por Pedro Estevam Serrano, em CartaCapital
Na tradição cristã o Natal é a data da comemoração do nascimento de Jesus, e como tal um momento em que valores como generosidade, solidariedade e fraternidade são lembrados como mote da celebração. Nos discursos apenas. Na realidade, Natal é época de compras, consumo.
Mais do que momento em que expressamos afeto pela generosidade do presente, tratamos nosso desconforto civilizacional e nossas depressões existenciais indo ao shopping para obter o cumprimento da ilusória promessa de felicidade que o consumo oferece.
A hiper-complexidade das sociedades contemporâneas não facilita uma leitura mais bem acabada de suas macro-características. Não ousaria fazê-lo. Não me sinto habilitado a tanto.
Mas minhas leituras e observações pessoais de nossa história recente me trazem algumas reflexões que se consolidaram em meu espírito sobre a forma em que convivemos no mundo contemporâneo.
Me parece inegável que o correr do século XX e o inicio do XXI trouxe mudanças substancias na forma de organização e produção do sistema capitalista.Não apenas mudança de grau ou intensidade, mas verdadeiras mudanças de qualidade e substancia.
Cada momento da história sociopolítica e econômica da humanidade ressalta características existentes na natureza das relações intersubjetivas de nossa espécie. Mercado existia como fenômeno há muito em nossas formas de organização social. A mercancia, a troca, é e foi instrumento relevante de sobrevivência da espécie conforme nossas formas de organização social e de produção foram se tornando mais complexas.
Mas é no capitalismo que esta forma coletiva de troca e produção atinge seu ápice de relevância na vida social, torna-se espinha dorsal de nossas formas de organização social, política e econômica.
O capitalismo adquire inegável caráter progressista na história humana em sua versão industrial.
A natureza disciplinar desta forma de produção repercute efeitos sobre todos os ambientes da vida social. Instituições coletivas como escola, hospitais e até restaurantes, organizados em modo hierárquico e a partir de disciplinas substituem formas aristocráticas de acesso a bens coletivos. O Poder Estatal passa a ser exercido a partir de sua submissão a normas, disciplinas coletivas e não à mera vontade autônoma de seu governante.
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O capitalismo se traduz em sistema de contínua expansão. Por conta das conquistas dos trabalhadores europeus no início do século passado, em busca de ampliação de ganhos, o capital se espraia pelo mundo.
Desde o século XIX até os dias de hoje pudemos observar a transformação do capitalismo de forma europeia em modo global de produção.
Na contemporaneidade, contudo, outro fator de expansão vem a provocar mudanças que me parecem substanciais no sistema.
A produção de mercadorias é secundarizada pela produção de seu feitiche. Mais do que um sistema produtor de mercadorias, o capitalismo se transforma num sistema produtor de subjetividade. Expande-se para a significação humana. Ocupa todos os espaços da vida e do imaginário.
A regra econômica do condicionamento da oferta pela demanda é invertida. Oferta produz demanda, como bem enxergou Steve Jobs.
Em verdade, modos de domínio e construção da subjetividade fazem parte do próprio conceito de civilização. Religião, educação e mesmo razão e ciência são formas de trabalho e domínio da subjetividade.
Mas creio que nunca tivemos na história humana um sistema sociopolítico e econômico que tivesse na produção de subjetividade o vértice de seu funcionamento.
E não me refiro apenas ao âmbito limitado da publicidade e suas técnicas de marketing e nem apenas ao espetáculo que tende a dominar a linguagem midiática.
Falo de toda uma máquina de comunicação e sentidos que ocupam todo nosso espaço imaginário, racional e afetivo. Impossível imaginarmos hoje uma história pessoal de romance sem os signos de Hollywood por exemplo.
Como consequência evidente deste processo, o papel do consumidor vai substituindo o do cidadão e os exércitos de reserva de mão de obra vão saindo da reserva para a cruel exclusão da vida.
O sistema passa a ter pelo poder da exclusão o exercício máximo do que Schimitt entendia como soberania. A capacidade de transformar o direito em exceção, dando ao poder o condão de disposição da vida do destinatário.
Vivemos hoje um mundo recheado de estados democráticos, mas submetidos a uma governança global imperial que se realiza em rede, sem contar, portanto, com o lugar que a disciplina outorga ao poder, o que possibilitaria identificá-lo e limitá-lo.
E assim vamos às compras, sem esquecer de comprar brinquedos e roupas para nossos entes queridos e mesmo para crianças desamparadas e pessoas desfavorecidas.
Não nos perguntamos a que custo vital se produzem estes bens tão baratos em alguma parte do globo, seja pela quase escravidão dos trabalhadores que os produzem , seja pela exclusão necessária da vida de amplos contingentes humanos que o sistema hoje exige para operar.
Mais que autonomia de vontade, ser livre no mundo contemporâneo é ser espontâneo, e no exercício desta espontaneidade entender que estamos todos inseridos num contexto sistêmico em que o custo de nossa inclusão e sobrevivência é compartilhar e fazer parte de um processo produtivo essencialmente antiético, em que nem sequer o lugar nobre da inocência nos é possível ocupar.
Mas no florescer mais intenso desta espontaneidade podemos transformá-lo, traduzir em mecanismos de cidadania global o que hoje é ilimitado e regido apenas pela força.
Assim desejo a todos os leitores, que tiveram a paciência de ler meus textos em 2011, que este Natal seja o nascer de nossa espontaneidade e que, através dela, em 2012 venha a destruição não do mundo e da vida, mas da morte que ronda nossa civilização.
Pedro Estevam Serrano é advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.
Leia também:
Alan Nasser: Trabalhadores dos EUA cada vez mais parecidos aos de países
Comentários
Gerson Carneiro
Hoje acordei me sentindo 6º Economia do Mundo.
É normal isso, ou foi o Peru de Natal?
FrancoAtirador
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FELIZ 2012 A TODOS !!!
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Monte Castelo
(Legião Urbana)
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua do anjos,
Sem amor, eu nada seria.
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.
O amor é fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua do anjos,
Sem amor, eu nada seria.
É um não querer mais que bem querer.
É solitário andar por entre a gente.
É um não contentar-se de contente.
É cuidar que se ganha em se perder.
É um estar-se preso por vontade.
É servir a quem vence, o vencedor;
É um ter com quem nos mata a lealdade.
Tão contrario a si é o mesmo amor.
Estou acordado e todos dormem…
Todos dormem, todos dormem…
Agora vejo em parte.
Mas então veremos face à face.
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade.
Ainda que eu falasse a língua dos homens.
E falasse a língua do anjos,
Sem amor, eu nada seria.
[youtube AKqLU7aMU7M http://www.youtube.com/watch?v=AKqLU7aMU7M youtube]
Música de Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e Renato Rocha
sobre versos de Camões e versículos da 1ª epístola de Paulo aos Coríntios.
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Lucas Parente
Reza de hoje.
Vês que dia mais bonito?
Tu choras, eu grito.
Pobre homem, por que gritas?
Não vês que não é possível
Extirpar o que está dentro
Sem arrancar-lhe as tripas?
Em todo caso, meu caro,
Passa pelo shopping center
Compra um tanto de alegria
(A preço promocional);
Fica feliz por um dia,
Depois cospe na lixeira.
Olha, que dia mais sisudo!
Você, taciturna eu, mudo.
Tua diurna euforia
Orgulho do homem moderno,
Virou presa de si mesma –
Palhaço vestido em terno.
Assim mesmo, observa:
Por trás da distante serra
Forrada de densos boldos,
Vem raiando mais um dia:
Choremos todos –
Amém!
ZePovinho
Foi por isso que Ele expulsou os vendilhões do templo:
[youtube jDLfyg-kt7Q http://www.youtube.com/watch?v=jDLfyg-kt7Q youtube]
EUNAOSABIA
Como sempre, mandou bem, excelente e super produtivo comentário.
FrancoAtirador
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Grandes amigos, camaradas e libertários !
Nestes tempos de natal e "reveiôm" ocidentais, que, por sinal, foram culturalmente impostos às nações do hemisfério sul pelos capitalistas do hemisfério norte, lembro-me sempre do poema "Chorus Natalini" escrito há anos atrás por um anônimo poeta, então devorado pela cotidiana depressão e em estado de amarga misantropia e de profundo pessimismo, e que, apesar disso ou por causa disso, despindo-se da hipocrisia, revela uma crua verdade, ao expressar uma dura realidade social, que infelizmente no Brasil perdura:
CHORUS NATALINI
Choro por uma criança nua
a vagar no frio da rua;
Choro por uma viúva doente
que chora, porque tudo é ausente;
Choro por um mendigo
que um dia teve um abrigo;
Choro por um desempregado
que soluça embriagado;
Choro por uma prostituta
que foi gente antes de ser puta;
Choro num natal cruel
pela menina órfã do papai noel;
Choro pela vida que chora
e choro por mim agora.
(22/12/1994)
Além de poder constatar que o papai noel é o ícone mais representativo da perversidade do capitalismo, esses versos me fizeram perceber que essa caridade material, tão propalada nesta época do ano pela classe rica adepta do consumismo hedonista – e que acumula riqueza cotidianamente às custas do trabalho alheio – e por seus respectivos prepostos das corporações midiáticas, nada mais é do que a tentativa aparente de descarregar da consciência o peso do gigante fardo do exercício diário da exclusão, da discriminação e do preconceito social praticados no curso do ano que brevemente se encerrará.
Tentativa inútil, pois, a partir do primeiro dia do ano vindouro, essa prática retorna à sua acumulação.
Ou pior: no curso do tempo, abstraindo-se o calendário, essa acumulação efetivamente é ininterrupta.
Aproveitando este momento de reflexão, desejo a todos que o novo ano seja pleno de paz, de amor e de solidariedade, que não é o mesmo que caridade, e de realizações na luta pela igualdade social !
SAÚDE !!!
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Klaus
Caramba, deve ser complicado o natal na família Atirador…
FrancoAtirador
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A minha família é Hominidae.
Qual é a sua, Santa Klaus ?
<img src="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/42/MerryOldSanta.jpg/200px-MerryOldSanta.jpg">
Ilustração (1881) de Thomas Nast que,
juntamente com Clement Clarke Moore,
ajudou a criar a imagem de Santa Claus,
o Papai Noel do Hemisfério Norte.
É de se observar que o ritual de Natal, com todos os seus símbolos e adereços,
foi exportado do Hemisfério Norte, onde, nesta época do ano, é inverno,
para o Hemisfério Sul, onde, como todos sabemos aqui no Brasil, é verão.
Reparem no aculturamento promovido pela colonização européia e norte-americana:
1º) Árvore conífera coberta de neve (muito cuidado com ela, ao esquiar nos Alpes);
2º) Pé de meia na lareira (os anglo-saxões tinham que bolar essa);
3º) Papai Noel (Santa Claus) vestido com roupas pra resistir a um frio de 60 graus abaixo de zero, andando de trenó puxado por renas (o verdadeiro Nicolau siberiano);
4º) Panetone (dizem que o padeiro italiano, que inventou este tipo de pão, chamava-se Toni);
5º) Bonecos de neve nos jardins, nas praças, nas avenidas… (parecidos com aqueles que se vê nos filmes de Hollywood, na Califórnia. Falando nisso, o peru é "à califórnia");
6º) Brinde com champagne (esses franceses! Trocaram a Ségolène Royal pelo Sarkozy… Só podiam estar bêbados).
7º) Caixas e mais caixas de presentes (normalmente são casacos de pele de raposa ou de urso polar e aquecedores a óleo de baleia ou de foca) todas embrulhadas e amarradas com aqueles lacinhos de nó de top (aqui no BraZil essas caixas são devidamente colocadas embaixo da árvore de natal, porém geralmente estão todas vazias)…
Happy Christmas!
But the war is not over!
<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Santa_Claus” target=”_blank”>http://en.wikipedia.org/wiki/Santa_Claus
Klaus
Se eu sou o Papai Noel não deixava nada no seu sapatinho…
Lucas Parente
"Papai Noel, FDP,
rejeita os miseráveis,
eu quero matá-lo,
aquele porco capitalista,
Presenteia os ricos,
e cospe nos pobres"
Letra de "Papai noel, velho batuta". Ah, o bom e velho Ratos de Porão…
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