O Indiscreto Charme da “Modernidade” Caquética
Por Marcelo Zero*
Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando,
mas ele vinha como se fosse o Novo.
Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto,
e exalava novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado.
Bertold Brecht, Parada do Velho Novo
A performance não muito boa do PT nas eleições municipais fez ressurgir, principalmente na mídia, as vetustas críticas de que esse partido é dominado por ideias “atrasadas”. Ideias que não estariam conectadas com o mundo de hoje e com o moderno “empreendedorismo”.
Hoje, ensinam-nos esses arautos da modernidade que os jovens não querem ser trabalhadores com direitos. Não sonham em serem médicos, engenheiros, economistas, cientistas etc. De forma alguma.
Sonham em pedalar uma bicicleta para o Ifood até caírem mortos na vala comum dos excluídos.
Um Brave New World, em cuja “novilíngua” os superexplorados das plataformas digitais são denominados de “colaboradores” e as empregadas domésticas de “secretárias”.
Entretanto, pela lógica bizarra dessa “análise”, os partidos que fizeram muitas prefeituras é que seriam “modernos”.
Talvez bafejados pelo frescor digital das “emendas pix”, partidos como o PSD, o MDB, o União Brasil é que estariam sintonizados com a “modernidade”.
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Como se sabe, o Centrão é composto por grandes inovadores, heróis “schumpeterianos” totalmente descomprometidos com o velho fisiologismo.
O que dizer, então, do PL de Bolsonaro? Não há dúvida de que o ex-capitão e seus associados são notórios expoentes do neoiluminismo. Grandes inovadores e empreendedores.
Nada mais moderno que a misoginia, o racismo, a homofobia, o armamentismo e o negacionismo climático. Tudo temperado, é claro, por um saudável saudosismo, vanguardista, da ditadura militar.
Pablo Marçal, essa grande novidade, esse maelstrom de ideias revolucionárias, está também perfeitamente sintonizado com a modernidade das fake news, das agressões e do chulo e antidemocrático discurso de ódio, que tanto frisson causam entre setores da nossa juventude. Um grande empreendedor, sem dúvida. Uma espécie de Al Capone digital.
Como não estou muito sintonizado com os modernos miasmas exalados das cloacas digitais, faltam-me luzes para entender como o PT e seus governos seriam contra o empreendedorismo.
O que estimula o empreendedorismo? Taxa de juros baixa ou a segunda maior taxa de juros real do mundo?
Segundo consta nos antigos e modernos manuais de economia, uma taxa básica de juros módica, assim como spreads civilizados e acesso facilitado ao crédito, são fatores fundamentais para que o empreendedorismo possa florescer.
No entanto, sempre que Lula e o PT defendem taxa de juros mais baixa e uma política monetária consentânea com o desenvolvimento do país e com a atual realidade mundial, a mesma mídia que rotula o PT de atrasado sai a defender o tradicional rentismo parasitário.
Recorde-se que a inclusão bancária das camadas mais carentes da população brasileira teve início em 2003, ainda no primeiro governo Lula, ao se criar uma modalidade de conta bancária que pudesse ser obtida e mantida pela população carente: a conta especial de depósito à vista (com exigências mínimas para abertura e com baixa tarifa bancária).
Agora mesmo, o novo governo Lula lançou o Acredita, um amplo programa para microcrédito individual, cuja meta é realizar, até 2026, cerca de 1,25 milhão de transações de microcrédito. A iniciativa poderá injetar mais de R$7,5 bilhões na economia brasileira até 2026.
O BNDES, que estava com suas “torneiras fechadas”, hoje estimula o empreendedorismo brasileiro como nunca.
Com efeito, a aprovação de crédito por esse banco chegou a R$ 66,5 bilhões no primeiro semestre deste ano, um aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano passado. Em relação ao primeiro semestre de 2022, o crescimento chega a 107%.
Nenhum governo estimulou o empreendedorismo da população como os governo do PT fizeram e fazem.
E, provavelmente, nenhum indivíduo no Brasil empreendeu tanto quanto Lula. Saiu da mais opressiva miséria do sertão nordestino para ser presidente da república e estadista de nível mundial.
Perto dele, o caricato Elon Musk, que se fez com o dinheiro da família, não passa de parasita de ideias alheias.
Afinal das contas, o que é ser “moderno”? O que é ser “atrasado”?
Combater a fome, como sempre fez o PT, é algo moderno ou atrasado? Pode-se empreender de barriga vazia?
Combater as desigualdades e a pobreza, a grande marca política do PT, é algo moderno ou atrasado?
A miséria e a falta de oportunidades são boas para o moderno empreendedorismo?
Investir na neoindustrialização descarbonizada, como o mundo inteiro e o novo governo Lula estão fazendo, é algo moderno ou atrasado?
A mídia provecta pode não acreditar, mas o neoliberalismo e seus “paleomitos” morreram na crise de 2008.
Desde então, a “modernidade” vem sendo inteiramente revista e reciclada. Basta olhar para o que acontece no mundo.
Ademais, a ideologia da “prosperidade individual”, que hoje pulula freneticamente nas redes sociais, alimentada por pastores lupinos e “influencers” mesclados com o crime organizado, nunca passou de grande falácia.
A prosperidade dos indivíduos sempre dependeu e sempre dependerá de ativas políticas públicas de inclusão e desenvolvimento. Justamente as políticas que o PT procura promover, para desgosto dos ideólogos do “Fazendão” e dos enganadores digitais da população.
Na década de 20 do século passado, a grande novidade política era um ex-cabo do exército alemão e pintor fracassado. Oferecia, aos berros, caudalosas cachoeiras de fantásticas mudanças. Deu no que deu. Uma gigantesca e macabra “cascata”.
Muitas vezes, o que se chama de modernidade não passa de caquético reacionarismo, reciclado com novas roupagens e odores, como no poema de Brecht.
Reacionarismo indiscreto e malcheiroso.
Exclusão, desigualdades, fome, pobreza, ausência de direitos, mentiras, ódio e ditaduras sempre serão o velho lado errado da História.
O PT está no renovador lado certo.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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