Idisa-Abres: Não se pode aceitar artifícios contábeis para descumprir o piso constitucional da saúde
Tempo de leitura: 4 minNota Idisa-Abres contra o descumprimento do piso da saúde
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 136, de 2023, que dispõe sobre a compensação devida pela União aos demais entes federativos (de que tratou a Lei Complementar 194, de 2022), recebeu emenda parlamentar na Câmara dos Deputados, para definir que o valor da Receita Corrente Líquida (RCL) de 2023 será a estimado na respectiva Lei Orçamentária (LOA), nos termos do artigo 15. Segue agora para apreciação e votação no Senado Federal.
A projeção da RCL (tomando por base a receita dos últimos 12 meses encerrados em abril de 2022, que consta no Demonstrativo da RCL publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional) é maior do que a estimada na LOA 2023.
Essa projeção da receita que será arrecadada em 2023 serve de referência para o cálculo do piso federal do SUS de 15% estabelecidos na Emenda Constitucional (EC) 86, de 2015, que considera a RCL do exercício financeiro.
É importante destacar que a EC 86, de 2015, voltou a vigorar após a revogação do congelamento do piso da saúde definido pela EC 95, de 2016.
Tecemos as seguintes considerações em relação à redação do artigo 15 do PLP 136, que foi aprovado na Câmara e, agora, está em tramitação no Senado Federal:
1) O piso federal da saúde está previsto no § 2° do artigo 198 da Constituição que considera como valor mínimo a ser anualmente aplicado na saúde, 15% da RCL do exercício financeiro (redação dada pela EC 86, de 2015).
2) Essa foi uma das referências adotadas pelo atual governo federal, em dezembro de 2022, junto ao Congresso Nacional, para pleitear R$ 22 bilhões adicionais aos 149,9 bilhões que constavam no Projeto de Lei Orçamentária de 2023 da União para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.
3) A EC 126, de 2022, deu poderes ao Presidente da República para dispor por lei complementar (LC) sobre o arcabouço fiscal sustentável do país, o que foi feito pela LC 200, de 2023.
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4) A LC 200, de 2023, não alterou o piso federal da saúde ao dispor sobre o novo arcabouço fiscal.
5) O PLP 136 visa cumprir o disposto na LC 192 sobre as compensações devidas pela União aos estados e municípios pelas perdas de receitas.
6) O PLP 136 em seu artigo 15 tratou de matéria estranha a ele, incluída por meio de emenda parlamentar durante a tramitação na Câmara dos Deputados.
7) O artigo 15 desse PLP afeta o cálculo do piso da saúde, a menor, dada a projeção da RCL a ser arrecadada em 2023 ser maior do que a estimada originalmente na LOA 2023.
8) Nunca houve prefixação da RCL para o cálculo de nenhum indicador a ela vinculado (por exemplo, nos cálculos dos limites de pessoal e de endividamento da União, Estados e Municípios decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal), cuja arrecadação pode ser maior ou menor durante a execução orçamentária e financeira do exercício.
9) Portanto, nunca houve dúvida que a “RCL do exercício financeiro” que consta no texto constitucional do piso federal do SUS é aquela efetivamente arrecadada.
10) Essa prefixação tem a finalidade de alterar o piso da saúde sem modificar o § 2° do artigo 198, sendo um artifício contábil que tem o potencial de retirar em 2023, cerca de 16 bilhões do SUS, sem o ônus de mudar o piso federal em acordo a norma constitucional.
11) Tal medida põe em risco a segurança jurídica do cálculo do piso da saúde que é de 15% da RCL do exercício financeiro, com risco adicional que esse precedente viabilize outras medidas similares capazes de falsear o valor devido pela União ao SUS federal, sempre que o cumprimento de metas fiscais esteja ameaçado.
12) Além do mais, releva dizer que mais de 2/3 desses recursos federais são repassados pelo Fundo Nacional de Saúde aos estados e municípios, os executores dos serviços de saúde, ou seja, essa redução trará prejuízo ao atendimento das necessidades de saúde da população.
13) Se o PLP 136 pretende compensar os entes federativos de perdas tributárias, o seu artigo 15 conflita com esse objetivo, ao retirar cerca de 11 bilhões que seriam destinados ao financiamento do SUS municipal e estadual.
14) Não se pode aceitar artifícios contábeis que mitiguem a determinação constitucional de se garantir minimamente ao SUS 15% da RCL do exercício de 2023.
15) Entendemos ser tal medida legislativa inconstitucional ao falsear a forma de cálculo da RCL federal que se lastreia na efetiva arrecadação das receitas, além de se configurar como um estímulo para anualmente se mitigar o valor da RCL sempre que houver risco de não cumprimento de metas fiscais.
16) O SUS precisa de financiamento estável, adequado e suficiente, sendo que os 15% da RCL previstos na Constituição Federal devem ser considerados como o ponto de partida para a busca de recursos adicionais, conforme as diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde realizada de 02 a 05 de julho de 2023 em Brasília. Sempre é bom lembrar que a Constituição se refere a recursos mínimos.
Instituto de Direito Sanitário Aplicado – Idisa
Associação Brasileira de Economia da Saúde -ABrES
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