Aline Blaya: Mais um dia que não acaba há quase três semanas

Tempo de leitura: 4 min
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Por Aline Blaya

À esquerda, a Estátua do Laçador, símbolo oficial de Porto Alegre, desde 1992. Criada pelo escultor pelotense Antônio Caringi, a estátua foi tombada em 2001 como patrimônio histórico da capital gaúcha. À direita, à placa de bem-vindo a Porto Alegre. Ambas ficam na entrada da cidade, próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho. Fotos: Rafael Stedile

Por Aline Blaya Martins*

Faz frio em Porto Alegre e mais um dia começa cinza.

Manhã de sábado, de um dia que não acaba há mais de duas, quase três semanas.

Não sabemos se ou quando acabará.

E o hino do Rio Grande do Sul, que aprendemos quando criança, ecoa na minha cabeça, ora para o bem, ora para o mal:

“Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.”

A façanha da natureza.

A façanha da gestão pública irresponsável e incompetente.

A façanha do povo que se une e faz pelos seus.

A façanha do povo que aproveita um momento de dor alheia para roubar, estuprar, abandonar.

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Que não sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra.

Há tempos me dei conta, e foi em um longo processo de cura, de que não quero e não preciso de façanhas na vida. Nem as minhas e nem as “nossas”.

Há tempos me dei conta de que a vida é uma constante, uma dádiva, feita de luz e sombra e só isso… sem façanhas…

As façanhas são mais um produto do capitalismo da escassez e do egoísmo, que nos incutem na cabeça que a vida precisa ser e é luta.

Não, não é. Não precisa ser.

Esse ano um amigo que convidou para estudar um novo livro marxista, uma amiga querida me incentivou a voltar a escrever artigos de opinião, outro amigo me disse que me buscaria para irmos à Romaria da Terra.

A todos eles eu disse… Dessa vez não, estou de férias da revolução. Estou de férias da dor da nossa gente sofrida, tô de férias da luta.

Determinei que a meta deste ano era pegar mais sol, dar mais risada, amar, o mar, cuidar do corpo e da alma, ler livros leves e só…

Mas… daí…

A parede do imóvel guarda as digitais da altura a chegaram as inundações em alguns pontos de Porto Alegre.Foto: Rafael Stedile

A pessoa resolve ser leve, admirar borboletas e flores, justamente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Terra das façanhas e das contradições. Onde nem tudo que se planta cresce e onde nem sempre o que mais floresce é o amor.

Terra de um lendário Getúlio Vargas, chamado de pai dos pobres, que perseguiu Luiz Carlos Prestes e  entregou Olga Benário a Hitler. E que teve a rua com seu nome, no bairro chamado ironicamente de “Menino Deus”, invadida por 2 metros de água do esgoto na semana passada.

Terra do governador Eduardo Leite que em um momento pede amparo ao mundo e agradece Elon Musk e em outro diz que as toneladas de ajuda que chegam podem atrapalhar o comércio local, e que, à lá Bolsonaro, segundo a Folha de S. Paulo, diz que, embora a meteorologia tenha previsto uma possível catástrofe no RS, o estado possuía outras agendas prioritárias…

Avenida dos Estados, próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Foto: Rafael Stedile

Como tirar férias da revolução?

Como viver de novo em um vórtex que, como na pandemia, parece nos engolir sem ter nem uma corda onde se segurar?

Hoje, no Rio Grande do Sul, milhares de pessoas lutam para manter minimamente uma rotina e alguma dignidade.

Seja em um abrigo como refugiado climático, seja cuidando do próximo, seja apenas tentando se manter a salvo.

Porém, simplesmente não se sabe o dia de amanhã.

Há duas semanas vi amigos queridos perdendo a casa, os móveis, o carro e o pior… a dignidade e a memória afetiva de uma vida inteira.

Meus pais estavam seguros. Ontem já não estavam mais. O bairro onde moram passou a ser alagado e surgiu o risco grande de desabamento dos morros.

Quem está trabalhando nos resgates e nos abrigos já está em uma fase de esgotamento físico e mental, adoecedor.

Quem está sem casa, sem os seus, nem se fala.

Não há amanhã.

Amanhã pode chover de novo.

Porto Alegre, entulhos por todo lado. Foto: Rafael Stedile

E o prefeito não fez a manutenção das bombas… e o governador revitalizou o cais e queria tirar o muro de contenção de enchentes da Mauá.

Este mês teve incêndio em um prédio ocupado por pessoas sem moradia, e que viviam, como contam os que velaram seus mortos, em subcondições.

Vivemos em município, um estado, que vive hoje a façanha de acomodar em um cenário de guerra, milhares de desabrigados enquanto milhares de imóveis estão vazios e destinados apenas a especulação imobiliária.

É sobre isso.

Tem horas que ou a gente tira férias da revolução ou junta a saúde mental do lixo com uma pazinha.

Mas, férias tem prazo para acabar e são fundamentais para garantir a exploração da força de trabalho ou o capitalismo não as permitiria.

Fim de férias.

Ontem teve panelaço para derrubar o prefeito, hoje tô aqui escrevendo, amanhã vamos fazer lingerie para as mulheres que estão nos abrigos… As cozinhas comunitárias não param, a captação de ajuda em todo canto não para, e não pode parar…

É, e sempre será, a organização do povo a única saída. Não se trata de nenhuma façanha e sim de estratégia de sobrevivência.

Tô voltando de férias, vou ali encontrar os meus para, como diz Krenak, adiar o fim do mundo.

Vamos juntos. Eu preciso, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul precisam disso, talvez o Brasil precise disso, o mundo também.

Mais e mais frequentemente parece que precisamos que a natureza nos ajude a ver que talvez seja  momento de suportar mais uns aos outros e de pensar, não em façanhas, mas do que temos feito do nosso agora e nos colocou diante disso tudo.

Só desejo que esse longo dia acabe em uma manhã de sol como a que parece iniciar no momento em que termino este texto, aqui em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

*Aline Blaya Martins: Professora da Faculdade de Odontologia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

PS do Viomundo: Nossos agradecimentos ao fotojornalista Rafael Stedile por nos ceder gentilmente todas as imagens que ilustram este artigo de Aline Blaya. Ambos muito talentosos.

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Aline Blaya

Professora da Faculdade de Odontologia e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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Comentários

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Zé Maria

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“Não é incompetência.

É Sabotagem pra desvincular

o Benefício do Governo Federal.”

https://x.com/Realidadeaumen2/status/1795258073919189422
.
.

Zé Maria

https://x.com/fernandapsol/status/1795511382667874549
https://x.com/psolnacamara/status/1795514253895737739

BolsoMelo/Leite e a Imprensa da Direita Neoliberal
estão Boicotando o Governo do Presidente Lula.

https://x.com/i/status/1795511382667874549

Zé Maria

Municípios Gaúchos Reconhecidos pelo Governo Lula
cujos Atingidos pelas Cheias estão Aptos a Receber
o Auxílio-Reconstrução no valor de R$ 5.100,00:
https://www.gov.br/mdr/pt-br/auxilioreconstrucao/Municpiosreconhecidosat15_05.pdf

Zé Maria

“Junto com nosso vereador em Porto Alegre @RobertoPSOL,
representamos no MP-RS para que seja instaurada uma
Ação Civil Pública para obrigar a Prefeitura de POA a cadastrar
imediatamente as famílias atingidas para que recebam o
Auxílio Reconstrução.

O povo tem pressa!”

FERNANDA MELCHIONNA
Deputada Federal (PSoL/RS)
https://x.com/FernandaPSOL/status/1795500977979580448

Zé Maria

https://x.com/i/status/1795223141838475594

“Hoje, milhares de pessoas em Porto Alegre
não receberam o Auxílio Reconstrução
do governo Lula.

O motivo?
A prefeitura incompetente não enviou os dados!

A burocracia que atrapalha tem nome:

Sebastião Melo!”

https://x.com/MatheuspgGomes/status/1795223141838475594

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Zé Maria

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Enquanto Muitos se Esforçam,
Com Ciência e Solidariedade,
Para “Adiar o Fim do Mundo”,
Alguns, com Má-Fé e Ganância,
Se Dedicam a Antecipá-lo.

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Zé Maria

Crônica do Nosso “Novo Anormal” PortoAlegrense e Riograndesnse.

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