Milly Lacombe: Teria sido um golpe miliciano com apoio liberal

Tempo de leitura: 5 min
O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Paulo Guedes, em evento no Palácio do Planalto. Foto: Agência Brasil

Teria sido um golpe miliciano com apoio liberal

Por Milly Lacombe, no UOL

Eu assisti aos 93 minutos da reunião que tentou tramar um golpe de estado para que você não precisasse passar por isso.

De nada.

Aqui o que vi.

Trata-se de um documento tão histórico quanto nauseante. Jair Bolsonaro e sua língua abjeta e torta passam bastante tempo falando, embora a concatenação de ideias seja coisa rara.

Tem de tudo na lama verbal regurgitada: tem recalque, tem amargura, tem medo, tem ameaça, tem linguagem de máfia, tem a eterna obsessão com a coragem de Dilma, tem sua masculinidade frágil derramada sobre a mesa – e tem a criminosa omissão da chamada ala técnica do governo, tão paparicada por liberais durante esses anos, que leva o nome de Paulo Guedes.

Está ali numa reunião de hora e meia escancarada a relação entre liberalismo e fascismo: o silêncio que compactua, que diz “vai fundo”, “estou com você”, “é o que precisa ser feito”, “vai que te dou retaguarda porque não posso sujar de sangue meu Armani”.

Na história, o fascismo sempre atuou como a válvula da panela de pressão que deixa sair parte da tensão causada pelo Capitalismo. Andam juntos, de mãos dadas, há décadas. Mas esse é assunto para outro texto.

E tem, claro, a cinematográfica participação militar pela voz de um general que há anos, desde o massacre em Cité Soleil, no Haiti, ou mesmo antes, quando era um capitão tentando dar um golpe em Ernesto Geisel – um golpe dentro do golpe, portanto – já deveria ter sido trazido à luz da verdade: Heleno.

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O Brasil nunca restou livre de militares enfiados na política, de forma direta ou indireta. Quando não estavam no poder, estavam metidos com o poder: mandando, desmandando, palpitando, criticando.

Jamais realizamos com afinco uma comissão da verdade como as executadas pela Argentina e África do Sul para expor as vísceras da ditadura de 64. Nem FHC, nem Lula bancaram uma. Dilma tentou, e deu no que deu.

Por isso, aceitamos com naturalidade que um deputado insignificante como Jair Bolsonaro entrasse mediaticamente em nossas vidas pelo humorístico CQC apoiando torturadores e a prática da tortura durante as audiências da comissão da verdade no governo Dilma.

Muitos acharam graça quando ele debochou de Dilma, torturada durante a ditadura. E sob nossa omissão, o deputado que votou por um golpe de estado rendendo homenagem ao mais cruel torturador da República, foi eleito presidente.

Eleito, ele seguiu falando de Dilma sempre que podia. Foi uma afronta muito grande que a única presidente mulher tivesse sido também a única a bancar uma comissão da verdade, que infelizmente nunca chegou ao fim.

Bolsonaro, o machão que corre quando a polícia chega e faz flexão de braço com a deprimente mecânica de um pombo andando, não tolera a ideia de uma mulher torturada não ter delatado. É demais para sua masculinidade frágil.

O encontro começa com Bolsonaro falando de narcotráfico e ligando o crime a ideologias de esquerda. Esse rolê aleatório das ideias é a marca da reunião já histórica.

Logo depois convoca os militares presentes à lembrança do juramento de dar a vida pela pátria. Fala então que não foi a uma viagem que deveria ter sido feita para a Coreia porque ficou com medo de um atirador de elite matá-lo. As coisas saem de sua boca sem nenhuma preocupação com a lógica, com a verdade, com alguma gota de lucidez aparente.

Depois deixa claro que quem ali estiver estará compactuado com o que ele disser. Paulo Guedes está bem perto dele e segue caladinho.

Bolsonaro começa a falar de Dilma e da tortura que ela sofreu em tom de deboche. O rolê do pensamento aleatório o leva ao aborto e nessa hora entra um vídeo de uma pastora que conta histórias mentirosas sobre pessoas interrompendo a gravidez com sete meses de gestação.

A ala técnica segue caladinha mesmo diante de tantos absurdos, talvez mentalizando o mantra liberal: “Manter a taxa de juros elevada, manter a taxa de juros elevada, manter a taxa de juros elevada”.

(Aliás, o presidente do BC, o bolsonarista Roberto Campos Neto, só não estava presente à reunião porque tinha tirado férias, como conta aqui a seção “Painel” da Folha).

Não faz muito sentido aquele vídeo da pastora enfiado no começo da reunião, Bolsonaro estava até ali falando sobre a fragilidade das urnas, mas toda hora é hora para meter o bedelho no controle sobre os corpos das mulheres pobres (para as ricas o aborto é liberado faz tempo).

“Só pode ser cristão se for conservador. Não existe cristão de esquerda”, vocifera a tal pastora. Bolsonaro gosta. Guedes segue gatinho.

A partir daí o rolê do pensamento aleatório ziguezagueia pela ameaça comunistas, Cuba, Venezuela, direitos humanos, Flamengo, Bangu, areia da praia de Copacabana, ETs.

Heleno, que chegou atrasado, pega o microfone e fala do recurso da espionagem. Bolsonaro, que sabia que estava tudo sendo gravado, pede pra ele parar.

A ala técnica ali ao lado de Bolsonaro segue atenta e passiva.

Para os bons observadores, tudo o que foi escancarado nessa reunião estava previsto há anos. Tem gente falando que assim seria desde 2018. Antes, até.

Tem aqueles, como o professor Vladimir Safatle, que foram capazes de explicar, ponto a ponto, o que aconteceria no Brasil. Tudo devidamente registrado em artigos, entrevistas, palestras.

Mesmo antes de 2016 Safatle já chamava a nossa atenção para a aberração que seria manter no cargo um deputado que disse a sua colega que só não a estuprava porque ela não merecia. O deputado, todos sabem, era Jair Bolsonaro e ele disse isso em 2014. Ninguém ligou.

Safatle durante palestra em 2018: “Há um golpe em marcha [no Brasil]. E por que há um golpe em marcha? Porque esse programa neoliberal, tal como ele foi abraçado, só pode ser implementado no Brasil à bala. Não tem outra saída. Ele nunca vai ganhar uma eleição”.

E tem os comentaristas liberais que naturalizaram Bolsonaro, enalteceram Guedes e que agora, diante da tentativa de golpe filmada, começam sorrateiramente a mudar de lado, sem um pingo da autocrítica que sempre exigiram de Lula e Haddad, como quem tenta fingir que nunca colaborou para que Bolsonaro chegasse ao poder. São os que não querem sujar seus Armani.

De tudo isso, um detalhe precisa ficar bem registrado: não teria sido um golpe militar dessa vez.

Como disse Safatle em uma palestra na UNB em 2018, quem agora estava no poder não eram os mesmos da ditadura, mas aqueles que ficaram no porão da ditadura: os que torturavam, matavam, depois se livravam do corpo e limpavam a cena do crime. Não seria, assim, um golpe militar, mas um golpe miliciano. O primeiro da história.

Escapamos? Eu diria que ainda não.

Seria preciso seguirmos atentos e fortes porque a ameaça ainda está entre nós: nas forças armadas, no poder judiciário, no executivo, no legislativo, nas Igrejas e nas redações. Mas temos a chance única de colocar os militares em seu devido lugar pela primeira vez em mais de 100 anos de história.

Quem tem as armas não palpita, não fala, não se candidata, não critica, não aparece. Quem tem as armas cala e obedece.

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Comentários

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Zé Maria

Não era a Corrupissáum…
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Golpes da Classe Econômica Dominante
reduziram a Renda da Classe Trabalhadora
Assalariada e Políticas Contrárias ao Trabalhador
diminuíram Participação dos Salários no PIB do Brasil

Pesquisa IBGE mostra que a Participação
dos Salários no Crescimento da Economia
do País caiu 12,9% desde 2016.

O volume da participação dos salários dos trabalhadores
no Produto Interno Bruto (PIB), caiu 12,9% em cinco anos.

Como o PIB varia ano a ano, em 2016, o valor da MASSA SALARIAL
em comparação com o PIB representava 35,5%, e em 2021
essa comparação DESPENCOU para 31%.

Foi o pior resultado em 16 anos.

No mesmo período a participação do excedente operacional bruto
das empresas, valor de onde as companhias extraem o LUCRO,
AUMENTOU de 32,3% para 37,5%, representando um crescimento
de 16% entre 2016 e 2021.

Os dados da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), revelam o que a CUT vem denunciando desde que começaram
os preparativos do GOLPE contra a Presidenta Dilma Rousseff, em 2015.

Para os dirigentes cutistas, o ‘IMPEACHMENT’, aprovado no ano seguinte,
foi ORQUESTRADO para RETIRAR DIREITOS dos trabalhadores, ACHATAR SALÁRIOS e impor uma AGENDA ECONÔMICA NEOLIBERAL que PRIVILEGIA
os RICOS.

Sobre o impacto da massa salarial na participação do PIB, a técnica
do Departamento Intersindical de Estudos e Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Adriana Marcolino, explica que o fim
da valorização do mínimo, em 2019, que só voltou no ano passado
com Lula, prejudicou em grande medida os ganhos dos trabalhadores,

“Após o término da política de valorização do salário mínimo, que teve
o último reajuste em 2019, a massa salarial teve uma queda expressiva”,
diz Adriana.

A vice-presidenta da CUT Nacional, Juvandia Moreira, cita algumas medidas
econômicas dos governos de Michel TEMER(MDB), e aprofundadas pelo
governo de Jair BOLSONARO (PL), que impactaram na QUEDA DE RENDA
do trabalhador, o que agora começa a ser retomada com a política de
valorização do salário mínimo promovida pelo presidente Lula (PT).

“Desde 2016 que a gente teve uma série de medidas tomadas
pelos governos anteriores que resultaram no aumento da desigualdade
social e em prejuízo para a classe trabalhadora.
Um deles é a reforma trabalhista, que precarizou as relações de trabalho,
enfraqueceu a organização dos trabalhadores, criou a possibilidade
de terceirizar tudo e pejotizar”, afirma Juvandia.

Ao comentar o dado, o presidente do IBGE, Márcio Pochmann, argumentou que ele mostra a reversão da tendência de aumento da participação dos salários no PIB observada entre 2004 e 2016.

“A construção lenta e difícil que por 12 anos levou para mudar positivamente o peso da renda do trabalho no PIB foi rápida e abruptamente desmontada nos últimos anos de regressão neoliberal.
O que terminou por recolocar novamente o Brasil entre os países de baixos salários, empregos precarizados e de multidões de sobrantes e sem destino”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Entre 2004 e 2016, a participação dos salários no PIB cresceu 16,3%,
saindo de 30,6% para 35,67%.
Por outro lado, nesse período, a participação do excedente operacional
bruto das empresas caiu 6,6%, passando de 34,6% para 32,3% do PIB.

“Esse discurso de que não pode ter déficit fiscal,
não ter investimento público, é um discurso que
se continuar a ser feito, o Brasil não cresce e
o trabalhador não aumenta a sua renda.
Por isso, nós precisamos rever a Reforma Trabalhista,
reduzir os juros, ter investimento público,
tributar lucros e dividendos e os super-ricos”,
diz Juvandia Moreira.

Os SÚPER-RICOS ficaram 31% MAIS RICOS no governo BOLSONARO,
enquanto a POBREZA AUMENTOU 22,7%.

Íntegra em:
https://www.cut.org.br/noticias/politicas-contrarias-ao-trabalhador-diminuiram-participacao-dos-salarios-no-pib-8360
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Zé Maria

Jornalista da Folha diz que Guru de Ciro
quer fazer Papel de “Advogado do Diabo”.
Roberto Mangabeira Unger, entretanto,
nega a publicação da Folha de S.Paulo:
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“Mangabeira Unger se reúne com Jair Bolsonaro
e diz que vai Apresentar Habeas Corpus Preventivo
ao STF Contra Prisão de ex-Presidente”

Jornalista Mônica Bergamo
https://twitter.com/MonicaBergamo/status/1758163227110682776
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Roberto Mangabeira Unger, entretanto,
nega a publicação da Folha de S.Paulo:

“Informo ser falsa a notícia de que pretendo fazer,
a favor do ex-presidente Bolsonaro, um pedido
de habeas corpus preventivo.”

https://twitter.com/Roberto_Unger_/status/1758199372615987639
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Nesse caso, cabe à Jornalista e ao Veículo de Imprensa
provarem a Veracidade do Conteúdo da Reportagem.
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