Jeferson Miola: A encruzilhada do governo — o programa eleito ou a armadilha do arcabouço

Tempo de leitura: 4 min
Foto: @Marcelo Camargo/Agência Brasil

A encruzilhada do governo: entre o programa eleito ou a armadilha do arcabouço

Por Jeferson Miola, em seu blog

Na campanha de 2022 Lula prometeu acabar com o teto dos gastos.

Em evento no Rio uma semana antes da votação do primeiro turno [25/9/2022], Lula repetiu a pregação feita durante toda a campanha: “Acabou o teto de gastos quando eu for presidente da República. Não é porque eu quero gastar de forma irresponsável. O Brasil está precisando de um presidente arrojado que tome atitude de voltar a investir em infraestrutura rapidamente”.

Nos discursos no dia da posse no Parlatório do Planalto e no Congresso [1/1/2023], Lula disse que o SUS, a educação, os investimentos em áreas sociais, na infra-estrutura e no crescimento foram prejudicados “por uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar”.

E complementou: “O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade. E disso não vamos abrir mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país”.

Desde sua criação, o Teto foi desmoralizado.

Inviável por seu caráter austericida e recessivo, não foi cumprido nem mesmo no período do usurpador Temer, que o criou.

E foi estourado em mais de R$ 300 bilhões com gastos eleitoreiros do Bolsonaro no último ano do governo fascista-militar.

A manutenção do Teto ficou, portanto, politicamente insustentável. E, com a vitória épica do Lula na eleição, a proposta de sua extinção ganhou legitimidade, sobretudo diante das urgências de reconstrução do país.

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Apesar disso, no entanto, na transição de governo o já indicado ministro Haddad assumiu o compromisso de criar uma âncora fiscal no lugar do desmoralizado teto de gastos.

Naquele contexto, um compromisso desnecessário e que, claramente, seria contraproducente para o próprio governo que iniciaria em 1º de janeiro de 2023, que teria de se sujeitar a uma regra recessiva e de austeridade fiscal auto-imposta, e que dificultaria a execução do programa eleito – como, aliás, se alertava à época, e como se confirma hoje.

O roteiro é conhecido. Na PEC da Transição o governo eleito se comprometeu a encaminhar ao Congresso até 31 de agosto de 2023 um projeto de lei complementar instituindo um novo regime fiscal no lugar da regra do Teto, que acabou revogada da Constituição.

Com quatro meses de antecedência, em 18 de abril de 2023 o governo protocolou o projeto de lei daquele que viria a ser [a armadilha] do Novo Arcabouço Fiscal, o NAF.

Em outubro de 2023, já com a Lei do NAF aprovada [nº 200/2023], Haddad anunciou a meta do déficit zero – outra medida palatável à Faria Lima, porém bastante problemática e prejudicial para o governo.

Economistas antineoliberais criticaram essas escolhas e alertaram para os riscos de especulação e terrorismo financeiro quando o governo fosse obrigado a anunciar a necessidade de ajustes orçamentários devido à inviabilidade do NAF e do déficit zero.

Como uma profecia auto-realizada, a partir do final deste mês de junho o Brasil foi alvejado por ataques especulativos contra o real.

Matéria do Estadão [6/7] dá a pista para este esperável fenômeno: “Para analistas, revisão de metas fiscais agravou a percepção de risco do País”.

O anúncio de cortes de R$ 25,9 bilhões e a declaração do Haddad de que Lula determinou que “o arcabouço seja preservado a todo custo” arrefeceram momentaneamente a especulação, porém colocaram o governo numa encruzilhada: ou avança com o programa eleito, ou capitula à  armadilha do arcabouço fiscal.

Ainda que não seja a intenção original, o NAF acaba reforçando a captura do Estado pelo rentismo, uma vez que comprime as despesas sociais para honrar o pagamento da segunda maior taxa de juros do mundo – só atrás da Rússia, um país em guerra, sujeito a sanções arbitrárias e vítima do roubo de 300 bilhões de dólares das suas reservas pelos EUA e OTAN.

Se o NAF estivesse vigente nos três primeiros governos petistas [2003 a 2014], Lula e Dilma não teriam podido realizar sequer metade do que realizaram e o combate à fome, à miséria e às desigualdades não teria sido exitoso.

Isso porque a média de crescimento das despesas naquele período foi de 6,47% ao ano, o que significa um desempenho quase três vezes maior que o permitido atualmente pelo NAF, de no máximo 2,5%, mesmo que o PIB e a economia nacional venham a crescer muito acima deste limite.

As oligarquias dominantes não abdicam de um centavo sequer dos mais de R$ 1,4 trilhão que roubam do orçamento da União através da taxa estratosférica de juros e das desonerações, favores e privilégios tributários.

Mas, ao mesmo tempo, pressionam o governo a acabar com a política de aumento real do salário mínimo e dos benefícios previdenciários, assim como com os pisos constitucionais do SUS e da educação.

Há quem veja esta realidade como inevitável, e diga que o governo é obrigado a ceder diante da correlação de forças desfavorável, com um Congresso hostil e dominado por uma maioria direitista e extremista.

Trata-se de uma verdade parcial, porque a austeridade que prejudica os pobres causa perda de apoio popular de um governo que já sofre pesadamente com a sabotagem da oposição bolsonarista liderada por Arthur Lira e Roberto Campos Neto com apoio da mídia hegemônica.

Para um governo cercado pelas finanças, militares, oposição, mídia, grande capital, perder sustentação e apoio popular poderá representar um risco fatal.

Se continuar a trilha do arcabouço fiscal, o governo Lula poderá amargar uma derrota histórica que atingirá não só a esquerda, mas a própria democracia liberal-burguesa.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Zé Maria

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Conselho de Ética do Senado Federal admite
7 pedidos de Abertura de Procedimento Disciplinar
contra 5 Parlamentares da Casa Alta

Os processos atingem Flávio Bolsonaro (PL-RJ),
Jorge Kajuru (PSB-GO),
Marcos do Val (Podemos-ES),
Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e
Styvenson Valentim (Podemos-RN).

A decisão foi anunciada pelo presidente do colegiado,
Jayme Campos (União-MT), após uma consulta à
Advocacia da Casa Alta.

As 7 Petições foram Convertidas em 2 Representações
e 5 Denúncias.

Uma das petições deferidas pelo presidente e transformada
em representação é a da Rede Sustentabilidade, do PT e PSOL
contra Flávio Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar.
Segundo os partidos, o parlamentar de extrema-direita teria
“ligação forte e longeva com as milícias no Rio de Janeiro”, o que,
segundo a peça, é “incompatível com o exercício do mandato
parlamentar”.

A denúncia contra Kajuru mira publicações nas redes sociais
com insinuações sobre uso indevido de recursos de emendas
parlamentares.

Já Randolfe Rodrigues responderá a uma denúncia movida por
Flávio Bolsonaro sob a acusação de abordar, em 2 de fevereiro
de 2023, ‘de forma autoritária e agressiva’ o youtuber Wilker Leão,
no prédio principal do Senado.
Randolfe responderá ainda a uma denúncia da Ordem dos Advogados Conservadores [SIC] do Brasil por supostamente quebrar o decoro
ao publicar nas redes ‘ataques criminosos’ a Bolsonaro.

Outra petição admitida como denúncia é de autoria da deputada
Natália Bonavides (PT-RN) contra o senador Styvenson Valentim
(Podemos-RN).
Ela o acusa de comentar nas redes sociais um caso de violência
contra a mulher e, segundo ela, “dizer ou sugerir que uma mulher
merece ser agredida”.

Duas petições contra o senador Marcos do Val também tramitarão.
Elas estão ligadas às consequências dos ataques golpistas de
8 de Janeiro de 2023 e apontam depoimentos contraditórios
do bolsonarista sobre um suposto plano golpista que teria sido
discutido com o então ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

(Fonte: CartaCapital; com informações da Agência Senado)

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Zé Maria

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De acordo com o Relatório do Inquérito Policial em trâmite
no Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF)
informa que Bolsonaro montou uma organização criminosa
para desviar R$ 6,8 milhões de reais a partir da venda ilegal
de presentes recebidos por ele em visitas oficiais a outros
países enquanto chefe de estado.

A investigação estima o valor total das joias investigadas
em US$ 1.227.725,12.

“Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram
convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio
pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas
e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem,
localização e propriedade dos valores”, diz trecho do relatório da PF,
tornado público.

Um dos itens que está na listagem da PF é uma escultura com ouro e
pedras preciosas de um cavalo árabe, entregue por uma autoridade
saudita ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Outro item são os kits de joias femininas e masculinas, supostamente
da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (*) e do seu marido.

No caso das joias masculinas, trata-se do kit ouro rose da Chopard,
que conta com caneta, relógio e abotoaduras.

Já o kit feminino, também da Chopard, tem anel e colar prateados,
além de um par de brincos (*).

Na lista divulgada pela PF há ainda um kit ouro branco com relógio Rolex,
avaliado em quase US$ 74 mil.

Jair Bolsonaro e outras 11 pessoas acusadas de participar do esquema
foram indiciados pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem
de dinheiro.

Segundo as investigações, os valores obtidos com a venda das joias
eram transformados em dinheiro em espécie e o ex-presidente
os recebia das mãos dos aliados.

A PF fez uma lista com os “bens que foram objeto dos atos de desvio
e tentativa de desvio perpetrados pela associação criminosa com
a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente”.

https://revistaforum.com.br/politica/2024/7/9/bolsonaro-indiciado-jurista-projeta-situao-complicada-para-ex-presidente-apos-relatorio-da-pf-161771.html
.
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(*) A PF poderia ter indiciado a “Micheque”,
no caso, por Receptação (CP, Art. 180 + § 6º):

Código Penal (Decreto Lei nº 2.848)
TÍTULO II
DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

DA RECEPTAÇÃO

Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar
em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto
de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,
receba ou oculte:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
[…]
§ 6º Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União,
Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos
ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput
deste artigo aplica-se em dobro.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm#art180.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9426.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13531.htm

Zé Maria

Familícia

PF: Bolsonaro Desviou Mais de R$ 6,8 Milhões em Presentes

Venda ilícita das joias retornariam ao patrimônio de Bolsonaro através de lavagem de dinheiro

Polícia Federal afirma ter encontrado indícios
de que valores obtidos de vendas de joias e outros objetos
iam para o patrimônio pessoal do ex-presidente
e eram usados para custear despesas suas e de sua família nos EUA.

https://www.dw.com/pt-br/pf-bolsonaro-desviou-mais-de-r-68-milh%C3%B5es-em-presentes-e-joias/a-69599655

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/GR_L9wYbwAA-eFm?format=jpg
https://x.com/MarceloFreixo/status/1810389844742312031

“CAIU O SIGILO!

O STF retirou o sigilo da investigação do contrabando de joias por Bolsonaro
e sua gangue.
O caso apura o desvio de dinheiro com a venda de joias da Presidência.

O Supremo determinou também que a PGR analise o caso em 15 dias.

Dia difícil no clã “mafimilicioso”!

https://x.com/NatBonavides/status/1810383706747457968
Deputada Federal (PT) e Pré-Candidata a Prefeita de Natal/RN

.

Zé Maria

https://t.co/X4cgO08dAC
https://x.com/RevistaForum/status/1810161891421082082

O Indecente, Indiciado e Inelegível
Chora em Conferência Neo-Fascista
sob a Iminência de Prisão Preventiva.

https://revistaforum.com.br/politica/2024/7/7/video-bolsonaro-chora-em-ultimo-cpac-antes-de-provavel-cadeia-161690.html

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