Lelê Teles: Dar presente é bom, mas ser presente é o que liga

Tempo de leitura: 2 min
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Por Lelê Teles

Por Lelê Teles*

normalmente, as imagens associadas ao dia dos namorados é a do homem cordial.

o cavalheiro solícito que publiciza seus gestos cafonas de afeto.

é um cabra entregando flores pra amada aqui.

outro num restaurante à luz de velas acolá.

ele, a fina flor do afeto, puxando a cadeira pra ela se sentar, pulôver sobre os ombros.

tem ainda as ofertas de lingeries safadas, pra ele dar a ela pra ela dar pra ele, no motel da moda.

tem aquela manjada foto fofa dos pombinhos numa viagem de dar inveja.

ou ele, sobre um dos joelhos dobrados, sacando uma caixinha quadrada do bolso e fazendo um romântico pedido de casamento, sobre os aplausos de uma praça de alimentação de shopping lotada.

normal, a data é comercial, e foi criada, no brasil, pelo pai do joão doria, aquele sapatênis da farinata.

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é aí já viu como é, né, tudo vira mercadoria.

a mulher é o objeto do desejo, nunca sujeita de desejos.

e repare que ainda hoje não dizemos dia dos namorados e das namoradas.

o sujeito da ação é o cabra.

a minha filha, por exemplo, tem uma namorada.

a data não a inclui.

é cafona, é patriarcal e é fuleiragem.

tudo bem que é sempre bom falar de amor no país que mais mata travestis e transsexuais no mundo.

mas essa também é uma forma de mostrar que o amor heterossexual é a norma.

mesmo com o alto índice de feminicídios que tem este país.

mesmo que os casos de estupro de crianças se deem, “normalmente”, dentro de casa.

essa demonstração pública de afeto, que objetifica a mulher, parece convincente, mas é ardilosa.

é uma armadilha.

a frase inaugural do dias dos namorados no brasil era essa: “não é só com beijos que se prova o amor”.

é preciso comprar alguma coisa, é preciso comprar o afeto.

é tudo mercadoria, nada tem valor, é tudo precificável.

dar presente é bom, receber presente é maravilhoso, mas ser presente é o que liga.

e ó, se liga.

estar presente e ser presente não é a mesma coisa.

palavra da salvação.

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Lelê Teles

Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).


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Comentários

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AP Fripp

Por que não dizemos dia dos namorados e das namoradas?

Vou tentar responder.
Se vc esta na rua com a sua esposa e alguém pergunta se vcs sõa casados, sua resposta sera sim, somos casados, e sua esposa responderia a mesma coisa : sim, somos casados. Isso por que a pergunta não se refere a gênero e sim a instituição “casamento” que é uma palavra masculina, assim como namoro, que é celebrado no dia dos namorados. Não é dia da(s) pessoa(s), mas da “instituição”.

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