Vitória de Trump é recado para todas as democracias do mundo, diz Jamil Chade
Tempo de leitura: 2 minVitória de Trump é recado para todas as democracias do mundo
Por Jamil Chade, colunista do UOL, em Nova York
Ele mentiu, ofendeu, cometeu crimes e foi condenado. E, mesmo assim, foi eleito presidente da maior economia do mundo e uma potência nuclear.
A vitória de Donald Trump nas eleições americanas deve ser ouvida, estudada e examinada por democracias de todo o mundo para entender como o sistema político que abandonou suas bases e uma parcela da população está sendo manipulado para permitir a chegada ao poder de movimentos com pouco compromisso com a democracia.
A ideia de que a derrota de Trump em 2020 e a de Jair Bolsonaro em 2022 tinham virado a página da história não é apenas míope como irresponsável.
Hoje, nos EUA, um país constata que sua democracia não conta com mecanismos para protegê-la. E chega ao poder, legitimado pelas urnas e pelo fracasso de outros governos em dar respostas à população, um movimento que não esconde seu viés autoritário.
Do centro do poder mundial, o recado é claro: a democracia está em crise, as instituições estão disfuncionais e a tecnologia hackeou a tomada de decisões.
Mas essa não é a única mensagem que sai da vitória de Trump. Com milhões de votos, seu movimento que abusou da xenofobia e do ódio mobilizou uma parcela significativa da população americana.
Ao longo dos últimos dois meses, percorri comícios e eventos organizados pela extrema direita apenas para constatar que aqueles que estavam ali tinham a impressão de que se sentiam ouvidos.
Humilhados por um sistema econômico cruel, eleitores compraram uma mentira. Mas também sinalizaram que não suportam mais serem ignorados.
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Enxergam em Trump o anti-herói que supostamente enfrentou as maiores injustiças do sistema e, ainda assim, resistiu. “Lute, lute, lute.” Sua frase ao ser baleado ecoava pelos comícios, como um grito da alma de cada um dos relegados do capitalismo.
Percorri também os bairros mais pobres da bilionária cidade de Nova York apenas para constatar a dimensão da pobreza e o colapso da ideia do “sonho americano”, uma espécie de mito fundador da atual sociedade nos EUA.
Ao vencer sua primeira eleição, Trump escolheu recuperar um termo da história política americana: “os homens e mulheres esquecidos”. Não cumpriu.
Mas os democratas, com Joe Biden, tampouco deram uma resposta. Humilhados e diante do fim do “sonho americano”, os eleitores sentenciaram nas urnas sua indignação.
A referência aos “esquecidos” havia sido uma iniciativa de Franklin D. Roosevelt que, em 1932, alertou sobre essa camada da população “no fundo da pirâmide econômica”.
Suas palavras chocaram seu partido, já que reconheceria a existência de um conflito de classe nos EUA. Ele bancou a aposta e insistiu que seu partido deveria se adaptar para atender aos esquecidos. E venceu.
Trump, um bilionário que usou o sistema para dar vantagens à elite americana, recorre a essa população apenas como massa de manobra para chegar ao poder. Mas sinaliza às demais forças políticas americanas e ao mundo que a democracia não sobrevive à desigualdade e à mentira.
Recrutar para defender a democracia exige dar a milhões de pessoas o direito de ter direitos, e instituições capazes de impedir o sequestro do sistema.
Trump venceu. E o mundo que escute o que isso significa.
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