Pepe Escobar: O Irã, o Brasil e “a bomba”

Tempo de leitura: 6 min

O Irã, o Brasil e ‘a bomba’
30/4/2010, Pepe Escobar, “The Roving Eye”, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LD30Ak01.html

tradução de Caia Fittipaldi

O ministro das Relações Exteriores do Brasil Celso Amorim foi tão polido quando preciso e claro, em conferência conjunta de imprensa, ao lado de seu contraparte Manouchehr Mottaki em Teerã nessa 5ª.-feira. Amorim disse que “o Brasil está interessado em participar de uma solução apropriada para a questão nuclear iraniana.”

“Apropriada” é palavra em código para “dialogada” – não uma quarta rodada de sanções lançada pelo Conselho de Segurança da ONU, muito menos a opção militar, que o governo Barack Obama insiste, com estridência, em manter à mesa. Assim, ao posicionar-se como um mediador em busca de solução pacífica, o governo brasileiro põe-se em rota de colisão “soft” com o governo Obama.

O presidente Luiz Inacio Lula da Silva do Brasil estará em visita a Teerã, mês que vem. Aos olhos dos falcões do “pleno espectro de dominação” nos EUA, é anátema. Tanto quanto para a ‘mídia’ ocidental de direita, veículos brasileiros inclusos, que não se cansam de martelar Lula, non-stop, por sua iniciativa de política exterior.

Pouca diferença faz que, mais uma vez, Amorim tenha repetido, com destaque, que absolutamente não há consenso na chamada “comunidade internacional” quanto a isolar Teerã. “Comunidade”, mais uma vez nesse caso significa Washington e uns poucos países europeus. O Sul global vota pelo diálogo. O Movimento dos Não-alinhados [ing. Non-Aligned Movement (NAM)] é unanimemente contrário a mais sanções. O Grupo dos 172 (todos os países exceto o Grupo dos 20) é também contra mais sanções.

O Brasil e a Turquia, ambos contrários a novas sanções, ocupam atualmente lugares não-permanentes no Conselho de Segurança da ONU. A posição de ambos é idêntica, em essência, à de China e Rússia – que são membros permanentes do Conselho de Segurança. A tática russa de nada deixar transpirar, e a da China, que concordou com “discutir” pacotes de sanções, têm sido distorcidas e mal interpretadas pela mídia corporativa e vendidas como se esses países estivessem aceitando as exigências de Washington.

Não aceitaram. No encontro dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) em Brasília, há menos de duas semanas, esses países mais uma vez definiram que a ‘solução’ de novas sanções não é solução, e repetiram que toda a questão deve ser decidida pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA).

Em Teerã, Mottaki e Amorim também discutiram a proposta iraniana de troca de combustível nucelar, como “medida para construir confiança” que beneficiaria o Irã, em relação a Washington e capitais europeias. O Brasil ofereceu-se para enriquecer urânio para o Irã.

O problema é que a nova rodada de sanções está sendo discutida em New York exclusivamente entre os cinco membros permanentes mais a Alemanha – e só depois dessa fase a discussão será aberta aos membros não permanentes, como Brasil, Turquia e Líbano, que mês que vem assumirá o assento rotativo do Conselho de Segurança.

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O xis da questão

Cada ator tem suas próprias razões para opor-se às sanções. Moscou – que já fornece ao Irã tecnologia de reatores nucleares, além de armas –, sabe que, mais cedo ou mais tarde Washington terá de aceitar o óbvio; que o Irão, produtor chave de energia, é uma potência regional natural. Para Pequim, o Irã é assunto de segurança nacional energética; mais sanções põem sob risco a estabilidade regional e caem na categoria de delírios-desejos da secretária de Estado Hillary Clinton.

Nova Delhi dificilmente não terá visto, até agora, que, no Afeganistão, Washington embarcou em aliança sem volta com Islamabad; a Índia, portanto, precisa de um Irã estável como contrapoder, para enfrentar a influência do Paquistão no Afeganistão, onde o Paquistão pode, outra vez, reengajar os Talibã. Brasília quer expandir os negócios com Teerã; e Lula, por sua vez, não abre mão da ideia de que mais sanções só farão abrir caminho para mais guerra, não para evitar guerras.

Os diplomatas, na mais recente reunião dos BRICs, tocaram no xis da questão. Os líderes dos BRICs – o poder atual, novo, multipolar que seriamente se tem dedicado em manter sob xeque as ambições de hegemonia dos EUA – avaliaram atenta e cuidadosamente todos os sinais complexos, desde a carta “secreta” do supremo do Pentágono Robert Gates a Obama, em janeiro passado, na qual revisa as opções militares “que continuam à mesa” contra o Irã, até o discurso do almirante Mike Mullen, da Junta de Comando do Estado-maior, na Columbia University, que disse que o ataque sempre seria sua “última escolha”. Avaliaram o nível de ansiedade de Washington. E concluíram que os EUA não atacarão o Irã.

Talvez estejam errados. Por trás de espessa cortina de espelhos e fumaça na mídia corporativa, há furiosa luta de gatos em curso em Washington, entre os ativistas do “espectro de plena dominação” – desde is militares ao pessoal do Instituto “American Enterprise”. Mas só discutem uma coisa: quando atacarão o Irã, ou mais cedo, ou mais tarde.

Entre os falcões está decidido que Washington jamais permitirá ao Irã “adquirir capacidade nuclear”. É o mesmo que falar de guerra preventiva. O “crime” do Irã, até aqui, teria sido já ter um programa de energia nuclear aprovado pelo Tratado de Não-proliferação e inspecionado como se ante o juiz do Juízo Final.

Nesse cenário de ansiedade altíssima, não importa que o Líder Supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei tenha recentemente pregado o total desarmamento global e repetido sua fatwa, contra, até, o uso de armas de destruição em massa. São haram (proibidas) nos termos da lei islâmica.

O Pentágono, via Gates, insiste na ofensiva – ameaçando o Irã com uma explícita “todas as alternativas continuam à mesa”, quer dizer, bomba atômica incluída; e Obama, em obra prima de duplifalar orwelliano, acrescentou que os EUA “manteremos nosso [poder nuclear] de contenção”, como “incentivo” para Irã e Coreia do Norte. Incentivo ao suicídio seppuku, quem sabe?

Assim sendo, o que acontecerá?

Mês que vem, em New York, haverá nova revisão do Tratado de Não-proliferação. O governo Obama já começou a pressionar o Brasil para que aceite um protocolo adicional. O Brasil recusou.

Na essência, o Tratado de Não-proliferação é extremamente assimétrico. Nações que pertençam ao clube da bomba atômica recebem tratamento VIP, em relação aos demais. O protocolo adicional aumenta ainda mais essa discriminação – e dificulta até a pesquisa para finalidades pacíficas, nas nações não-nucleares.

O Brasil que – diferença crucial nesse contexto – ostenta tradição pacifista – defende o direito de qualquer país soberano adquirir “capacidade de tecnologia nuclear”. Foi onde o Irã subiu ao barco, conforme todas as evidências disponíveis. Assim sendo, o Brasil está em evidente rota de colisão com Washington, no que tenha a ver com o Tratado revisto de Não-proliferação. Para Brasília, seria submeter-se à interferência estrangeira.

Quanto às sanções, Washington precisa cair na real. Acreditar que os BRICs ou países da Ásia ou Europa deixarão de comprar gás e petróleo do Irã; que não venderão gasolina ao Irã, e que os bancos iranianos não encontrarão meios de continuar a operar na economia global (eles têm parceiros, por exemplo, nos Emirados Árabes Unidos e na Venezuela) é viver no País das Maravilhas.

As majors chinesas do petróleo já vendem gasolina diretamente ao Irã. Em 2012, o Irã terá dobrado a produção de gasolina, depois de expandir 10 refinarias, e está investindo cerca de 40 bilhões na construção de sete novas refinarias. O Irá continuará no negócio dos produtos do petróleo – principalmente com as “stans” da Ásia Central. O que mostra, por exemplo, que pode importar gasolina contornando o sistema bancário internacional.

E, sobretudo, há o mercado negro. Jordânia e Turquia contrabandeiam rios de petróleo para fora do Iraque ‘sancionado’ durante os anos 90s. Com novas sanções sobre o Irã, será a vez de uma nova geração de iraquianos ganharem a sorte grande. Quanto à ditadura militar do mulariato em Teerã, os mulás adorarão consumir seus lucros de energia para reforçar seu escudo protetor.

Os líderes dos BRICs – Lula entre eles – podem, sim, ter visto a estrada por trás da cortina de espelhos e fumaça. Bomba? Mas que bomba? Todos sabem que o Irã não pode fabricar uma bomba, por exemplo, em Natanz, não, com certeza, enquanto as instalações forem inspecionadas até o esqueleto descarnado pela IAEA. Suponha-se que o Irã supere a Coreia do Norte, engane todos os inspetores, dê um chapéu no Tratado de Não-proliferação e decida fabricar uma bomba em local secreto. Precisariam de quantidades enormes de água e energia – e os satélites lá estão, para ver qualquer movimentação desse tipo.

Os líderes dos BRICs já concluíram, isso sim, que Washington nada pode fazer quanto a o Irã adquirir “capacidade nuclear”, além de invadir o país, em edição conjunta remix das operações Tempestade no Deserto + Choque e Pavor, e provocar um banho de sangue para troca de regime.

Nem rodadas e mais rodadas de sanções conseguirão excluir essas opções. Bombas “de precisão” israelenses, dos EUA ou híbridas, poderão, no máximo, atrasar um pouco o processo iraniano – e, isso, sem considerar as muitas possibilidades de retaliação. Tudo isso considerado, só há uma solução viável.

Washington tem de sentar-se à mesa com Teerã com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atômicas “secretas” de Israel.

Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio.

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Comentários

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Glecio_Tavares

Sanções são o caminho para pressionar. Pressões são o caminho para guerra.
O Tio Sam não quer ser razoável. Ele quer guerra e precisa de voce.
Chega Tio Sam vai botar um cuecão e assistir um pouco de NFL,NBA ou mesmo Ultimate Fighting, comendo pipoca. vai.

Paulo

Torco para que o Ira nao apenas queira como consiga sua bomba nuclear. Os USA sao parias mundiais que soh respeitam a forca daqueles que os enfrentam. Dos indios aos vietnamitas, soh enfrentam os fracos militarmente ou aqueles que ja estejam fraquejando ( Alemanha ).

Genocido eh com eles. Das tribos indigenas americanas aos civis de Hiroshima, Nagasaki e Toquio ( bombas incendiarias ) passando pelos esquadroes da morte salvadorenhos sao responsaveis pela mortes de milhoes de inocentes. Nuremberg eh exemplo? Que se julge e enforque Kissinger, Clinton, Bush, Cheney e Obama.

Julio Silveira

Nosso governo não é bobo, e está sendo corretamente pragmatico. O Brasil já percebeu que a intenção americana passa longe dessa questão nuclear, assim como passou longe da questão das armas de destruição em massa no Iraque.
Na vigencia do governo Saddam Husseim, enquanto os estados unidos tiveram seus interesses atendidos a armas quimicas foram usadas contra os Curdos e tudo bem, quando Saddam se tornou a antitese dos Bush, inventaram justificativas, trouxeram ações do passado iraquiano, inclusive esse crime, para justificar a iniciativa criminosa americana contra os Iraquianos. Nesse período o Brasil era grande parceiro comercial do Iraque. Que sempre foi excelente parceiro comercial de nossas construtoras, nossas montadoras, nossas agroindustrias, sem medo de errar digo, foi o Iraque que nos inseriu no mercado daquela região. A guerra Eua-Iraque só foi boa para os EUA, que passaram a ter a prerrogativa de dizerem quais os parceiros que os Iraquianos podem escolher, sendo sempre eles prioritariamente. Podemos até perder, mas não podemos deixar que acreditem que nos enganam, que somos bobos.

gilberto silva

Nossa posição tem que ser a mais coerente sempre , e ser coerente neste momento é ser pró irã.

valmont

O Brasil não tem outra opção senão assumir uma postura ativa na questão do Irã, pois, se hoje aquele país é a bola da vez, amanhã certamente seremos nós. O fato é que toda nação que não se submete ao jugo maligno do império norteamericano é tratada por eles como "eixo do mal".
Os demotucanos e seu PiG associado fazem campanha cerrada pelo retrocesso. Para eles, o Brasil tem que voltar a ser a coloniazinha de sempre: submissa, corrupta e entreguista, pelo bem dos seus lucros sujos.

Mmm

Uau! Pepe Escobar está trabalhando em um jornal de Hong-Kong? Ele foi líder da banda mais interessante dos anos 80, juntamente com o colega Cadão Volpato, hoje na Época.

    Klaus

    Só corrigi uma informação, não sei pq retiraram.

gustavo l.d.

Acho que o país mais bélico da história é que deveria parar de se meter em questões de segurança. O maior risco de segurança global são os EUA.

Sob o pretexto de que "está decidido que Washington jamais permitirá ao Irã “adquirir capacidade nuclear”", eles vão entrar lá e assassinar milhares de inocentes em nome dessa causa.

Quando só o que se tem é um martelo, tudo se parece com um prego.

A hora que a água for o recurso natural mais escasso e disputado, eles vão achar de trazer a guerra deles para cá em nome de qualquer pretexto do qual eles mesmo são culpados.

Eugenia

Israel é o USA. São parceiros nessa farça. Os outros teem que se desarmarem, mas eles não. É muito bom assim!!!! Olha o apocalipce de novo. Por isso eu acredito que a "bíblia" é um livro de história, escrito por uma dinastia, e não a origem do mundo. É uma balela. USA são uns coisas ruins.

Engajarte

Lembramos que a situação do programa nuclear do Irã é bastante similar á do Brasil, nós também assinamos o TNP e também enriquecemos urânio, e temos um programa de submarino nuclear, ou seja, quando se defende o princípio de que o Irã não pode fazer o que faz, fortalece-se o consenso de que o Brasil também está fazendo algo irregular passível de sanções, ou seja, defende-se uma posição frontalmente contrária aos interesses nacionais.

Engajarte

Mais uma, o Irã assinou e cumpre o Tratado de Não proliferação nuclear, e as próprias agências de inteligência americanas(e são 16) firmaram um documento onde apontam que o Irã não tem programa de desenvolvimento bélico nuclear, claro que o posicionamento político do governo dos EUA é diferente, claro, por motivos políticos, não com base de fatos reais, pois estes já foram descartados pelas citadas agências.
Some-se a isto que o perigo nuclear vem dos países que TEM armas nucleares(EUA, Israel, China etc), e não dos que não tem (Brasil e Irã por exemplo), por óbvio, mas o campo conservador insiste o contrário, por razões políticas ou pura miopia ou desinformação(o que não acredito).

@jgnunes

A mídia brasileira omite as informações sobre o Irã e os reais motivos do EUA.

francisco.latorre

brasil protagonista.

e a amerika.. aquilo não tem jeito não.

..

Waldyr Kopezky

Caro Azenha, o texto do Pepe Escobar não cita uma única vez o país-chve desta política agressiva: Israel. É por Israel que os EUA fazem pressão junto ao Conselho de Segurança e à comunidade intenacional. Você chegou a ver esta notícia, que
deu no Ásia Times, sobre a Nuclear Posture Review (NPR, ou Revisão da Postura Nuclear dos EUA):
“…A NPR faz aumentar o número de casos em que as armas nucleares passam a poder ser usadas. De fato, incluiu-se agora a possibilidade de resposta nuclear a uma ação militar iraniana (no caso de o Irã ser atacado por Israel)…”
Portanto, abriu-se neste documento um único caso descrito como “eventualidade” para emprego de armas nucleares contra países não-nucleares: uma resposta americana a um contra-ataque iraniano de retaliação a um primeiro ataque israelense (não provocado)! É estarrecedor! Quer dizer: aquele papo das reduções do arsenal nuclear (que o Lula mesmo já havia dito que eram papo furado, pois ogivas nucleares tem data de validade e precisam ser desativadas) era só para encobrir este parágrafo, que dá uma brecha para um conflito nuclear preemptivo por parte dos EUA. Não é conspiração ou delírio, não! Está no link: http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/Obama-ga

    Erivaldo de Souza

    Cuta sim, Waldyr Kopezky :

    "Washington tem de sentar-se à mesa com Teerã com o tal “punho aberto” realmente aberto e examinar todas as opções diplomáticas, à busca de um pacote abrangente de segurança para o Oriente Médio – pacote o qual, é claro, terá de incluir a total desnuclearização; quer dizer, fim, também, para as bombas atômicas “secretas” de Israel.

    Difícil, só, saber se o governo Obama – acossado pelos falcões da guerra por todos os lados – sobreviverá a esse desafio"

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