Por Luís Felipe Miguel, em perfil de rede social
A polícia mata na São Paulo de Tarcísio Freitas. Mata no Rio de Cláudio Castro. Mata no Pará da família Barbalho. Mata no Goiás de Ronaldo Caiado. Mas mata igualmente na Bahia governada pelo PT há quase 20 anos.
A polícia mata porque é impune. Os policiais assassinos contam com a cumplicidade de seus colegas, das autoridades e de boa parte da imprensa.
A polícia mata porque o discurso punitivista que lhe dá carta branca é sustentado por políticos de todos os matizes.
Posso estar enganado, mas não consigo lembrar de nenhum governador que, depois de Leonel Brizola, de fato tentou combater a brutalidade policial.
Muitos porque julgam politicamente lucrativo, alguns porque dentro deles bate genuinamente um coração fascista, outros por serem fracos e preferirem não enfrentar seja as corporações, seja a mentalidade rasa da opinião pública.
Sim, Tarcísio é um troglodita, capaz de dizer “tô nem aí” para mortes de inocentes. Derrite, seu secretário de segurança, se vangloria de ser um assassino.
Mas a polícia que mais mata no Brasil, em números absolutos, é a baiana. Em números relativos, a do Amapá, governada por Clécio Luís, hoje no Solidariedade, mas com trajetória no PT e no PSOL, aliado de Randolfe Rodrigues: um progressista!
A polícia mata porque, no Brasil, a vida do trabalhador não vale nada.
Não vale nada para os patrões, que o exploram até ficar só o caroço e depois descartam. Não vale nada para os governos, sempre prontos a sacrificá-lo no altar do “mercado”. Não vale nada para o Judiciário – do STF aprovando sem pestanejar todo o retrocesso da legislação trabalhista aos tribunais de todo o dia ignorando as vivências dos pobres e de quem vive do suor do próprio rosto.
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Se ninguém valoriza o trabalhador, por que a polícia haveria de fazê-lo?
A polícia mata porque é racista. No Brasil, o negro é sempre culpado, até prova em contrário. Se está maltrapilho, é vagabundo. Se anda bem-vestido, é suspeito. Na favela, deve ser traficante. No asfalto, está querendo roubar. De um jeito ou de outro, onze tiros são justificados. E mesmo o policial negro incorpora na sua prática a violência contra os seus.
A polícia mata porque não sabe fazer outra coisa. Temos uma polícia notoriamente incapaz de solucionar crimes e de proteger a segurança dos cidadãos.
Às vezes, não tem nem vontade, já que grande parte dela está de mãos dadas com o crime organizado.
Mas mesmo quando não é o caso, falta competência técnica. E, curiosamente (ou não), essa polícia usa a segurança que não consegue fornecer à população como desculpa para seus abusos.
A polícia mata porque a sociedade brasileira é cúmplice.
Para nossa polícia incompetente, método de investigação é tortura. Mas a tortura deixou de ser preocupação na hora em que parou de atingir os militantes políticos, no final da ditadura.
Convivemos com a brutalidade; alguns de nós preferem virar os olhos, outros, envolvidos por um discurso de “bandido bom é bandido morto”, que no final das contas acaba atingindo eles próprios ou seus filhos, simplesmente aplaudem.
*Luis Felipe Miguel é professor do Instituto de Ciência Política da UnB. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades – Demodê (@demode.unb). Autor, entre outros livros, de Democracia na periferia capitalista: impasses do Brasil (Autêntica). [https://amzn.to/45NRwS2]
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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