A segunda guerra do Paraguai

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Fiz algumas reportagens no Paraguai. Para a CartaCapital, fui visitar a base aérea de Mariscal Estigarribia, no Chaco, cuja existência foi noticiada como sendo parte de uma expansão militar dos Estados Unidos na região. É estranho, mesmo, encontrar um aeroporto daqueles no meio de um lugar quase deserto. Mas o fato é que não há tropas americanas lá. A base, para todos os efeitos, está desativada. Pousam apenas pequenos aviões, de gente que tem propriedades de terra na região.

O Chaco já foi disputado militarmente entre a Bolívia e o Paraguai. Mariscal foi uma espécie de “Brasília” do ditador Alfredo Stroessner. Uma das formas de garantir a soberania paraguaia naquela região, mais próxima da fronteira com a Bolívia do que de Assunção. O plano era de fazer infraestrutura para um futuro polo de desenvolvimento regional. Tornou-se um imenso elefante branco.

Voltei ao Paraguai para fazer uma reportagem sobre os barões da maconha, na região fronteiriça com o Brasil. O país é um dos grandes produtores mundiais. Foi o que atraiu Fernandinho Beira-Mar à região. O traficante carioca foi o primeiro a calcular que, se controlasse as duas pontas do negócio, teria lucros maiores. Baixaria o custo de produção da maconha e, controlando a ponta das vendas especialmente no Rio de Janeiro, teria o monopólio do negócio. Isso está na origem da matança que se seguiu à disputa pelo controle da produção em Capitán Bado, onde Beira-Mar eliminou a concorrência dos irmãos Morel. Uma disputa comercial resolvida à bala.

O PCC, baseado em São Paulo, e o Comando Vermelho carioca “dividiram” a região. O PCC atua mais na área de Ponta Porã (do lado paraguaio, Pedro Juan Caballero). O CV, na região de Capitán Bado. Porém, esse é um processo bastante dinâmico, dada a “alta rotatividade” dos executivos do tráfico, e às alianças locais, inclusive com autoridades, que se fazem e desfazem. Com o avanço da soja sobre o Paraguai, no entanto, a produção está ameaçada. A soja, produzida especialmente mas não apenas por fazendeiros brasileiros, provoca devastação ambiental, deslocamento de populações locais e… a pressão sobre as terras onde se planta maconha. A produção está migrando aos poucos para o sul, onde há menos policiamento e mais terras desocupadas.

Tendo como base as cadeias paulistas, o PCC é hoje um “partido” internacional, que expande seus negócios em direção ao Paraguai e à Bolívia. Contaminou as instituições, no Brasil e fora dele.

Há quem acredite em um nexo entre o crime organizado e as atividades do Exército Popular Paraguaio, que levou o presidente Fernando Lugo a decretar estado de emergência em regiões fronteiriças com o Brasil. Ah, sim, também há quem diga que o EPP recebe apoio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC.

Aqui eu entro no campo da opinião, pois não disponho de dados factuais sobre essas relações. Vi a expansão da soja no Paraguai. Testemunhei o ressentimento de paraguaios com a invasão brasileira. Se no Brasil a legislação ambiental não é respeitada, imaginem num país institucionalmente frágil como o Paraguai. Isso criou uma grande demanda por mudanças, da qual resultou o governo Lugo. E uma fração dos movimentos sociais, aparentemente, partiu para a luta armada, frustrada com o ritmo das mudanças. Lugo se equilibra sobre uma aliança frágil. Aparentemente, deu ao exército e à polícia liberdade para “pacificar” a região sojeira, onde o ressentimento com as condições materiais de vida é aguçado ainda mais pela presença ostensiva de brasiguaios bem sucedidos.

O que testemunhamos aqui é a expansão de grandes grupos econômicos, voltados para a exploração de recursos naturais e a exportação de água e comida, especialmente para atender ao mercado da China. E a fricção dos interesses deles com os interesses das populações locais, que tentam arrancar uma fatia desse bolo. Jogar o PCC e as FARC nessa mistura é politicamente conveniente para aqueles que acham que a questão social é um caso de polícia.

Clique aqui para ver uma das reportagens da série Barões da Maconha.

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Para ver toda a série, clique aqui.

PS: O produtor Gustavo Costa, com o qual viajei para fazer a série que foi ao ar no Jornal da Record, entrevistou o senador paraguaio Roberto Acevedo no curso de uma investigação sobre as conexões do tráfico de cocaína na rota Bolívia-Paraguai-Brasil. Dias depois, o senador sofreu um atentado. Gustavo viu o esquema de segurança de Acevedo e esteve com os dois funcionários dele que foram assassinados. O material vai ao ar no próximo Domingo Espetacular.

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Comentários

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Péricles

Azenha, com isso tudo, vc não acha que o Paraguai merece mais a atenção de nossa Diplomacia do que o Irã, por exemplo?

Marcelo Gonçalves

É triste ver que Bolívia, Venezuela e Equador entraram no eixo e o Paraguai continua a mostrar fragilidades.

mano mano

Azenha…
Há indícios de que este Exército do Povo Paraguaio seja, na realidade, um exército formado por um grupo da direita que se diz parte da esquerda revolucionária. Andei lendo informações sobre uma possível utilização dos lemas da esquerda a fim de desestabilizar o governo.
È muito estranho que este exército não tenha o apoio dos exércitos revolucionários do mundo, como os zapatistas, o eta, as farcs. Em nenhum momento vimos uma menção deste ao EPP. Nem nos meios de comunicação envolvidos na luta anti-capitalista.
O interessante é que os grupos revolucionários buscam meios para a divulgação da causa, também buscam aliados para ela.
Como o EPP só lançou alguns manifestos e não buscou o apoio das organizações de esquerda do mundo. Porque esse isolamento? O que está por trás deste exército "revolucionário e de esquerda"?
O interessante é que o EPP é mais forte no Chaco, logo onde está localizada a "base militar americana desativada". A base pode estar desativada, mas seria muita ousadia criar uma guerrilha dentro do círculo de acesso americano, não é mesmo?
qualquer possível intervenção americana acabaria com qualquer resquício de guerrilha na região.

Eu gostaria realmente de saber mais informações sobre o EPP, porque se a hipótese apresentada acima for verdade, teriamos uma nova experiência de organização da direita facista. Passar-se por grupos de esquerda com a finalidade de derrubar o governo ou clamar pela intervenção americana.

beattrice

Azenha,
o Rodrigo Viana publicou várias notícias sobre a instabilidade do Lugo no Paraguay, provocada pela direita que estaria planejando ali um replay do filme que já vimos em Honduras, os atores principais seriam o vice do Lugo, um certo Frederico Franco, e um senador do mesmo partido do vice que andou pregando a queda do Lugo na Argentina, enquanto elogiava por lá o Menem, o FHC e o Pinochet.
Esse processo agora não seria a continuidade desses acontecimentos?

negitude bandeirante

Lugo foi imobilizado pelas denúncias que visam desmoralizar.Padre mulherengo, tem efeito mais profundo do que ser corrupto,cleptocrata,por ai. Curiosamente,com os "colorados', a "pax guarani" funcionava que era uma beleza.Sem esquecer que os EUA,tem obessão doentia com a "trílplice fronteira",portanto, nenhuma hipótese pode ser descartada.

beattrice

Alexandra,
excelente gancho para ser esclarecido.
Azenha,
a família compra diretamente ou através do famigerado CARLISLE GOURP, que aliás já comprou a CVC aqui.

Luiz Carlos Azenha

Wanderson, o Paraguai é o "nosso" México. abs

E. Cabral

Esqueçam esse papao de "oligarquias paraguaias", FARC, ect.. Na verdade, quem é do norte do Brasil, vez por outra, ouvimos estórias sobre narcotraficantes com grandes fazendas na fronteira Paraguaia. Se os cartéias das drogas acharam esse caminho pra "lavar" seus lucros, porque as máfias paulistas, que "atuam dentro e FORA dos presídios (talvez no Palácio Bandeirantes) não enchergariam o mesmo caminho? Eles só não são honesto, éticos. Burros ou segos eles também não são. Parece que parte grande das desgraças da América do Sul nasce em governos do PSDB. A última ameaça é o fim ou a "FLEXIBILIZAÇÃO" do Mercosul! ACORDEM PAULISTAS, ALERTA BRASIL!

Wanderson Aguilar

Só a nivel de hipótese, será que o nosso sofrido vizinho Paraguai começa a ficar com de México sul americano?
Se for esse o caso vou parafrasear o velho ditado: Pobre do Paraguai tão longe de Deus e tão próximo dos interesses das nossas elites…

uberVU – social comments

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Luiz Carlos Azenha

Foi o que vi lá, Cláudio. abs

Alexandra Peixoto

Nunca é demais lembrar que o Paraguai é um dos países que ficam exatamente em cima do Aquifero Guarani, a maior reserva de água doce subterrânea do mundo (até que se prove a superioridade em volume d'água do Aquifero de Alter do Chão, no PA). E que a família Bush vem comprando sistematicamente terras nessa região. Teoria da conspiração? Pode ser. Mas que criar situações de instabilidade crescente onde o uso da força militar seja necessário seria útil a muitos interesses obscuros.

    Maria Helena

    Tudo a ver! Os americanos, se não inventaram – no Pentágono – popularizaram o Planejamento Estratégico. Já estão colocando os peões para cercar o próximo recurso natural a ter o preço disparado, pela escassez. E isso me faz lembrar que o candidato Serra declarou que vai EXTINGUIR a respectiva Secretaria (ou Ministério), hoje chefiada pelo brilhante economista e diplomata Samuel Pinheiro Guimarães. Que, aliás, tem escrito muito sobre a necessidade de rompimento desses padrões dependentes que os reacionários defendem. Lula o colocou recentemente no cargo, antes ocupado pelo Mangabeira Unger. O candidato Serra acha que não precisamos ter uma estratégia brasileira de inserção mundial? O que é bom para os Estados Unidos, etc?

Cláudio Camargo

No Paraguai, as oligarquias são ainda mais retrógradas do que as daqui. Há anos, cobri pela IstoÉ as investigações sobre o assassinato do então vice-presidente José Maria Argaña e tive contato direto com o descarado aparelhamento do Estado montado pelo Partido Colorado, que dominou o país por mais de 60 anos, na ditadura de Stroessner e na "democracia" que se seguiu. A corrupção e a violência estão institucionalizadas e os interesses dos grupos econômicos – alguns com fortes ligações no Brasil – estão incrustrados nos ramos do Estado paraguaio. Vai levar muito tempo para isso tudo mudar – se é que algum dia vai mudar.

Valdir

Excelente análise Azenha. Grupos como PCC e FARC (de discutíveis estigmas criados pela imprensa) podem funcionar como bodes espiatórios numa disputa como essa.

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