de intermediação Financeira e para o Desenvolvimento de
uma Segunda Etapa da Globalização.

Esse Processo de Transformações na Esfera Financeira pode ser entendido
como a Generalização e a Supremacia dos Mercados de Capitais em
Substituição à Dominância Anterior do Sistema de Crédito Comandado
pelos Bancos.

Reexaminadas à distância de mais de cinqüenta anos, as concepções
de Keynes e de Dexter White sobre as instituições e as regras que deveriam
presidir uma verdadeira ordem econômica internacional parecem inspiradas
numa visão pessimista acerca das virtudes do mercado auto-regulado e
particularmente negativa em relação à movimentação livre dos capitais de
curto prazo.

Ainda que o Sistema de Regras e de Instituições de Bretton Woods tenha na
verdade se revelado apenas uma sombra da Realidade Imaginada pelos Dois
Homens Públicos [Keynes e de Dexter White], hoje Ninguém Discute o
Caráter Singular do Período de Expansão Capitalista do Pós-Guerra, até
Meados dos Anos 1970.

Estudos recentes demonstram que Nenhuma Outra Etapa do
Desenvolvimento Capitalista apresentou, nem vem apresentando,
Resultados tão Favoráveis no que diz respeito às Taxas de Crescimento do
Produto [Interno bruto= PIB], Salários Reais, Comportamento da Inflação
e Estabilidade das Taxas de Juros e de Câmbio.

No entanto, as mudanças tecnológicas, nas formas de concorrência, na organização e na estratégia da grande empresa e, por fim, na operação dos mercados financeiros, ocorridas nas duas últimas décadas, parecem justificar a visão oposta, a que celebra a supremacia dos mecanismos econômicos – a ‘Lógica do Mercado – sobre as vãs tentativas de disciplinar as forças simultaneamente criadoras e destrutivas do capitalismo.

Depois de algum tempo encapsuladas pela sociedade e pelo Estado,
as tendências fundamentais deste regime de produção estão aí
e executam a sua vingança:
vigorosa economia de tempo e desvalorização do trabalho; e
intensificação da concorrência à escala planetária.

Neste processo de mundialização da concorrência desencadeou-se uma nova onda de centralização de capitais que se apresenta sob a forma de uma crescente dispersão espacial das funções produtivas e terceirização das funções acessórias ao processo produtivo, acompanhadas de uma violenta concentração das decisões e da circulação de informações no “cérebro” da grande organização.

O predomínio e a capacidade de controle da grande empresa sobre os mercados encontram ambiente favorável no desenvolvimento da nova finança.

Os mercados de capitais são mais sensíveis à avaliação do risco, o que determina uma maior seletividade na escolha dos papéis oferecidos à consideração dos gestores de carteira.

Ao mesmo tempo, o caráter globalizado dos mercados permite às empresas o acesso amplo aos mecanismos de hedge e de proteção contra as flutuações das taxas de câmbio e variações nas condições de crédito nos diversos países.

A centralização do controle capitalista, a busca incessante, imposta pela concorrência, da redução do tempo de trabalho socialmente necessário e o caráter crescentemente “patrimonialista” e volátil dos mercados que transacionam direitos de propriedade e títulos de crédito são processos que se reforçam mutuamente para produzir resultados muito distintos daqueles observados na chamada era keynesiana.

Os ciclos de prosperidade e depressão são mais curtos, as taxas de investimento são sensivelmente mais modestas, o desemprego estrutural se amplia e é cada vez mais estreito o intervalo entre os distúrbios nos mercados financeiros e cambiais.

Quanto ao Estado Nacional, ninguém duvida de que sua ação econômica vem sendo severamente restringida: assiste impotente ao desdobramento das estratégias de localização e de divisão interna do trabalho da grande empresa e está cada vez mais à mercê das tensões geradas nos mercados financeiros, que submetem a seus caprichos as políticas monetária, fiscal e cambial.
Mais do que por seu caráter global a nova finança e sua lógica tornaram-se decisivos por sua capacidade de impor vetos às políticas macroeconômicas.

Este poder de veto dos mercados financeiros se impõe a todas as economias ainda que de forma diferenciada.

Os Estados Unidos, por exemplo, emissores e gestores da moeda reserva, dispõe de maior raio de manobra para executar políticas fiscais e monetárias expansionistas, desde que aceitem o risco permanente de ataques especulativos contra o dólar e administrem adequadamente as tensões que se manifestam através da elevação imediata das taxas de juros de longo prazo, quando o crescimento é julgado “excessivo” pelos mercados.

Na outra ponta do espectro, países de ‘moeda fraca’ não conseguem escapar das situações de instabilidade senão atrelando as respectivas moedas ao curso de uma divisa estrangeira, renunciando ao mesmo tempo a qualquer pretensão de determinar o rumo das políticas fiscal e monetária.

A disciplina imposta pelos mercados financeiros, cujos movimentos de antecipação podem destruir a precária estabilidade, acaba inibindo toda e qualquer tentativa de executar políticas ativas, destinadas a promover o crescimento.

Os efeitos mais importantes destas transformações têm sido, por toda a parte, a decadência econômica de muitas regiões, o crescimento do desemprego estrutural, a proliferação de formas de precarização do
emprego, e o aumento da desigualdade.

A estas forças negativas o Estado e a sociedade não podem responder com ações compensatórias de outros tempos porque nos mercados globalizados, cresce a resistência à utilização de transferências fiscais e previdenciárias, aumentando ao mesmo tempo as restrições à capacidade impositiva e de endividamento do setor público. Isto porque a globalização ao tornar mais livre o espaço de circulação da riqueza e da renda dos grupos
integrados, desarticulou a velha base tributária das políticas keynesianas e submeteu a capacidade de endividamento do Estado ao poder de veto dos mercados financeiros.

Além disso, a ação do Estado, particularmente sua prerrogativa fiscal, vem sendo contestada pelo intenso processo de homogeneização ideológica de celebração do individualismo que se opõe a qualquer interferência no processo de diferenciação da riqueza, da renda e do consumo efetuado através do mercado capitalista.

A ética da solidariedade é substituída pela ética da eficiência e, desta forma, os programas de redistribuição de renda, reparação de desequilíbrios regionais e assistência a grupos marginalizados têm encontrado forte resistência dentro das sociedades.

Não há dúvida de que este novo individualismo tem sua base social originária na grande classe média produzida pela longa prosperidade e pelos processos mais igualitários que predominaram na era keynesiana.

Hoje o novo individualismo encontra reforço e sustentação no aparecimento de milhões de empresários terceirizados e autonomizados, criaturas das mudanças nos métodos de trabalho e na organização da grande empresa.

(Revista Economia e Sociedade; v. 4, n. 1, pp. 11-20; jun.1995)
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/ecos/issue/view/993
Íntegra em:
https://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/421/01-BELLUZZO.pdf
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Zé Maria

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O Mercado Financeiro serve de Instrumento de Atuação de uma Nova Forma
de Burguesia – Vagabunda, pois Improdutiva – que espolia a Produção por
meio de Mecanismos imorais, senão ilegais, Operados e Manipulados nas
Bolsas de Mercados Futuros [que nada mais são do que Cassinos de ‘Bets’
(Apostas)] com a Colaboração Prestimosa dos Proprietários dos Grupos
de Comunicação – que também se beneficiam dessas Operações – e dos
Bancos Centrais (em relação às Transações Cambiais e às Taxas de Juros).

Ativos como CDBs, Ações e Títulos Públicos servem, aliás, como Margem
de Garantia para essas ‘Alavancagens’ de ‘Derivativos’. [*]

Assim, os Orçamentos Públicos, nas Três Esferas (Federal, Estadual e Municipal), que deveriam se destinar à Prestação de Serviço Estatal
para toda a População, são Esmilingüidos e Subtraídos, para não dizer
Roubados (Furtados Mediante Ameaças aos Governos) ou Apropriados
indebitamente da Classe Trabalhadora ou Objetos Materiais de Estelionato
Econômico Contra a Nação.

[*] Derivativo é um Contrato Mútuo pelo qual é estabelecido um Valor
Financeiro (Pagamento Futuro) ‘derivado’ do seu Valor Temporal
baseado num Ativo-Base como Referência (“Underlying”).
Como o próprio termo sugere, recebe esta denominação porque seu
Preço de Compra e Venda ‘deriva’ do Preço de Outro Ativo (nomeado
Ativo-Base ou Ativo-Objeto).

O Ativo-Base pode ser um Título Financeiro [Ações (Renda Variável)
ou Obrigações (Títulos de Dívida ou Imobiliários, por exemplo), etc],
um Valor Econômico (Juros, Índices, Classificação de Crédito, etc)
ou um Valor Material [Commodities (Petróleo, Grãos, Gado, Metais
Nobres, etc), Moedas Nacionais (Dólar, Euro, Real, Renminbi…), etc].
(https://decisaosistemas.com.br/titulos-financeiros/)

O Montante de Derivativos é Calculado com Base no Valor
assumido pela Variável Econômica [o Preço do Outro Ativo
(Commodity, Ação, Taxa de Câmbio, Taxa de Juros, Inflação,
ou qualquer outra variável dotada de significado econômico)].

Os Tipos de Contratos Derivativos mais comuns são:

– A Termo;
– De Opção;
– Swaps; e
– Futuros.
(https://www.xpi.com.br/produtos/futuros);
(https://www.gov.br/investidor/pt-br/investir/tipos-de-investimentos/derivativos/mercado-futuro).

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Derivativo)
(https://www.gov.br/investidor/pt-br/investir/tipos-de-investimentos/derivativos)
(https://www.gov.br/investidor/pt-br/investir/tipos-de-investimentos/derivativos/para-que-servem-os-derivativos)

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