Steven Levitsky e Daniel Ziblatt: Os assassinos da democracia sempre têm cúmplices
Tempo de leitura: 18 minDa Redação
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt são os autores do best-seller “Como as Democracias Morrem”.
Os dois lecionam Ciência Política na Universidade de Harvard, nos EUA.
A pesquisa de Levitsky é focada na América Latina e países em desenvolvimento.
Ziblatt estuda a Europa do século XIX até os dias atuais.
Diante da eleição de Donald Trump, em 2016, eles uniram seus conhecimentos para escrever o livro.
“Uma análise crua e perturbadora das ameaças às democracias em todo o mundo’’, destaca a apresentação da obra.
Em 8 de setembro, eles publicaram no The New York Times (versão impressa e internet) um ensaio com o título Democracy’s Assassins Always Have Accomplices
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Artigo magistral.
”Resume muito bem como a cumplicidade de políticos tradicionais é instrumental na ascensão dos fascismos e demais autoritarismos”, diz Carlos Cleto, que o traduziu para o português.
”Os autores demonstram que casos como os dos golpistas de 8 de janeiro precisa acabar mal para eles para que nunca mais tentem repetir a façanha”, acrescenta.
Carlos Cleto é advogado e historiador.
Para tornar mais acessíveis a compreensão das referências históricas citadas por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt neste ensaio, Cleto colocou 19 notas explicativas ao final.
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OS ASSASSINOS DA DEMOCRACIA SEMPRE TÊM CÚMPLICES
Por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt*, no The New York Times
Durante o primeiro debate do Partido Republicano na campanha das eleições presidenciais primárias de 2024, no mês passado, os rivais de Donald Trump foram convidados a levantar a mão caso fossem apoiar sua candidatura, mesmo que ele venha a ser “condenado num tribunal”.
O esforço do Sr. Trump para anular as eleições de 2020 não foi apenas um potencial crime.
Ele também violou a regra fundamental da democracia: os políticos devem aceitar os resultados das eleições, ganhando ou perdendo.
Mas isso parecia importar pouco no palco do debate. A mão de Vivek Ramaswamy [1] disparou à frente, e todos os outros principais candidatos o seguiram – alguns com entusiasmo, alguns hesitantemente, e um depois de lançar olhares furtivos à direita e à esquerda.
Esse tipo de comportamento pode aparentar ser relativamente inofensivo – um pequeno ato de covardia política com a finalidade de evitar a ira da base. Mas essa banal aquiescência é muito perigosa.
Autocratas isolados, mesmo os demagogos populares, nunca são capazes de destruir uma democracia.
Os assassinos da democracia sempre têm cúmplices entre os políticos tradicionais nos salões do poder.
A maior ameaça à nossa democracia não vem de demagogos como o Sr. Trump ou mesmo de seguidores extremistas como aqueles que atacaram o Capitólio em 6 de janeiro, mas sim dos políticos comuns, muitos dos quais estavam dentro do Capitólio naquele dia, que o protegem e lhe fornecem meios.
O problema hoje enfrentado pelos líderes republicanos – o surgimento de uma ameaça autoritária popular dentro de seu próprio campo ideológico – não é nada de novo.
Esse problema tem confrontado líderes políticos em torno do mundo durante gerações.
Na Europa dos anos 20 e 30 do século passado, os partidos políticos tradicionais de centro-esquerda e centro-direita tiveram que enfrentar um mundo político em que os extremistas antidemocráticos da esquerda comunista e da direita fascista gozavam de apelo de massa [2].
E em grande parte da América do Sul, durante as polarizadas décadas de 1960 e 1970, os partidos tradicionais descobriram que muitos dos seus membros simpatizavam com guerrilhas de esquerda que defendiam a luta armada ou com grupos paramilitares de direita que defendiam governos militares.
O cientista político espanhol Juan Linz escreveu que quando os políticos tradicionais enfrentam esse tipo de desafio, eles podem agir de duas maneiras.
Por um lado, os políticos podem agir como democratas leais, priorizando a democracia mais do que suas ambições de curto prazo.
Democratas leais devem condenar publicamente o comportamento autoritário e trabalhar para responsabilizar os infratores, mesmo quando esses são seus aliados ideológicos.
Democratas leais devem expulsar extremistas antidemocráticos de seus quadros, recusar-se a endossar suas candidaturas, negar toda colaboração com eles, e, quando necessário, juntar forças com rivais ideológicos para isolá-los e derrotá-los. E devem fazer isso mesmo quando os extremistas são populares dentro de sua base partidária.
O resultado, a História nos ensina, é uma barreira política que pode ajudar a democracia a sobreviver a períodos de intensa polarização e crise.
Por outro lado, muito frequentemente os políticos se tornam o que Mr. Linz denomina de democratas semileais.
À primeira vista, os semilegalistas se parecem com democratas leais.
Eles são elementos políticos respeitáveis e parte do sistema. Eles se vestem com ternos, e não com uniformes camuflados, professam compromisso com a democracia e ostensivamente se comportam de acordo com as regras democráticas.
Nós os vemos no Congresso e nos palácios dos governadores – e nos palcos de debates. Assim, quando as democracias morrem, as impressões digitais dos semileais podem não ser encontradas na arma fatal.
Mas, quando examinamos de perto as histórias das rupturas democráticas, desde o período entre a Primeira e Segunda Guerra Mundiais [3], até a Argentina [4], o Brasil [5] e o Chile [6] nas décadas de 1960 e 1970 e a Venezuela no início do século XXI, nós vemos um padrão claro: os políticos semileais desempenham um papel fundamental na ascensão dos autoritários.
Em lugar de cortar os laços com extremistas antidemocráticos, os semileais os toleram e se acomodam com eles.
Em lugar de condenar e buscar a responsabilização por atos cometidos por seus aliados ideológicos, os semileais fingem que nada veem, negando, diminuindo a importância e mesmo justificando aqueles atos – frequentemente pela via do que é hoje chamado de “whataboutism” [7]. Ou os semileais simplesmente ficam em silêncio.
E quando os semileais são confrontados com a escolha entre unir forças com partidos rivais para defender a democracia ou preservar seu relacionamento com aliados antidemocráticos, os semileais optam por seus aliados.
É exatamente a respeitabilidade dos semileais que os torna tão perigosos.
Como membros do establishment, os semileais podem utilizar suas posições de autoridade para normalizar extremistas antidemocráticos, protegê-los contra esforços para responsabilizá-los perante a lei e empoderá-los através da abertura de portas na mídia tradicional, de doadores de campanha e de outras fontes de recursos.
É este sutil fortalecimento das forças extremistas que pode enfraquecer fatalmente as democracias.
Considerem o exemplo da França. Em 6 de fevereiro de 1934, milhares de homens furiosos e insatisfeitos – veteranos de guerra e membros de milícias de extrema-direita – concentraram-se perto do Parlamento Nacional enquanto os deputados estavam ali dentro preparando-se para eleger um novo governo [8].
Os manifestantes arremessaram cadeiras, grades de metal e utilizaram porretes com lâminas de barbear na ponta para tentar forçar entrada no Parlamento.
Os membros do Parlamento, temendo por suas vidas, tiveram que se esgueirar para fora do prédio. Dezessete pessoas morreram e milhares ficaram feridas.
Embora os revoltosos não tenham conseguido tomar o prédio do Parlamento, eles conseguiram um de seus objetivos: o primeiro-ministro de centro renunciou no dia seguinte e foi substituído por um político de direita.
Embora a democracia francesa tenha sobrevivido ao ataque de 6 de fevereiro ao Parlamento, a resposta de alguns políticos proeminentes enfraqueceu suas defesas.
Muitos políticos de centro e centro-esquerda reagiram como democratas leais, condenando a violência de maneira pública e inequívoca. Mas muitos políticos conservadores não o fizeram.
Membros fundamentais do principal partido conservador, a Federação Republicana, muitos dos quais estavam dentro do prédio do Parlamento naquele dia simpatizaram publicamente com os revoltosos.
Alguns saudaram os insurretos como heróis e patriotas. Outros diminuíram a importância do ataque, negando que tivesse ocorrido um golpe organizado para derrubar o Governo.
Quando uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi criada para investigar os eventos de 6 de fevereiro, os líderes da Federação Republicana sabotaram a investigação a cada passo [9], bloqueando até mesmo os esforços mais modestos de responsabilização legal dos revoltosos.
Protegidos da persecução penal, muitos dos organizadores da revolta foram capazes de prosseguir suas carreiras [10].
Alguns dos revoltosos vieram a formar a “Vítimas do 6 de Fevereiro”, uma fraternidade que depois serviu como um canal de recrutamento para o Governo de Vichy [11], simpatizante do nazismo, estabelecido em consequência da invasão alemã de 1940.
A impossibilidade de fazer os insurretos de 6 de fevereiro responderem por seus atos ajudou a legitimar suas ideias.
Os principais conservadores franceses começaram a aceitar a ideia – até então confinada aos círculos extremistas – de que sua democracia era irremediavelmente corrupta, disfuncional, e infiltrada por comunistas e judeus.
Historicamente, os conservadores franceses tinham sido nacionalistas e vigorosamente antialemães.
Mas, por volta de 1936, muitos deles desprezavam tanto o primeiro-ministro socialista Léon Blum [12] que eles abraçaram o slogan “Melhor Hitler do que Blum”. Quatro anos depois, eles colaboraram com a dominação nazista.
A semilealdade dos principais políticos conservadores fatalmente enfraqueceu o sistema imunológico da democracia francesa. Os nazistas, de fato, finalizaram seu trabalho.
Meio século depois, os políticos espanhóis responderam de modo muito diferente a um violento assalto ao Parlamento.
Após quatro décadas de ditadura, a democracia na Espanha fora restaurada no fim dos anos 1970 [13], mas em seus primeiros anos, foi marcada pela crise econômica e pelo terrorismo separatista.
E, em 23 de fevereiro de 1981, quando o Parlamento estava elegendo um novo primeiro-ministro [14], 200 guardas civis invadiram o prédio e assumiram o controle por força das armas, tomando 350 membros do Parlamento como reféns.
Os líderes do golpe esperavam instalar um general conservador – um tipo de Charles de Gaulle espanhol – como primeiro-ministro.
A tentativa de golpe falhou, graças à rápida e decisiva intervenção do Rei Juan Carlos I [15].
Quase tão importante, entretanto, foi a reação dos políticos espanhóis. Líderes ao longo de todo o espectro político – desde os comunistas até os conservadores que tinham durante longo tempo endossado a ditadura de Franco [16] – denunciaram o golpe com todas suas forças.
Quatro dias depois, mais de um milhão de pessoas desfilaram nas ruas de Madri em defesa da democracia. Na frente do movimento, políticos comunistas, socialistas, centristas e conservadores franquistas desfilaram lado a lado, deixando à parte suas rivalidades partidárias para juntos defenderem a democracia.
Os líderes do golpe foram presos, julgados e sentenciados a longas penas de prisão. Golpes se tornaram virtualmente impensáveis na Espanha, e a democracia fincou raízes.
Assim é como a democracia é defendida. Democratas leais juntam forças para condenar ataques à democracia, isolar os responsáveis por tais ataques e fazê-los responder por seus atos.
Infelizmente, o atual Partido Republicano lembra mais a direita francesa dos anos 1930 do que a direita espanhola do início dos anos 1980.
Desde a eleição de 2020, os líderes republicanos têm permitido o autoritarismo em quatro momentos decisivos.
Primeiro, em lugar de aderir à regra fundamental de aceitar os resultados da eleição após Joe Biden vencer naquele mês de novembro, muitos líderes republicanos questionaram os resultados ou permaneceram em silêncio, recusando-se a reconhecer publicamente a vitória de Mr. Biden.
O vice-presidente Mike Pence não ofereceu congratulações à sua sucessora, Kamala Harris, até meados de janeiro de 2021.
O “Republican Accountability Project” (Projeto Republicano de Responsabilização), um grupo republicano de vigilância democrática, avaliou as declarações públicas de 261 membros Republicanos do 117º Congresso após a eleição.
Eles verificaram que 221 dos deputados tinham publicamente expressado dúvida sobre a legitimidade de Mr. Biden ou não tinham reconhecido publicamente sua vitória. Isso equivale a 85 por cento.
E nos dias seguintes ao levante de 6 de Janeiro, quase 2/3 dos deputados republicanos votaram contra a certificação dos resultados.
Se os líderes republicanos não tivessem encorajado o negacionismo eleitoral, o movimento “parem o roubo” poderia ter se detido, e milhares de apoiadores de Trump poderiam não ter atacado violentamente o Capitólio em seu esforço para invalidar a eleição.
Segundo, após Mr. Trump ser impedido [17] pela Câmara dos Deputados por causa da Insurreição de 6 de janeiro de 2021, os senadores republicanos esmagadoramente votaram para absolvê-lo [18], mesmo que muitos reconhecessem que, nas palavras do senador Mitch McConnell, o presidente fosse “prática e moralmente responsável” pelo ataque.
A absolvição permitiu que Mr. Trump continuasse sua carreira política a despeito de ter tentado impedir a transferência pacífica do poder. Se Trump tivesse sido condenado pelo Senado, ele teria sido legalmente impedido de concorrer novamente à Presidência.
Em outras palavras, os senadores republicanos tiveram uma clara oportunidade de assegurar que uma figura abertamente antidemocrática não iria nunca mais ocupar a Casa Branca — mas 43 deles, incluindo Mr. McConnell, recusaram essa oportunidade.
Terceiro, os líderes republicanos poderiam ter trabalhado em conjunto com os democratas para criar uma Comissão Independente para investigar o levante de 6 de janeiro.
Se ambos partidos juntassem suas forças para buscar a responsabilização pela insurreição, os eventos daquele dia teriam entrado para a história dos Estados Unidos (e provavelmente teriam sido aceitos como tal pela larga maioria dos americanos) como um ataque criminoso à nossa democracia que nunca mais deveria ser permitido, da mesma maneira como ocorrera com a tentativa de golpe na Espanha em 1981.
A recusa dos líderes republicanos em apoiar uma investigação independente destruiu qualquer consenso possível em torno do 6 de janeiro, tornando muito improvável que os americanos venham a desenvolver uma visão comum de que tais eventos são inaceitáveis.
Finalmente, com notavelmente poucas exceções, os líderes republicanos dizem que ainda irão apoiar Mr. Trump mesmo se ele for condenado por conspirar para invalidar uma eleição.
Existem alternativas. O Comitê Nacional Republicano poderia declarar que o partido não irá indicar um elemento que é uma ameaça à democracia ou que foi denunciado por graves acusações criminais.
Ou os líderes republicanos poderiam declarar conjuntamente que, pelo bem da democracia, eles irão endossar Mr. Biden se Mr. Trump for o candidato republicano.
Tal atitude iria, de fato, destruir as chances do Partido Republicano em 2024. Ao manter Mr. Trump longe da Casa Branca, isso ajudaria a proteger nossa democracia.
Se os líderes republicanos continuarem a endossar Mr. Trump, eles irão normalizá-lo novamente, dizendo aos americanos que ele é, afinal, uma alternativa aceitável. A disputa de 2024 irá se tornar outra eleição normal vermelho versus azul [19], como foi em 2016. E, como em 2016, Mr. Trump poderá vencer.
A aquiescência dos líderes republicanos com o autoritarismo de Mr. Trump não é nem inevitável nem inescapável. É uma escolha.
No Brasil, há menos de um ano atrás, políticos de direita escolheram outro caminho.
O presidente Jair Bolsonaro, que fora eleito em 2018, era um político de extrema direita que louvava tortura, esquadrões da morte e assassinatos políticos.
Do mesmo modo com ocorreu com Mr. Trump em 2020, Mr. Bolsonaro enfrentou uma difícil batalha pela reeleição em 2022.
E, da mesma maneira como Mr. Trump, ele tentou minar a confiança do público no sistema eleitoral, atacando-o como manipulado e buscando substituir o sofisticado sistema de voto eletrônico do país por um sistema de cédulas de papel mais vulnerável à fraude.
E, a despeito de alguns golpes baixos no dia da eleição (bloqueios policiais impediram o acesso de eleitores às urnas nos pontos fortes da oposição no Nordeste), Mr. Bolsonaro, como Mr. Trump, perdeu por pequena margem.
Mas as semelhanças acabam aqui. Enquanto muitos líderes republicanos se recusaram a reconhecer a vitória de Mr. Biden, muitos dentre os maiores aliados políticos de Mr. Bolsonaro, incluindo o presidente do Congresso e os recém-eleitos Governadores de Estados poderosos como São Paulo e Minas Gerais, inequivocamente reconheceram sua derrota por Luiz Inácio Lula da Silva, o vencedor na noite da eleição.
Embora Mr. Bolsonaro permanecesse em silêncio, quase nenhum político brasileiro importante questionou os resultados da eleição.
Da mesma forma, em 8 de janeiro de 2023, quando furiosos apoiadores de Bolsonaro, tentando provocar um Golpe de Estado, invadiram o Congresso, o gabinete do Presidente e o prédio do Supremo Tribunal em Brasília, os políticos conservadores condenaram veementemente a violência.
De fato, muitos deles encabeçaram o pedido de abertura de uma investigação do Congresso sobre a insurreição.
E quando o Tribunal Superior Eleitoral proibiu Bolsonaro de concorrer a cargos públicos até 2030 (por abuso do seu poder político, por espalhar desinformação e fazer acusações infundadas de fraude), a reação entre os políticos de direita foi nenhuma.
Embora a decisão do Tribunal Eleitoral seja controvertida, poucos políticos brasileiros atacaram a legitimidade do Tribunal ou defenderam Bolsonaro como vítima de perseguição política.
Mr. Bolsonaro não está apenas impedido de concorrer à Presidência na próxima eleição; ele está politicamente isolado. Para os republicanos dos EUA, então, o Brasil oferece um modelo.
Muitos dos políticos tradicionais que estão promovendo o colapso da democracia não são autoritaristas comprometidos com destruir o sistema; eles são carreiristas que estão apenas se empenhando em seguir em frente.
Eles são menos oponentes da democracia do que indiferentes a ela. O carreirismo é uma parte normal da política. Mas, quando a democracia está em jogo, colocar a ambição política acima de sua defesa pode ser fatal.
Mr. McConnell, presidente da Câmara dos Deputados, Kevin McCarthy e outros importantes líderes republicanos não estão tentando matar a democracia, mas eles colocam a defesa da democracia abaixo de seus interesses pessoais e partidários.
Essa indiferença irresponsável poderá fazer deles parceiros indispensáveis na derrocada da Democracia.
Eles estão se arriscando a compor a longa lista de políticos semileais que povoam as histórias da Europa entreguerras e da América Latina da Guerra Fria que sacrificaram a democracia no altar das conveniências políticas. Os eleitores norte americanos devem responsabilizá-los por isso.
*Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Ciência Política na Universidade de Harvard, nos EUA, são os autores do livro “Como as Democracias Morrem”.
11 de setembro de 1973.O golpe de Estado dos militares chilenos contra o presidente Salvador Allende levou-o ao suicídio. A imagem acima registra o momento em que o seu corpo está sendo retirado da sede do governo do Chile, a sede do governo. A foto é da AP; seu copyright expirou em 11 de setembro de 2023, quando o golpe completou 50 anos.
CARLOS CLETO: NOTAS EXPLICATIVAS
[1] Vivek Ramaswamy é um milionário norte-americano, com posições de extrema-direita, sem experiência política anterior, que se lançou candidato à presidência nas primárias do Partido Republicano.
[2] Os autores não mencionam, mas a ascensão de Hitler ao poder supremo se deu neste ambiente político: nas eleições de novembro de 1932, os nazistas haviam perdido dois milhões de votos e 34 lugares no Parlamento Alemão (“Reichstag”) em relação às eleições de julho de 1932, e tinham apenas um terço das cadeiras do Reichstag.
Mas, os políticos tradicionais da direita e centro-direita, em lugar de defender as instituições contra a ameaça nazista, chamaram Hitler para ser primeiro-ministro (“Reischskanzler”), pensando que poderiam controlá-lo. Hitler destruiu as Instituições democráticas em menos de dois meses e assumiu poder total.
[3] No período entre o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918 e o início da Segunda, em 1939, regimes fascistas foram implantados na Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e Áustria, em todos os casos com apoio de partidos tradicionais, incluindo, em todos aqueles casos, os partidos conservadores ligados à Igreja Católica.
Na Alemanha, o Partido Católico de Centro, do Monsenhor Ludwig Kaas, aliou-se aos nazistas para viabilizar o Ato de Autorização de 23 de Março de 1933 que transformou Hitler em ditador.
Na Itália, o Papa Pio XI desautorizou os membros do clero que se opunham a Mussolini, e endossou a criação da Unione Nazionale, o Partido Católico Pró-Fascista.
[4] A Argentina é o mais triste exemplo dos efeitos perversos da aliança entre políticos tradicionais e autoritarismo militar. Golpes de Estado se sucederam continuamente desde 1932: 1932, 1943, 1944, 1955 (para derrubar Juan Domingo Perón, democraticamente eleito), 1955 (para derrubar o general Lonardi que derrubara Perón), 1962, 1966, 1970 (para derrubar o general Ongania), 1971 (para derrubar o general Levingston), 1976, 1981 (para derrubar o general Viola) e 1982 (para derrubar o general Galtieri).
Em todos esses golpes, os militares tiveram apoio de partidos tradicionais, em especial da UCR – União Cívica Radical, cujo ódio ao peronismo superava qualquer intuito de preservar a democracia.
Um símbolo dessa aliança fatal entre as forças autoritárias e políticos tradicionais é a sinistra figura de Ricardo Balbín, o multicandidato sempre derrotado da UCR à Presidência.
Derrotado por Perón em 1951, apoiou o golpe militar de 1955. Derrotado por Arturo Frondizi em 1958, apoiou o golpe militar de 1962. Derrotado por Hector Campora e por Perón nas duas eleições de 1973, apoiou o golpe militar de 1976.
[5] Em 1964, o golpe militar contra o presidente João Goulart foi deflagrado com o apoio e estímulo não só do partido direitista UDN, mas também da maioria do PSD. Em 11 de abril de 1964, o Congresso elegeu indiretamente o Marechal Castello Branco para a Presidência da República, com os votos, entre outros, de Ulysses Guimarães (depois conhecido como “Senhor Diretas”) e Juscelino Kubitschek (cassado pela ditadura em menos de dois meses).
[6] No Chile, a democracia cristã não mediu esforços para solapar o governo do socialista Salvador Allende, e ao fim apoiou ativamente o sangrento golpe militar de 11 de setembro de 1973, ajudando a implantar uma das tiranias mais brutais que a América Latina já conheceu.
[7] No jargão político norte-americano, “whataboutism” é a técnica de responder a uma acusação fazendo uma contra-acusação (“E o petrolão, como é que fica ?”) ou levantando um assunto diferente (“Como é que vai ficar a economia se o PT voltar ?”).
[8] A França tinha então um regime Parlamentarista dilacerado pela incapacidade de criação de uma maioria parlamentar estável.
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, 24 governos tinham se sucedido em menos de 16 anos. O então primeiro-ministro, Edouard Daladier, era de centro-esquerda, e os manifestantes acusavam os governos de seu partido de “corrupção generalizada”, o que era apenas uma mal disfarçada justificativa para a formação de um governo de extrema direita.
[9] Os tempos passam, o lugar é outro, mas a semelhança com as atitudes da oposição na CPMI dos Atos Democráticos é muito mais do que mera coincidência.
[10] Para Pierre Laval, Joseph Darnand, Pierre Pucheu, Marcel Bucard, Robert Brasillach e Fernand de Brinon, essas carreiras os levaram a ocupar altos cargos no Regime Colaboracionista de Vichy durante a ocupação nazista da França, e terminaram perante o pelotão de fuzilamento.
Charles Maurras, seu mais importante líder ideológico, se salvou da pena de morte pela idade avançada e pela respeitabilidade de ser membro da Academia Francesa, mas recebeu pena de prisão perpétua.
[11] Em 1940, a França, dividida internamente e enfraquecida, desmoronou em poucas semanas após a invasão nazista. Depois do armistício, a Alemanha nazista ocupou a maior parte da França, mas permitiu o estabelecimento de um governo colaboracionista para parte restante do país, estabelecido na pequena cidade de Vichy.
[12] Léon Blum foi o primeiro socialista a ocupar o cargo de primeiro-ministro da França, no governo da “Frente Popular”, que reuniu o Partido Socialista, o Partido Comunista e o Partido Radical-Socialista (que apesar de seu nome, nada tinha de “radical” no sentido que damos a essa palavra em português, e muito pouco tinha de socialista, sendo basicamente um partido de centro com algumas concessões à Justiça Social).
Grande parte do ódio que a direita lhe dedicava decorria do anti-semitismo, porque Blum era judeu. Blum sobreviveu ao aprisionamento pelos nazistas para ser novamente primeiro-ministro em 1947.
[13] Em 1936, um golpe militar apoiado pelos partidos conservadores degenerou em uma das mais horrorosas guerras civis da História, que acabou em 1939 com o estabelecimento da ditadura fascista de Francisco Franco, “Caudillo de España por la gracia de Dios”.
Franco decidiu restabelecer a monarquia na Espanha, após sua morte, e para isso convenceu o filho do Rei da Espanha Alfonso XIII, que fora deposto em 1931, a confiar-lhe seu próprio filho, Príncipe Juan Carlos, para ser educado sob os cuidados do ditador desde os dez anos de idade. Quando Franco morreu em 1975, Juan Carlos foi coroado Rei da Espanha, e para surpresa geral, iniciou um processo de redemocratização, que foi concluído em 1978 com a aprovação da Constituição Democrática da Espanha.
[14] O primeiro-ministro Adolfo Suárez tinha dirigido a parte mais difícil da transição para a democracia, e decidira se retirar do cargo, entregando-o a seu colega de partido, Leopoldo Calvo-Sotelo.
[15] O Rei convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão, e apareceu fardado de Almirante, como comandante em chefe das Forças Armadas, exigindo de todos os militares obediência total ao Governo Civil. O Rei também instalou um governo de emergência, formado pelos Secretários-Gerais de cada Ministério, porque os ministros estavam todos reféns dos golpistas dentro do prédio do Parlamento.
[16] O jornalista Javier Cercas escreveu um belíssimo livro sobre aquele golpe fracassado, “Anatomia de un Instante”, onde conta um episódio interessantíssimo envolvendo um antigo franquista e um comunista histórico, que tinham combatido em lados opostos na batalha final da Guerra Civil, a Queda de Madrid.
Gutiérrez Mellado era um alto general franquista, que após a coroação do Rei Juan Carlos I foi o principal fiador militar da “Transición” para a democracia, ocupando os cargos de vice-primeiro ministro e ministro da Defesa.
Quando os golpistas invadiram o Parlamento, o septuagenário magérrimo partiu para cima dos golpistas ordenando que lhe entregassem as armas, foi pessoalmente agredido pelo líder da invasão, tenente-coronel Tejero Molina, que tentou derrubá-lo com uma rasteira mas não conseguiu.
Santiago Carrillo era um antigo líder comunista, que fora derrotado na Guerra Civil 1936-1939, e recusou a abaixar-se quando os golpistas ordenaram “todos ao chão”. Apenas três homens ficaram em pé: o primeiro-ministro Suárez, o general Gutiérrez Mellado e o Comunista Santiago Carrillo.
Os golpistas retiraram Gutiérrez Mellado e Santiago Carrillo do plenário e os prenderam na Sala dos Relógios; ficaram presos na mesma sala os antigos adversários da Queda de Madrid.
Javier Cercas conta:
“No se dijeron una sola palabra, pero intercambiaron infinidad de miradas y de cigarrillos. A pesar de que casi tenían la misma edad y llevaban casi cuatro años compartiendo los pasillos del Congreso, se conocían poco, apenas habían hablado más que de forma ocasional o protocolaria, apenas los unía otra cosa que su amistad con Adolfo Suárez: casi todo lo demás los separaba; sobre todo los separaba la historia.
Ambos lo sabían: la diferencia es que Gutiérrez Mellado, que creía saberlo con mayor precisión, nunca aludió a ello (no al menos en público), mientras que Carrillo lo hizo en varias ocasiones. En una entrevista concedida al cumplir noventa años, el antiguo secretario general del PCE recordaba que durante aquellas horas de cautiverio, mientras escuchaba la tos de bronquítico de Gutiérrez Mellado y lo veía deshecho y envejecido en su silla, pensó más de una vez en la extraña e irónica figura que el destino los estaba obligando a componer, “En 1936 este general era uno de los jefes de la quinta columna en Madrid-pensó-. Y yo era el consejero de Orden Público y tenía la misión de luchar contra la quinta columna. En aquel momento éramos enemigos a muerte y esta noche estamos aquí, juntos, y vamos a morir juntos”.”
Quando saem do Parlamento, o antigo fascista e o comunista de sempre se abraçam na rua, e assim foram filmados.
Pouco antes de morrer, Carrilo, em uma entrevista emocionante assim narrou os acontecimentos daquela noite. Veja vídeo abaixo.
Pela valentia naquela noite, o rei fez do general um marquês. Quis fazer o mesmo com Carrillo, que declinou a honraria. Morreu pobre, aos 97 anos.
[17] No original, “after Mr. Trump was impeached”. Nos EUA como aqui, o processo de Impeachment tem duas fases: na primeira, a Câmara dos Deputados aprova a abertura do processo, na segunda, o Senado vota por acolher ou não o pedido de Impeachment.
[18] No Senado, o pedido de Impeachment de Trump obteve 57 votos, ficando aquém dos 2/3 (67 votos) necessários à condenação. Dos 50 senadores republicanos, 43 (86%) votaram pela absolvição de Trump.
[19] Por convenção jornalística que data da época em que os jornais eram impressos apenas com as tintas preta, azul e vermelha, os mapas eleitorais costumavam ser impressos com os estados democratas em azul e os Estados Republicanos em vermelho.
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Comentários
Zé Maria
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“Os Assassinos da Democracia Sempre Têm Cúmplices”
[e Co-Autores, e Mandantes, e Patrocinadores …]
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José de Souza
Para a grande maioria dos atores políticos, a democracia é meramente instrumental, não um principio civilizatório. Por isso que o cientista político Robert Dahl, no seu clássico “Poliarquia”, antes de enunciar os critérios democráticos impõe alguns axiomas. Basicamente, diz que a democracia só é possível se o custo político para solapá-la for muito alto, tão alto que inibe qualquer um a atentar contra ela. Esse é o desafio da sociedade civil: elevar o custo político da ruptura democrática a níveis estratosféricos. Única forma de prevenir golpes e retrocessos.
Luiz Mattos
Sem duvida é gritante a alta qualidade do Viomundo, matérias interessantes didaticas e inteligentes
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