Por que o militar não gosta de Lula?
Por Manuel Domingos Neto*
O militar não gosta de Lula e o chama de ladrão. Em suas especulações sobre a crise brasileira, salienta a falta de padrão moral consentâneo com a presidência da República.
O militar enxerga o mundo da janela do quartel: a sociedade seria demasiado anárquica, indisciplinada, desprovida de formação moral e incapaz de escolher boas lideranças.
Por “militar”, estou designando o tipo preponderante nas Forças Armadas brasileiras.
Nas corporações, há diferenças entre seus integrantes, mas predomina a unidade de valores e convicções indispensável à adoção de doutrinas norteadoras da organização e do emprego das fileiras.
O militar não gosta de Lula porque esse líder, mesmo não sendo um reformista radical, acena com mudanças sociais. Instila, de algum modo, esperança em um tempo novo, enquanto o militar cultua o legado colonial.
O militar preza a estabilidade. Mudanças sociais roubam-lhe o azimute.
Pretendendo-se criador da nação, constrangeu o constituinte a designar-lhe o papel de mantenedor da lei e da ordem. Admite, no máximo, uma modernização contemporizadora, que preserve o domínio oligárquico característico da sociedade brasileira.
Lula não bate de frente com os poderosos, mas condena iniquidades e promete “incluir o pobre no orçamento”.
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Em que pese seu gosto pela conciliação de classes, sua carreira política não deixa de desafiar a hierarquia social em que se ampara a organização militar. Seu jeito de ser e de falar incomodam porque animam parcelas socialmente rebaixadas.
Apegado à estabilidade e sem argumentos válidos para se contrapor à mudança social, o militar vê em Lula um demagogo, um espertalhão em busca de proveito próprio. Um político prejudicial à boa ordem.
Lula é perigoso: na condição de chefe de Estado, pede desculpas aos africanos pela escravidão. Prega a tolerância e fere a cultura homofóbica do quartel.
Quando o militar condena Lula moralmente, evita o desgaste de rebater seu discurso antiescravagista e de repúdio ao patriarcalismo.
O militar não gosta de Lula por conta de amizades perigosas: abraça João Pedro Stedile, percebido no quartel como encarnação do inimigo interno, negador da lei e da ordem.
Lula sempre atendeu às demandas do quartel. Na cadeia, em Curitiba, disse não entender a animosidade do militar consigo, posto não o contrariara. Retornando à presidência, persiste satisfazendo a caserna.
Garante recursos para uma gigantesca escola de sargentos concebida para reforçar a ordem interna no Nordeste, região supostamente propensa à insurreição.
Abona projetos que reforçam a capacidade de combater brasileiros em detrimento da capacidade aeronaval, mais adequada à guerra contra o estrangeiro.
Usa, inclusive a expressão “Exército de Caxias”, que significa Exército repressor de insubordinações populares.
Rejeita discussão sobre Defesa Nacional para não ferir cânones estabelecidos desde sempre.
A razão principal para o militar se contrapor a Lula está na insegurança quanto ao futuro das corporações. O militar brasileiro integra o esquema de forças liderado por Washington.
Raciocina como defensor da “civilização ocidental”. Depende estruturalmente do Pentágono e absorve a pregação ideológica imperial.
Nestes tempos em que se redefine uma nova ordem internacional, o contraditório entre a veleidade de soberania nacional e os laços de dependência das corporações armadas em relação a Washington será crescentemente exposto.
O ambiente guerreiro que toma conta do planeta não permite neutralidade. O militar não gosta da aproximação de Lula com nações que considera dominadas por “ditaduras comunistas”.
A indisposição militar com Lula se agravará, não obstante seu empenho em livrar as corporações de responsabilidades quanto à tentativa de quebra da ordem institucional.
Na democracias modernas, militar não teria que gostar ou desgostar do político, mas obedecê-lo.
A vida real, entretanto, mostra que as predileções políticas do militar contam decisivamente.
O militar considera a polarização política o principal problema brasileiro, mas gostou da demonstração de força da extrema direita na avenida paulista no último final de semana.
A docilidade do militar para com Lula é uma quimera que cobrará seu preço.
* Manuel Domingos Neto é doutor em História pela Universidade de Paris, escreveu O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional
Leia também:
Jeferson Miola: Com bandeira da anistia, extrema-direita se posiciona uma conjuntura à frente
Paulo Nogueira Batista Jr: A força da extrema direita e os desafios da esquerda; vídeo
Comentários
Zé Maria
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Microfone para o ZéGe:
https://twitter.com/i/status/1763789094830633373
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Zé Maria
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Os Generais Golpistas Covardes, Heleno, Braga Netto, Mourão,
combinaram com o Bolsonaro de não comparecer na Av Paulista.
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Zé Maria
Revista de Ciências Sociais(IUPERJ/UCAM),
DADOS – Vol. 46, nº 1, 2003, pp. 153 a 193.
https://www.scielo.br/j/dados/a/Kg8PPsPjsvMMPg5zBZWrsmk/?format=pdf&lang=pt
[Complemento ao Comentário (29/02/2024 – 16h56)]
Zé Maria
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O Patrimonialismo é o Ponto de Intersecção entre
o Estamento Militar e o Bolsonarismo Neopentecostal.
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Zé Maria
https://m.media-amazon.com/images/I/91LD-IBv8jS._SL1500_.jpg
“O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia Brasileira”
[Ou: Estado Laico e Estamento Patrimonialista]
Por Rubens Goyatá Campante, na Revista
‘A palavra ‘estamento’ tem a mesma raiz etimológica de ‘estado’ – ‘status’.
Historicamente, estamento parece derivar dos estados pré-capitalistas,
ou seja, as várias ordens e categorias, internamente coesas e externamente
exclusivistas, em que se dividia a sociedade, regidas, em alguns casos, por estatutos próprios, as ‘privatio legis’.
Bendix sustenta que ‘grupo de status’ seria a tradução mais adequada
do vocábulo alemão ‘stand’ usado por Weber, para quem o significado
de ‘estamento’ seria mais amplo que o de ‘estado’, tipicamente europeu
medieval, pois abrangeria quaisquer grupos sociais coesos, com suas
subculturas e sua exclusão de ‘outsiders’.
Segundo Faoro, o termo foi introduzido na sociologia moderna por Weber,
mas já era usado por Marx e Engels, “ciosos do bom emprego do conceito
‘stand’, comprometido com a realidade pré-capitalista – a burguesia
moderna, atualmente uma classe, gerou-se do ‘estamento’ (o ‘terceiro estado’ da política francesa).
Clara, para eles, a distinção entre classe e estamento, que depois se
esfumou, em grande parte devido à perplexidade dos tradutores franceses
e de língua inglesa, por meio dos quais, no Brasil, se cultivou o pensamento
sociológico …
O conceito de classes para Marx e Engels, compreende, sem negá-lo,
o conceito de estamento’ (Faoro, 1998:69, ênfases no original).” [Nota 4]
[…]
Patrimonialismo é a substantivação de um termo de origem adjetiva:
patrimonial, que qualifica e define um tipo específico de dominação.
Sendo a dominação um tipo específico de poder, representado por
uma vontade do dominador que faz com que os dominados ajam, em grau
socialmente relevante, como se eles próprios fossem portadores de tal
vontade, o que importa, para Weber, mais que a obediência real, é o sentido
e o grau de sua ‘aceitação’ como ‘norma’ válida – tanto pelos ‘dominadores’,
que afirmam e acreditam ter ‘autoridade’ para o mando, quanto pelos
‘dominados’, que crêem nessa autoridade e interiorizam seu dever de
‘obediência’.
[…]
O instrumento de poder do estamento é o controle patrimonialista do Estado…
Imbuído de uma racionalidade pré-moderna, o patrimonialismo é
intrinsecamente personalista, tendendo a desprezar a distinção
entre as esferas pública e privada.
Em uma sociedade patrimonialista, em que o particularismo
e o poder pessoal prevalecem, o favoritismo é o meio por excelência
de ascensão social, e o sistema jurídico, lato sensu, englobando
o direito expresso e o direito aplicado, costuma exprimir e veicular
o poder particular e o privilégio, em detrimento da universalidade
e da igualdade formal-legal.”
[…]
Enquanto os conceitos de dominação e de patrimonialismo têm seu
desenvolvimento no marco da sociologia política de Weber, a distinção
e a definição de ‘classe’ e ‘estamento’, segundo Bendix, relacionam-se
diretamente com sua sociologia da religião. Isto não significa,
absolutamente, que tais conceitos, na teoria geral de Weber, sejam
desconexos, antes o contrário.
Quer dizer apenas que os primeiros correspondem a uma ênfase do autor
na “ordem moral da autoridade baseada em uma crença na legitimidade”,
enquanto os segundos configuram a ênfase no estudo das “condições
para a solidariedade baseadas em idéias ou interesses” (Bendix, 1986:230).
Tais tipos de ênfase correspondem às três dimensões sobrepostas que
compõem a vida social – a autoridade, o interesse material e os valores.
Ou seja, no trato de temas como o patrimonialismo e a dominação, o foco
de Weber está na dimensão da autoridade, embora as questões do interesse
material e das orientações de valor (os ideais) jamais possam ser
descartadas; por outro lado, quando se debruça sobre temas como as
‘classes’ e ‘estamentos’, o foco muda para as outras duas dimensões:
o ‘interesse’ e os ‘valores’, embora, da mesma forma, não se descarte a
questão da ‘autoridade’.
Subjacente a essas preocupações está a concepção weberiana da
sociologia como ciência cujo objeto é a ação social, o significado
intersubjetivo, socialmente influenciado, que as pessoas emprestam
a suas ações, pois, como diz Bendix:
“Essas linhas de pesquisas sugerem que os homens em sociedade
agem com os outros e contra os outros, com base em seus interesses
materiais e ideais e que mantêm entre si uma relação de ‘obediência’
e ‘autoridade’ com base em ‘acordos mútuos’.”(idem:231) [Nota 5]
Íntegr do Artigo em:
https://www.scielo.br/j/dados/a/Kg8PPsPjsvMMPg5zBZWrsmk/
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“Nesse Estado dito patrimonialista a contabilidade pública é atrabiliária. Rendas e despesas reais se confundem, não há discriminação precisa.
Gastos de família e gastos em obras e serviços de utilidade pública
não se diferenciariam.
O Estado subordina integralmente a esfera privada.
Radicaria nessa premissa a lógica da troca de favores, que se mostraria
como o pecado original de nossa condição [brasileira].
Na linguagem metafórica de Faoro, trata-se do êxito da caça ao tigre
por meio da lebre.
É esse Estado que fora transposto para o Brasil, do que as Ordenações
Filipinas (vigente em direito privado até 1916) seria a maior prova normativa.
A transposição para o Brasil de um Estado no qual se confundiam
Fisco e Erário, público e privado, seria, nessa interpretação, o nosso
pecado original [brasileiro].”
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy em:
https://www.conjur.com.br/2020-ago-30/embargos-culturais-raymundo-faoro-donos-poder-pecado-original/
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Zé Maria
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A esta altura as Forças Armadas braZileiras estão de tal forma
comprometidas com os Governos dos Estados Unidos da América
que fica difícil para as Cúpulas Militares engolirem o Sapo Barbudo.
Na realidade, o “Deep State” é efetivamente o Comandante-Geral.
Zé Maria
Porque o Lula não se alinha aos Interesses do Pentágono.
Zé Maria
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A Cúpula Militar Golpista quer agora
‘Hebeas Corpus Preventivo’ no Senado.
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Allan Patrick
Respeito o articulista, que estuda a fundo o tema, mas o militar é um sujeito classe média como qualquer outro no país, talvez apenas marginalmente um pouco mais conservador.
A cabeça da classe média brasileira é feita pela mídia tradicional, essa é a norma numa democracia liberal. Nesse momento, temos o jornal Folha de São Paulo (tido como um dos mais “progressistas” da grande mídia) manchetando que o “ganhador” da semana é um jumento que promove chacinas em áreas de periferia e o “perdedor” é quem pede que acabe o genocídio de crianças na Palestina.
Nessa perspectiva, os efeitos deletérios da agitação política reacionária entre os militares é uma consequência, mas não é a causa dos nossos problemas. A causa dos nossos problemas são os bilionários usando seu poder midiático para agitar e promover estultices em seus braços de mídia.
Ibsen
Lula está minicurso os militares contra a esquerda. Fato.
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