César Fonseca: Lula recua diante da Venezuela e abre reconciliação com Maduro
Tempo de leitura: 3 minLula recua diante da Venezuela e abre reconciliação com Maduro
Parece que o presidente Lula concluiu que jamais deveria ter interferido nos assuntos internos da Venezuela ao dizer que os problemas da Venezuela têm que ser resolvidos pela Venezuela.
O presidente Nicolás Maduro respondeu com luva de pelica diante das declarações do presidente brasileiro.
Concordou com ele, elogiando sua postura de que cada um cuida do seu problema.
É o que deseja a Venezuela.
Maduro foi diplomático, em vez de tentar tirar sarro, demonstrando maturidade.
Antes, ele e integrantes do governo insinuaram horrores: que Lula estaria a serviço de Washington, que Celso Amorim, secretário de política externa, era agente da CIA.
Coisas desse tipo azedaram as relações bilaterais, levando o governo ao silêncio estratégico, até que o presidente como que deixasse o assunto por encerrado ao reconhecer que cada país cuide dos seus assuntos.
Lula não reconheceu que se equivocou [negrito do autor].
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A vaidade, talvez, tenha impedido esse gesto de humildade.
Preferiu ser pragmático, mas como, para bom entendedor, meia palavra basta, o que resultou ao final foi reconhecimento da escorregada brasileira.
A complicação que restou a ser sanada é a questão do veto brasileiro à entrada da Venezuela no BRICS, levando à insatisfação do próprio presidente da Rússia, Vladimir Putin, organizador do 16º Encontro do bloco de países, que, agora, somam 13 integrantes, com outros 30 interessados em se tornarem membros ou parceiros.
Ninguém, no Sul Global, quer ficar de fora do BRICS, já maior que o G20, superando seu PIB em paridade do poder de compra, bem como número de habitantes etc.
Como diria Noel Rosa, com que roupa (com que direito) o Brasil teria agido dessa maneira tão acintosa, ferindo, primeiro, autodeterminação dos povos, ingerindo na eleição presidencial venezuelana, e, segundo, autoproclamando no direito de vetar a Venezuela no BRICS, sabendo tratar-se do país com a maior reserva de petróleo do mundo?
Reconciliação diplomática à vista
A postura brasileira, como não poderia deixar de ser, levantou a desconfiança de Caracas de que se tratava de algo encomendado por Washington usando Brasília para fazer o serviço sujo a serviço de Tio Sam, maior interessado em ver latino-americanos divididos e, consequentemente, enfraquecido diante do império?
Foi, sem dúvida, uma lambança diplomática [negrito do autor].
Não foi à toa que a diplomacia venezuelana acusou o Itamaraty de possuir um histórico de aliança com a inteligência americana para atuar contra o próprio Brasil, como no golpe de 1964.
Despropósito total.
Agora, as palavras de Lula de que cada macaco deve ficar no seu galho abre espaço para a reconciliação.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, complementou o sentimento de aproximação de Lula com Maduro ao dizer que não está nos planos do governo retirar o embaixador brasileiro de Caracas, algo que sinalizava complicações nas relações dos dois países.
Quem ganharia com isso?
Putin consertaria ata de Kazan
Falta, por fim, o entendimento diplomático para superar o equívoco de não aceitação da parte brasileira da participação da Venezuela no BRICS.
Essa deverá ser uma tarefa da qual, certamente, o presidente russo deverá participar, para consertar os termos da aprovação do comunicado final de Kazan, cidade russa, onde se realizou o 16º Encontro.
Vai ser uma ginástica diplomática.
Feito isso, bola pra frente.
O próximo passo será saber se o presidente Lula, depois de, com sua declaração, admitir sem dizer que o Brasil se equivocou em intrometer-se nos assuntos internos da Venezuela, irá à posse de Maduro, em janeiro.
União faz a força
Os dois países maiores produtores de petróleo da América do Sul, tendo a parte brasileira, ainda, mais fortalecida depois do anúncio de descoberta de bacia petrolífera gigante na região de Pelotas, Rio Grande do Sul, teriam ou não a ganhar solidez em suas relações, para se fortalecerem em negociações futuras com os Estados Unidos?
Trump diz que priorizará a busca, por meio das petroleiras americanas, de petróleo, como garantia estratégica para os interesses americanos.
Com quem negociará, senão com os poderes constituídos dos dois maiores produtores de petróleo sul-americanos, próximos dos Estados Unidos, se comparada à distância relativa ao Oriente Médio, grande fornecedor dos americanos?
Teria sentido imaginar que Trump, que vaza ideia de que negociará fim das guerras conduzidas pelos Estados Unidos, atualmente, abra mais uma frente de conflito na América Latina, com a Venezuela, por exemplo, para alcançar o petróleo venezuelana, colocando tropas nas fronteiras do país de Hugo Chávez?
Se Brasil e Venezuela se unem para negociar com Trump, cada qual no seu lugar, mas com espírito de entendimento comum em defesa dos seus interesses recíprocos de países vizinhos, no continente sul-americano, estaria ou não mais fortalecida a política de integração econômica latino-americana, consagrada na Constituição brasileira, como propósito essencial?
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Mirko Casale: Cinco hipóteses para um veto infame. VÍDEO
Ângela Carrato: O Brasil desistiu de sua política externa independente, ativa e altiva?
Comentários
Zé Maria
https://jacobin.com.br/wp-content/uploads/2024/10/Sputnik_8788483HRen-1024×682.jpg
Zé Maria
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“Washington Não Suporta Democracia Real na
Venezuela Bolivariana e Divide América Latina
para Combatê-la”
Por César Fonseca, em Pátria Latina
[…]
Depois da eleição presidencial de 28 de julho, o presidente Nicolás Maduro convocou novas eleições, desta vez para elaboração do orçamento participativo nacional, base da política econômica conduzida por economia política alternativa ao neoliberalismo imperialista.
A incompatibilidade de Washington com a República Bolivariana é dada pela contradição entre a essência do neoliberalismo imperialista, que promove concentração de renda e exclusão social, e a reação do chavismo republicano democrático promotor de excesso de democracia que leva às reformas sociais participativas em escala crescente, com ampliação da consciência social antiimperialista.
O imperialismo, em sua escalada de concentração de poder e de capital, no cenário da ultra financeirização, que entra em choque com a democracia, cuja base pressupõe divisão de poder político e consequente visão social mais avançada, nega o chavismo como opção política no cenário sul-americano, considerado, geopoliticamente, pelos Estados Unidos, espaço seu, conforme Doutrina Monroe.
CHOQUE IDEOLÓGICO RADICAL
Configura-se choque ideológico, porque a República Bolivariana chavista é qualitativamente diferente da república burguesa financista especulativa imperial.
Além dos três poderes republicanos tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário – na linha de Montesquieu, seguida pelas democracias capitalistas ocidentais, a República de Bolívar-Chávez-Maduro-PSUV aprofunda o processo democrático republicano, adicionando um quarto poder: a consulta popular em referendo.
Desse modo, o poder representativo, em última instância, requer o aval do povo que o referenda ou não, substituindo-o, se não atender pressupostos de uma república mais avançada democraticamente pela participação direta.
O orçamento da União, na Venezuela, instância máxima do poder econômico, é elaborado pela participação popular em eleição direta, na escolha do programa econômico.
O modelo chavista é, organicamente, a negação da anti-democracia imperialista que concentra renda, promove desigualdade social e, consequentemente, repudia a crítica social intrínseca à democracia.
Nesse sentido, o imperialismo busca mobilizar a América Latina contra a Venezuela, arregimentando a direita e ultradireita latino-americana, bem como a esquerda liberal, incompatível com a radicalidade democrática republicana chavista anti-burguesia financeira, anti-concentração da renda e anti-desigualdade social em escala exponencial, no cenário da financeirização econômica especulativa.
NOVO PARADIGMA ECONÔMICO BOLIVARIANO:
MAIOR ADVERSÁRIO DO IMPÉRIO
O maior inimigo do imperialismo americano na América do Sul, depois de Cuba, é a Venezuela.
O chavismo prega a supressão do imperialismo para afirmar o seu oposto:
República Democrática Bolivariana.
Institucionalmente, a República Bolivariana avança progressivamente em relação à república burguesa de Montesquieu.
Em vez dos três poderes republicanos, apenas, ela dá um passo à frente:
o povo vira o quarto poder por meio do referendo.
O poder popular, por meio do referendo, pode afastar o presidente eleito, se ele desobedecer o programa popular aprovado nas urnas.
O primeiro passo do presidente Maduro, eleito para o terceiro mandato (2025-2031), depois da eleição presidencial, foi convocar novas eleições para votação do orçamento participativo da União.
O programa econômico está essencialmente contido no orçamento participativo.
A participação popular repudia, por consequência, o neoliberalismo imperialista.
O ajuste fiscal na Venezuela não é determinado pelos credores da dívida pública, como acontece na democracia burguesa brasileira dominada pelo capital financeiro.
O montante do pagamento dos juros aos bancos credores não precede, como aqui, ao atendimento das demandas sociais.
As despesas primárias têm precedência sobre as despesas financeiras.
Não se faz superávit primário para servir aos credores antes de servir às demandas sociais, contidas no orçamento participativo submetido à votação popular.
Por isso, o PIB venezuelano, em 2024, deve crescer 8% mediante inflação prevista de 1,5%, segundo Ministério da Economia.
O orçamento participativo é a arma para garantir inflação baixa e PIB alto.
Dessa forma, a República Bolivariana exercita, para irritação de Washington, novo paradigma econômico, dado por nova economia política anti-burguesa, anti-especulação financeira.
A elaboração da política econômica é dada pela economia política, organizada pela sociedade mediante orçamento participativo votado nas urnas e aprovado na Assembleia Nacional.
É por aí que o povo venezuelano, sob o chavismo bolivariano, está construindo sua autodeterminação.
Qual mandamento maior da convivência pacífica entre os povos,
senão o respeito à autodeterminação?
Íntegra em:
https://patrialatina.com.br/washington-nao-suportainflacao-democratica-na-venezuela-bolivarianae-divide-america-latina-para-combate-la/
Lei também:
Entrevista com MARCO FERNANDES, na Jacobina.
“O Veto à Venezuela no Brics foi o Maior Equívoco da Diplomacia Petista”
https://jacobin.com.br/2024/10/o-veto-a-venezuela-no-brics-foi-o-maior-equivoco-da-diplomacia-petista/
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