Paulo Nogueira Batista Jr: Muito barulho por (quase) nada

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O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad. Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Muito barulho por (quase) nada

Por Paulo Nogueira Batista Jr.*, na Folha de S. Paulo

A decisão de afrouxar as metas fiscais para 2025 e anos seguintes desencadeou turbulências no mercado.

Economistas denunciaram o fim da “responsabilidade fiscal”. Indicadores financeiros pioraram.

Faz sentido? Tomando de empréstimo o título de uma comédia de Shakespeare, diria que é muito barulho por nada —ou quase nada.

Os alertas principais dos críticos não são convincentes. Por falta de espaço, vou tratar apenas de alguns aspectos do problema, em especial de duas perguntas:

1 – Haverá, como se alega, aumento dos juros de longo prazo, com impacto recessivo?; e

2 – As novas metas trazem risco de crescimento insustentável da dívida?

A primeira pergunta aponta para um efeito persistente das novas metas de déficit primário sobre as taxas de juro, com efeito recessivo.

Supõe-se que a menor ambição da política fiscal gera desconfiança dos credores privados e aumenta os juros pagos pelo governo para prazos mais longos. Isso contamina o custo do crédito para investimento e consumo de duráveis, além de causar apreciação cambial (com efeito negativo sobre as exportações).

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Paradoxalmente, a expansão fiscal seria “contracionista”.

Esse argumento pode parecer plausível, mas é baseado em conjecturas frágeis. Não se sabe se o efeito sobre os juros longos é duradouro ou momentâneo e se, sendo duradouro, pode ser visto como significativo. Tampouco se sabe qual seria exatamente a dimensão do efeito dos juros sobre a demanda interna e o câmbio.

Na prática, como há capacidade ociosa, o impacto expansivo da política fiscal, via demanda agregada, tende a prevalecer sobre os impactos recessivos via juros e câmbio. O paradoxo é instigante, mas falso. A expansão fiscal é mesmo expansionista, não contracionista.

Uma ressalva, porém. Se o Banco Central sancionar expectativas pessimistas, sinalizando uma política monetária mais dura, a curva de juros se deslocará para cima.

Seria um caso de percepções autorrealizadas. O conservadorismo do BC reforçaria o conservadorismo do mercado financeiro, e vice-versa. Pode acontecer? Se depender do presidente do BC, não há dúvida que sim.

Só que o Copom, onde se tomam as decisões relevantes, conta hoje com quatro integrantes indicados pelo governo Lula, o que parece mudar o quadro.

De todo modo, o essencial é reconhecer que as expectativas não se baseiam apenas em “fatos” e argumentos lógicos, mas refletem também convenções e instintos de manada.

As previsões de um agente econômico são formuladas sempre com um olho nas previsões do vizinho. A sua dispersão tende a ser menor do que seria se os economistas e consultores fossem trancados em salas separadas, sem acesso a seus pares.

E, em qualquer momento, o BC e o Tesouro têm influência decisiva sobre a formação das expectativas.

Seja como for, caberia o receio de que o crescimento da dívida possa se tornar insustentável em razão das novas metas? É óbvio que elas acarretam “ceteris paribus“, um aumento da dívida governamental.

Além disso, “ceteris non paribus“: um possível aumento do custo da dívida seria um fator adicional de expansão do endividamento.

Não há motivos, entretanto, para projetar uma dívida muito maior. As reduções do saldo primário foram modestas e cautelosas.

E o aumento dos juros depende, em larga medida, de um “gol contra” do BC, que teria de adotar postura não colaborativa, de ação descoordenada com o Tesouro, diferentemente do que ocorre em qualquer país civilizado.

Uma palavra final sobre as hipocrisias do mercado. O déficit relevante para o aumento da dívida pública é o déficit total, quase esquecido, e não o badalado déficit primário.

O déficit total inclui as despesas de juros que são muito pesadas, em larga medida por causa da política de juros do BC. Em 2024, estima-se que a carga financeira contribuirá quase nove vezes mais do que o déficit primário para o aumento da dívida.

Eis aí um paradoxo, este sim verdadeiro: a suposta responsabilidade monetária gera irresponsabilidade fiscal.

Pequena pergunta insincera: por que será que os economistas do mercado raramente reclamam das pornográficas taxas de juros?

Como “não” dizia Mandeville, que muito influenciou Adam Smith: vícios privados, “malefícios” públicos.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Lançou no final de 2019, pela editora LeYa, o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata. A segunda edição, atualizada e ampliada, foi publicada em 2021.

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