O desafio da reconstrução do RS
A disputa no futuro próximo do RS se dará para evitar que os recursos federais sejam canalizados para as classes privilegiadas
Os governantes neoliberais acreditam que, ao minimizar os predicados ambientalistas da legislação sobre o desenvolvimento urbano, aceleram o crescimento econômico (isto é, a acumulação do capital).
Neste sentido, o governador do Rio Grande do Sul e o prefeito de Porto Alegre acabaram por produzir a tempestade perfeita na crise climática.
O estado gaúcho e a União vão gastar muitos bilhões por causa do erro de avaliação, fruto das convicções ideológicas de ambos.
O desrespeito pelo meio ambiente e a falta de noção sobre os ganhos da sociabilidade, voltada ao bem comum, levaram à catástrofe que já conta com 165 mortos e 64 desaparecidos, sem mencionar as perdas patrimoniais das famílias e das empresas, e o desaparecimento de cidades devastadas pelas águas.
O geógrafo David Harvey, em Os sentidos do mundo: Textos essenciais, aponta o problema das políticas urbanas aplicadas pelo receituário do neoliberalismo.
Como vimos na teoria e na prática dos governos pós-impeachment (Temer e Bolsonaro), no Brasil, houve o cancelamento de qualquer medida de redistribuição de renda para os bairros, cidades e regiões menos favorecidas com base na crença de que, em vez disso, os recursos deveriam ser endereçados “para os polos empreendedoriais dinâmicos”.
O equivalente nas relações de trabalho encontra-se na Lei das Terceirizações. Entregar a cidade aos incorporadores e operadores financeiros especulativos resultaria no benefício de todos.
Apoie o VIOMUNDO
A aliança com as construtoras assenta-se no entendimento de quanto mais desigualdade melhor.
Relatórios do Banco Mundial, desde a década de 1980, assinalam que se os chineses tivessem permitido o uso do solo de suas cidades para forças do livre mercado teria crescido mais.
Eduardo Leite e Sebastião Melo se fiam na balela, como mostra a contratação da consultoria Alvarez & Marsal para a reconstrução do RS e da metrópole porto-alegrense.
O leitor já adivinhou o nome da consultoria que prestou serviços à cidade de New Orleans e, agora, se apresenta aos colonizados.
A disputa no futuro próximo se dará para canalizar os recursos federais até as classes privilegiadas como aconteceu na cidade norte-americana, onde escolas foram fechadas, milhares de professores foram demitidos e mais de 20% da população foi expulsa para freguesias distantes.
O secretário Extraordinário para a Reconstrução Pedro Capeluppi, indicado pela administração estadual, já fala em repassar escolas e rodovias à iniciativa privada através do Projeto de Parceria Privada (PPP), aprovado ano passado na Assembleia Legislativa para “qualificação da infraestrutura escolar” em quinze municípios, o que perfaz cerca de 2 mil escolas.
“Os projetos que já eram muito importantes, passaram a ser mais importantes ainda”.
A aposta neoliberal será dobrada no pago sul-riograndense.
A irracionalidade, aliada à incapacidade de compreender as razões do desastre, não tem limites.
Na cabeça modernizadora dos políticos neoliberais, o progresso sob signo do capitalismo pode se dar ao mesmo tempo que a maioria da população e o meio ambiente vão de mal a pior.
O resultado trágico não muda a percepção cognitiva dos que dedicam mesuras às finanças e o agronegócio.
Por isso, a preocupação de se desresponsabilizar com os acontecimentos que despertam uma comoção em nível nacional e internacional, com as ações generalizadas de solidariedade.
É preciso que o cataclismo seja encarado como um episódio isolado no céu cor de rosa das ilusões. Os apaixonados pela própria retórica chegam a falar em “guerra”.
Ora, só se for contra a natureza e o povo antes, durante e depois como prenunciam as novas privatizações dos equipamentos públicos e das terras.
Uma luta de classes começa entre os interesses representados pelo governador e o prefeito, de um lado e, de outro, o ministro Extraordinário Paulo Pimenta, indicado pelo presidente Lula para concentrar os esforços do governo federal no trabalho de reconstrução.
Que o espírito solidário que floresce se transforme em políticas públicas sustentáveis, e as autoridades pensem no bem-estar da sociedade.
Não é hora de insistir na visão que tem se revelado calamitosa para a cidade e o estado.
*Luiz Marques é docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Jagna Stefani: Por que criar uma cidade temporária dentro de uma cidade desabitada?
Jeferson Miola: Porto Alegre é vítima de 20 anos de gestões neoliberais catastróficas
Gerson Almeida: Que valores devem prevalecer na reconstrução do Rio Grande do Sul?
Astec sugere Comitê de Reconstrução de POA e órgão urgente de gestão de águas pluviais; nota técnica
Luis Nassif: O desastre da Alvarez & Marsal, a consultoria contratada pela prefeitura de POA
Comentários
Zé Maria
.
“O que se precisa garantir é manutenção constante
e alguma modernização quando necessária”
Engenheiro AUGUSTO DAMIANI
Ex-Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP)
e do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE)
da Prefeitura de Porto Alegre / RS.
Especialista em Drenagem Urbana.
Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental.
Entrevisa Concedida ao Repórter Ayrton Centeno, do Brasil de Fato
https://www.brasildefato.com.br/2024/05/06/falhas-na-manutencao-do-sistema-de-protecao-teriam-agravado-a-maior-inundacao-da-historia-de-porto-alegre
.
Zé Maria
https://bit.ly/3XbNt0M
https://img.nsctotal.com.br/wp-content/uploads/2024/05/Bueiros-transbordam-e-causam-alagamentos-em-novas-regioes-de-Porto-Alegre-veja-fotos-3-944×531.jpg
https://img.nsctotal.com.br/wp-content/uploads/2024/05/Bueiros-transbordam-e-causam-alagamentos-em-novas-regioes-de-Porto-Alegre-veja-fotos-2-944×531.jpg
.
Zé Maria
https://prefeitura.poa.br/sites/default/files/usu_img/sites/dmae/Esgoto-cloacal-2.jpg
Vazô!
Esgoto Cloacal Refluiu pelo Encanamento
para Dentro da Cidade de Porto Alegre
porque a Prefeitura não fechou os Registros
das Estações de Tratamento à Margem do Guaíba.
Sequer havia Ferramentas para Execução do Serviço.
https://vermelho.org.br/2024/05/18/enchente-expoe-sucateamento-do-servico-de-agua-e-esgoto-em-porto-alegre/
Deixe seu comentário