Ladislau Dowbor: “Desenvolvimento não virá de presente, será consequência da mobilização no território”

Tempo de leitura: 7 min
O professor Ladisleu Dowbor e a imagem de divulgação do filme ''David contra os bancos''.

Dowbor: “Desenvolvimento não virá de presente, será consequência da mobilização no território”

Em série de entrevistas sobre eleições e cidades, o Fórum 21 conversa com o economista Ladislau Dowbor que analisa os desafios e as pautas deste ano eleitoral, indicando livros, filmes e documentários para a mobilização do campo progressista e de esquerda.

Por Tatiana Carlotti,  no Fórum 21

A agenda das cidades ganhará espaço no debate nacional quando começar a disputa eleitoral nos mais de 5.570 municípios brasileiros.

Em meio à guerra da comunicação, o campo progressista se depara com o imenso desafio de emplacar as suas pautas, tornando clara e atrativa a sua argumentação lógica.

O combate nas redes e nas ruas enfrentará os slogans vazios da austeridade do mercado, bombardeados pela imprensa corporativa, e as mentiras e polêmicas da extrema-direita, que dominam as mídias sociais e os redutos de comercialização da fé.

À sua disposição, porém, há um rico acervo audiovisual subutilizado sobre o cotidiano, os problemas e as soluções das nossas cidades.

Para pensar as pautas dessa agenda eleitoral e os filmes e documentários que podemos nos apoiar, o Fórum 21 traz uma série de entrevistas com intelectuais que pesquisam e atuam no território.

Nosso primeiro entrevistado é o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-São Paulo, que durante décadas atuou em diversos países, como consultor das Nações Unidas, auxiliando no planejamento e montagem de governos locais em países da África, Ásia, Europa e América.

Com essa experiência, e um vasto repertório de documentários e filmes, Dowbor analisa a conjuntura eleitoral no Brasil e aponta as transformações em curso na gestão local. Acompanhe a entrevista.

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Ladislau, como você avalia as eleições municipais deste ano? Quais os desafios e as inovações em relação às eleições anteriores?

Ladislau Dowbor – A principal diferença é a expansão radical da inclusão digital e, portanto, da conectividade. Será preciso confrontar o uso pela direita, de maneira massiva, das mídias sociais; e o seu enraizamento através da capilaridade presencial nas igrejas. Esse é o desafio porque nessas formas de luta, ainda estamos fracos. Temos de investir pesadamente nesse processo durante as eleições.

É fundamental levar para as pessoas o uso inteligente das novas tecnologias no sentido de promover a participação popular. Vivemos uma grande mudança em termos de descentralização do poder e uma forte reapropriação do processo de desenvolvimento a partir do nível local.

Quando olhamos os países da Europa, a China, o Canadá, a Coreia do Sul, eles possuem sistemas extremamente descentralizados.

Se considerarmos que no Brasil, 90% da população é urbana e está organizada em cidades, que precisam responder a problemas concretos, a apropriação do desenvolvimento pela própria população se torna fundamental.

As novas tecnologias detêm um papel central neste processo. É preciso usá-las no nível local para resolver problemas do cotidiano, o que certamente passa pela inclusão digital de toda a população brasileira.

Em termos de custo-benefício, quando você conecta o município de forma adequada, ele começa a interagir de maneira construtiva e radicalmente nova, com impacto na transformação do país como um todo.

Inúmeras experiências e dinâmicas se multiplicam no Brasil neste sentido. O município de Araraquara, por exemplo, organizou um sistema em que o usuário deixa de usar o Uber, uma empresa internacional que cobra 30% do motorista a cada viagem, para usar uma plataforma colaborativa dos próprios taxistas que passaram a receber 95% por viagem.

Vista panorâmica do bairro da Casa Verde, São Paulo, Brasil. Foto: Leonardo Ré-Jorge/Wikipedia

A Casa Verde, um bairro de São Paulo, criou um sistema online de comunicação colaborativa que conecta os serviços prestados na região, desde demandas e serviços individuais (de quem faz bolo para vender, ensina inglês etc.) a empresas (bares, restaurantes, supermercados). Estão todos conectados em um aplicativo que estimula os processos de interação entre os moradores locais, dinamizando a capacidade produtiva ao gerar sinergia e complementaridade.

Estou acompanhando o começo da organização de um sistema colaborativo na Zona Leste de São Paulo que tem uma população com mais de 4 milhões de habitantes. Eu participei de uma reunião com eles e fiquei impressionado. Como organizamos as complementaridades dos diversos setores dessa imensa região que tem um riquíssimo potencial de criatividade?

Isso demanda uma mudança de cultura também dos governos.

Dowbor – Certamente e as novas formas de gestão precisam estimular essa cultura. As ondas eletromagnéticas dessas plataformas são gratuitas, são da natureza; e cada prefeitura pode organizar plataformas colaborativas locais.

Isso vale para todas as cidades grandes ou pequenas do Brasil. Toda cidade pode ter, por exemplo, um cinturão verde, hortifrutigranjeiro. Por que o município de Imperatriz do Maranhão usa os produtos alimentares dos caminhões que chegam de São Paulo, quando tem um monte de terra parada em volta da cidade e tanta mão de obra subutilizada?

O conceito de desenvolvimento local mudou. Hoje, falamos muito mais em protagonismo dos atores sociais locais (ONGs, sindicatos, universidades, empresas de cabeça aberta) e de uma gestão capaz de articular as capacidades locais.

Há uma transformação no conceito de gestão que passa pela reapropriação do desenvolvimento pela base. A gestão municipal deve ser uma articuladora dessa imensa capacidade subutilizada de criatividade e de iniciativas.

A mudança de cultura não é só dos eleitores, mas dos gestores que precisam compreender as dinâmicas locais. A participação comunitária permite que o município se olhe a longo prazo, ao assumir compromissos que ultrapassam os quatro anos deste ou daquele político.

A comunidade olha vinte, trinta anos adiante, enxerga seus filhos e netos no território. No Brasil, nós temos uma gigantesca capacidade subutilizada. Esperar que os governos resolvam tudo, simplesmente, não funciona.

Nos países de cultivo do arroz, como a China e o Vietnã, há uma forte cultura de base colaborativa. As pessoas não se perguntam apenas “o que que eu posso ganhar com isso?”, mas pensam e se articulam em torno de soluções colaborativas para a melhoria do entorno. E é lógico porque não se trata “da minha casa”, mas de ter uma casa valorizada com uma escola perto, um bairro mais arborizado, um sistema de água decente.

Essa articulação entre o individual e o comunitário não é nenhum comunismo. É bom senso e inteligência de organização. E isso traz uma outra dimensão que é profundamente ética.

Na sua avaliação, quais pautas vão pesar mais na decisão do eleitorado nas grandes e médias cidades?

Dowbor – Em termos de conteúdo, o tema geral da redução das desigualdades tem que permear o conjunto das outras pautas. É preciso que os candidatos do nosso campo ofereçam uma explicação clara de que a redução da desigualdade gera desenvolvimento.

As pessoas precisam entender que um governo que reduz a desigualdade põe mais dinheiro na base da sociedade e isso gera demanda. A demanda gera emprego e isso faz funcionar o conjunto do ciclo econômico.

Hoje, a descentralização através da participação popular é central. Os nossos candidatos precisam entender que o desenvolvimento é das pessoas e que sua função é ajudar a organização e a mobilização para que as comunidades possam resolver os seus próprios problemas. O desenvolvimento não será um presente, mas consequência da mobilização no território.

Comunidade de Paraísópolis, a segunda maior de São Paulo. Foto: Vilar Rodrigo/ Wikipedia

A inclusão das periferias nessa agenda é absolutamente fundamental. É preciso insistir no combate à desigualdade, na participação, na inclusão digital, propondo sistemas participativos que funcionem. E, também, na dimensão ética e moral do combate às desigualdades, na redução do sofrimento dos mais pobres para o crescimento de todos.

Os demais temas são locais e com ênfases diferenciadas, como a segurança pública no Rio de Janeiro, mas todos são atravessados pela redução das desigualdades que diminui os conflitos, inclusive os ligados ao problema da segurança pública.

O caminho é consenso mundial: nós precisamos de um sistema que seja economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável. Esse é o único modo de se enfrentar as desgraças e essa é a mensagem que precisamos deixar muito clara, em termos de pauta, para os eleitores neste ano.

Na sua avaliação, qual o melhor caminho para utilizar filmes e documentários – e outros meios audiovisuais – para apoiar candidaturas democrático-progressistas nas eleições municipais deste ano?

Dowbor – Existe um poderoso acervo de filmes que precisamos usar de maneira muito mais generalizada e conforme as prioridades das diversas regiões do país. Uma das possibilidades abertas pelas novas tecnologias é fazer com que a juventude de cada município produza seus próprios filmes, com suas próprias prioridades, ajudando-os na divulgação.

No Brasil, existe uma grande insuficiência de conhecimento sobre as experiências locais e as pessoas precisam se apropriar desses processos.

No meu site dowbor.orgse você colocar “desenvolvimento local” na busca, irá encontrar um conjunto de estudos, filmes e documentários.

Entre os livros, quero destacar a versão atualizada em 2023 de uma pesquisa de 2007, Política Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Local, que traz uma gama de experiências bem sucedidas no território.

Também ajuda muito o livro O que é o Poder Local?, com orientações básicas e análises de experiências.

Nosso Núcleo Casa Verde – Desenvolvimento local sustentável fomentado pela vontade do território e pela tecnologia é um estudo de Fernando Camilher dessa experiência da Casa Verde que mencionei acima.

E há muitos outros textos que mostram que o desenvolvimento se dá no nível de cada cidade, de cada bairro; e que numerosas cidades conseguiram organizar suas redes com efetiva mudança.

Em “bons filmes” no site, há várias experiências nacionais e internacionais neste sentido.

O filme Bank of Dave (David contra os bancos), de Chris Foggin, mostra a batalha de um cidadão, numa cidade do interior da Inglaterra, para montar um banco comunitário que realmente serve à comunidade. É a guerra da comunidade para se reapropriar dos seus próprios recursos.

Megatendências é um documentário sobre os desafios mais importantes da sustentabilidade, tanto no plano ambiental como no plano social, de São Paulo e outras cidades brasileiras.

China: A Era de Xi é uma série de três documentários, apresentados pela TVT, sobre como a China tirou, em duas décadas, 800 milhões de pessoas da pobreza.

O documentário nos permite entender a questão da descentralização do poder. Lá, cada cidadezinha, fora a sua administração municipal, tem um núcleo técnico encarregado de assegurar a inclusão produtiva de todo o mundo, para que as pessoas não fiquem perdidas.

Não é só transferência de recursos, mas a compreensão de que pessoas paradas e desempregadas significa perda da capacidade produtiva. É inclusão produtiva organizada em cada município.

Outro filme belíssimo, uma experiência educacional brasileira ocorrida em plena ditadura militar, é o Vocacional: uma aventura humana, do Toni Venturi.

Um documentário que mostra a possibilidade de reorganizarmos o sistema educacional em função das necessidades locais, com muito mais liberdade de pesquisa e de expressão por parte dos alunos.

Indico também Blue Gold: World Water Wars (Outro Azul: As guerras mundiais pela água), de Sam Bozzo, sobre o chamado “ouro azul”, a água doce e limpa que vem se tornando um recurso escasso no mundo, e dos mesmos produtores A Corporação.

E não deixem de acompanhar os filmes da Mostra Ecofalante de Cinema, que traz um acervo de filmes e documentários nas áreas de sustentabilidade, educação e cultura do mundo inteiro.

Neste ano, a Ecofalante acontece entre os dias 1 e 14 de agosto, com uma programação gratuita e de primeira linha.

No meu site dowbor.org há várias outras indicações.

*Tatiana Carlotti é repórter do Fórum 21, com passagem por Carta Maior (2014-2021) e Blog Zé Dirceu (2006-2013). Tem doutorado em Semiótica (USP) e mestrado em Crítica Literária (PUC-SP).

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Comentários

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Zé Maria

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Sem os Movimentos Sociais não há
como fazer Mobilização Popular que
atenda aos Interesses Nacionais.
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Em encontro com movimentos sociais,
Presidente Lula é cobrado por mais diálogo

Ministros e Janja também participaram
do evento na cidade de São Paulo

CartaCapital

O presidente Lula (PT) se reuniu nesta sexta-feira 19,
no bairro de Campos Elíseos, na capital paulista,
com cerca de 70 representantes de movimentos
sociais brasileiros.

O presidente foi cobrado pelas organizações pelo
fortalecimento do diálogo e por mais encontros
com lideranças do governo.

O encontro ocorreu no Armazém do Campo,
local em que são comercializados especialmente
produtos orgânicos produzidos por movimentos
populares como o Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra (MST).

Pelo governo, além do presidente Lula, participaram
o ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência
da República, Márcio Macêdo; o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad; e o ministro do Desenvolvimento
Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira.
A primeira-dama Janja também estava presente.

Dos movimentos sociais participaram aqueles pertencentes
a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, como o MST,
o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), a Central
de Movimentos Populares (CMP), sindicatos de trabalhadores
e entidades estudantis.

Segundo João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST,
essa foi a primeira reunião desse conjunto de movimentos
populares com o presidente Lula, depois da última eleição
presidencial.

De acordo com o dirigente, as entidades pediram ao presidente
mais encontros como esse, em que foi discutida “a conjuntura política,
os principais desafios na agenda da classe trabalhadora, e as expectativas
do governo para o futuro”.

“Os movimentos populares sugeriram duas questões para o presidente.
Primeiro, que nós possamos fazer agendas como essa, temática, com
os ministros.
Ora para o tema da comunicação, ora para o tema da economia,
ora para o tema que envolve a participação popular.
E o segundo componente foi uma sugestão, ainda nesse semestre
que adentra, de fazermos pelo menos duas reuniões como essa
com o presidente”.

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Zé Maria

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“Uma eleição não é apenas um momento para pedir voto.
É um momento também de você tentar fazer com que haja
uma evolução política na cabeça das pessoas.
Não é apenas defender um nome, uma pessoa.
É defender uma causa, um projeto.
E eu sou a prova viva disso.
Fui o único presidente operário desse país,
três vezes eleito pelo povo brasileiro,
porque eu tinha uma causa:
mudar a vida das pessoas.
E é esse país que estamos construindo.”

“Se a gente tiver um conjunto de prefeitos e de prefeitas
da qualidade do @GuilhermeBoulos, com o compromisso
que ele tem, pode ter certeza que vamos recuperar esse país.
Com ele podemos fazer de São Paulo não apenas a cidade
mais rica do Brasil, mas também a mais humanista, solidária
e fraterna.”

Presidente LULA
Chefe de Estado e
Governo do Brasil
https://x.com/LulaOficial/status/1814793076654940560
https://x.com/LulaOficial/status/1814793447674683626

Zé Maria

https://bsky.app/profile/katia402011.bsky.social/post/3kxqywvrheq2q

Convenções Partidárias confirmam
Candidatura de GUILHERME BOULOS
à Prefeitura de São Paulo-Capital.

Boulos concorrerá na Eleição Municipal
Majoritária Paulistana – formando Chapa
com Marta Suplicy (PT/SP)- encabeçando
a Coligação das Federações PSOL/Rede
e PT/PV/PCdoB, além de PDT, PMB e PCB.

https://x.com/GuilhermeBoulos/status/1815161845407469598

.

Zé Maria

https://youtu.be/iWSTPztzZis

Zé Maria

https://play.ebc.com.br/tvs

Zé Maria

.

“Nos ‘Ensaios de Psicologia Contemporânea’,
Paul Bourget retratou a sociedade que, ao final
do século 19, se consolidou urbana-industrial
na Europa.

Ao analisar a anatomia social da época do ‘homo industrial’,
Bourget identificou, concomitante com a degeneração do
passado, a emergência da discrepância entre os desejos
humanos coletivos e a realidade existente.

Com a afirmação do mundo real como locus de transformação,
a perspectiva transcendental da dominância religiosa da
desvalorização da vida presente em proveito do além-mundo
era acompanhada da manifestação do niilismo diante do
confronto com o ‘mundo verdadeiro’.

Algo que na atualidade ganha destaque na reflexão de Byung-Chul Han
proposta na obra ‘No Enxame: Perspectivas do Digital’.

Destaca o quanto a transformação digital tem sido acompanhada
por indivíduos que se fundem em uma nova unidade, sem nenhum
perfil próprio, sem conteúdo de classe social.

Na percepção de uma anatomia social do ‘homo digital’, apega-se
ao termo japonês (‘Hikikomori’) para definir a formação de
aglomerados sociais de usuários digitais de redes sociais que
não se reúnem, pois se mantêm isolados para si, singularizados
diante de uma tela.

A base social pela qual o sujeito econômico neoliberal opera
sem questionar e contrapor a ordem capitalista egotizada
em sociedade atomizada.

A desintegração do comum e do comunitário do passado
do ‘homo industrial’ reforça o fenômeno do pessimismo,
niilismo e neurose como sintomas em curso por parte
do homo digital.”

Economista MÁRCIO POCHMANN
Professor, Pesquisador (Unicamp)
Escritor. Autor de “A Década dos Mitos”,
“O Emprego na Globalização (2001),
“O Emprego no Desenvolvimento da Nação (2008),
“Nova Classe Média? O Trabalho na Base
da Pirâmide Social Brasileira” (2012),
“O Mito da Grande Classe Média (2014) e
“Margem Esquerda 29” (2017), dentre outros.
Ex-Presidente do IPEA e da Fundação Perseu Abramo
Atualmente é Presidente do IBGE.
https://x.com/MarcioPochmann/status/1814970782939783351

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