Lelê Teles: Nasce o menino Deus

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Por Lelê Teles

Por Lelê Teles*

o menino nasceu, e como um souvenir de deus, o pequeno peralta já pulou da manjedoura operando milagres e fazendo estripulias.

deu um nó no rabo do porco, puxou a barba do velho josé, montou no lombo burro e saiu dando pinote pelas ruas desertas da palestina.

vive alegre e fagueiro como convém a um deus, conta piadas e recita poemas e conversa com os bichos.

nasceu nu como um indígena e indigente como um refugiado.

nasceu livre, mas não em liberdade, pois viverá numa terra ocupada por estrangeiros.

não experimentará o sabor de uma lágrima, mas se nutrirá das deliciosas gargalhadas infantis.

terror dos falsários, chicoteará os vendilhões, dará alimento aos famintos, consolo aos desenganados e motivo aos revoltosos.

morrerá em breve, magro, cabisbaixo e com uma coroa de espinhos a lhe sangrar a fronte.

seu corpo ficará suspenso no madeiro, fustigado pelo sol, só, renegado pelos seus e abandonado pelo pai.

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morrerá como um mártir e não como um herói.

lutou o bom combate e venceu ao ser derrotado.

sim, terá uma longa breve vida, morrerá, mas permanecerá vivo eternamente.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, publicitário, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

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Lelê Teles

Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).


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Zé Maria

“O ‘Jesus Jacobino’ de Paulo Leminski”

Paulo Leminski é considerado um dos poetas mais importantes
da segunda metade do século XX no Brasil.
Sua produção se estendeu ao longo de vinte e cinco anos e foi
marcada pela Invenção na linguagem contemporânea brasileira.
Entre suas obras mais importantes estão “Catatau” (1975),
“Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase” (1980)
e “Caprichos & Relaxos” (1983).
Leminski escreveu as Biografias de “Jesus”, “Trotsky”, “Bashô” e
“Cruz e Souza”.

Trecho extraído do livro “Jesus” (Brasiliense, 1984):

Tradição Revolucionária
Um dos pontos essenciais de sua doutrina é a interiorização dos ritos.
Daí, sua hostilidade constante contra o exibicionismo da piedade
dos fariseus.
Jesus os detesta porque mandam tocar trombeta na hora em que vão
depositar esmolas no templo, para que todos saibam como eles respeitam
a Lei.

Os fariseus lhe devolvem o rancor na mesma medida,
classe ideologicamente dominante (o poder romano
era inteligente demais para mexer na religião dos seus
incontáveis súditos, pontuais pagadores de impostos,
que importa que não adorem?).
Influências essênias, contato com João o Batista,
Jesus acelera ao máximo essa tendência de
interiorização dos ritos judaicos, que já tinha começado
com os profetas, no século VII a.C.

O dentro e o fora começam a desaparecer:
exterior e interior tendem a se encontrar num ponto infinito.

Jesus está inventando a alma:
o super-signo que todos somos “dentro”.
Essa, talvez, foi a sua revolução,
a mais imperceptível de todas.

Jesus ocupa um lugar muito especial na lista dos Cromwels,
Robespierres, Dantons, Zapatas, Villas, Lenins, Trotskys, Maos,
Castros, Guevaras, Ho-Chi-Mins, Samoras Machel.

Talvez, seja inadequado aplicar à irradiação da doutrina de Jesus
o qualificativo de “revolução”, afinal, uma categoria política
essencialmente moderna, com implicações não apenas ideológicas
mas, sobretudo, econômicas, administrativas, sociais e pedagógicas.
E bélicas. Uma categoria essencialmente laica.

A saga de Jesus só faz sentido no interior de um mundo de intensidade
religiosa máxima, como o judaísmo antigo, onde as motivações da fé
comandavam todos os aspectos da vida. Uma existência inimaginavelmente
mais rica do que esta jângal sem grandeza, que é a vida das grandes massas
nas megalópoles abortadas pela Revolução Industrial.

Só um energúmeno iria pedir a um profeta da Galiléia, na época de Augusto,
programas concretos de reforma agrária, projetos de participação nos
lucros da empresa ou altas estratégias de tomada do poder através da
organização militar das massas.

Ninguém, porém, que conheça os evangelhos pode deixar de ver o caráter
violentamente utópico, negador (utopias são negações da ordem vigente:
o imaginário é subversivo), prospectivo, des-regrado (r), da pregação de
Jesus.
Nem vamos sublinhar o teor popular de sua doutrina.

Impossível superar esta bem-aventurança:

“Felizes os pobres,
porque deles é o reino dos céus.”

A contradição (binária) pobre x rico, a mais elementar de todas, Jesus viu.
E fulminou, brilhante:

“Mais fácil
passar um camelo
pelo buraco de uma agulha
do que um rico
entrar no reino dos céus.”

O profeta era radical:

“Não se pode servir
a dois senhores:
a Deus e a Mammon.”

Mammon, a divindade cananéia, cultuada pelos comerciantes,
que propiciava bons negócios e fortuna em dinheiro.

Íntegra do Excerto em:
https://jacobin.com.br/2020/12/o-jesus-jacobino-de-paulo-leminski/

[Ao Contrário de Santa Claus (Papai Noel),
Cristo recusou o Patrocínio da Coca-Cola.]

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