Ligia Bahia: Grupo privatista da Saúde no Conselhão acende sinal de alerta sobre o futuro do SUS
Tempo de leitura: 5 minPor Conceição Lemes
Em evento realizado no Palácio do Itamaraty, em Brasília, e decreto oficial publicado no Diário Oficial da União, o governo federal formalizou em 4 de maio a retomada do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o chamado Conselhão.
O objetivo é resgatar um importante espaço de diálogo com a sociedade brasileira, que funcionou até 2019, quando foi extinto.
“Nenhum governo, por mais competente, responsável e humanista que seja, é capaz de resolver sozinho os problemas de um país. Por isso a convocação deste Conselho e de outras instâncias de participação popular’’, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a instalação do colegiado.
São 246 conselheiros, dos quais 14 ligados a algum segmento da área da Saúde:
Candido Pinheiro Koren de Lima Junior, presidente do Conselho de Administração e vice-presidente comercial do grupo Hapvida.
Claudio Luiz Lottenberg, presidente da mesa diretora e do Conselho Deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein e da Confederação Israelita do Brasil (Conib).
Eduardo Calderari, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
Edvaldo Vieira, CEO da Amil.
Janete Vaz, presidente do Conselho de Administração do Grupo Sabin.
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Jorge Moll Filho, presidente do Conselho de Administração da Rede D’or São Luiz.
José Seripieri Filho, o Júnior, fundador da Qualicorp e dono da Qsaude.
Ludhmila Hajjar, professora associada da Faculdade de Medicina da USP, coordenadora da cardio-oncologia do Incor (Instituto do Coração) e da cardiologia do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo).
Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo).
Patriciana Maria de Queirós Rodrigues, presidente do Conselho de Administração das Farmácias Pague Menos
Pedro de Godoy Bueno, CEO do grupo Dasa.
Roberto Kalil Filho, diretor clínico e de cardiologia do Incor-SP, professor livre-docente da Faculdade de Medicina da USP e diretor-geral do centro de cardiologia do Hospital Sírio-Libanês
Rosana Onocko-Campos, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É atual presidenta da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Viviane Sedola, fundadora e CEO da empresa Dr. Cannabis, que se fundiu com a Cannect, onde diretora de educação.
O Viomundo confirmou os 14 nomes com o Ministério de Relações Institucionais, a instância governamental que coordena o colegiado.
O grupo da Saúde no Conselhão é este mesmo.
As credenciais públicas e o histórico profissional dos 14 conselheiros demonstram que:
* A médica sanitarista Rosana Onocko-Campos é a única que, de fato, defende, pública e enfaticamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) Constitucional, igualitário, universal e gratuito (veja PS do Viomundo).
* Representantes do setor privado da saúde, entre os quais empresários, são a maioria.
Logo, têm agendas e interesses opostos às políticas preconizadas pelos Conferências e Conselhos de
Saúde e às entidades de participação social do SUS.
Automaticamente, estes dois questionamentos me vieram à cabeça:
— Como podem orientar o governo na área de saúde pública, já que a agenda deles é a privatização do setor?
— O governo espera que eles possam agir contra os próprios interesses?
Logo descobri que o espanto não era só meu.
Vários médicos estranharam a composição do grupo da Saúde no Conselhão.
Entre eles, a médica sanitarista Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como afirma nesta entrevista.
Viomundo – Qual a sua primeira reação ao ler os nomes da Saúde no Conselhão?
Ligia Bahia – Perplexidade. Não foi só minha. Mas de muitos colegas. Cheguei a pensar que tivesse havido erro na divulgação dos nomes. Depois, percebi que não.
Viomundo — Considerando que a agenda deles é a privatização da saúde, como podem orientar o governo na área de saúde pública?
Ligia Bahia — No Brasil que acaba de experimentar uma tragédia sanitária, a expectativa de recriação de instância participativa para assessorar diretamente o Presidente da República era de ver presentes os que tocam o SUS, os que deram a cara a tapa para mitigar mortes e sequelas.
Seria previsível também incluir representantes da enfermagem, agentes comunitários da saúde, infectologistas, cientistas, tanta gente que esteve incansavelmente no front da batalha contra o desprezo pelas vidas da população brasileira.
Mas não foi isso que aconteceu.
Por isso, desde que foram divulgados os nomes da Saúde no Conselhão. uma pergunta ronda a minha cabeça: Se houver outra emergência sanitária são essas pessoas que irão auxiliar o Presidente a encontrar as melhores alternativas?
Viomundo – A senhora acha que eles são capazes de agir contra os próprios interesses?
Ligia Bahia — Os interesses e pautas da imensa maioria da “bancada saúde” do Conselhão são bem conhecidos:
— aumento da comercialização de bens e serviços em farmácias e drogarias
— barganhas por não pagamento, redução de impostos e contribuições e anistia de dívidas
— cessão de terrenos públicos a empresas privadas setoriais
— preservação de benefícios de filantropia para serviços que não atendem pessoas do SUS
— ao mesmo tempo, fixação e manutenção de reajustes de preços elevados para ações assistenciais
— extensão de prazos de patentes
— concessão de empréstimos e créditos de instituições governamentais.
São todas iniciativas anti-SUS.
Assim, a menos que as agendas empresariais tenham virado de cabeça para baixo, esse conjunto de iniciativas anti-SUS ficará mais próxima da Presidência da República.
Não consigo vislumbrar os critérios que embasaram as escolhas. Sinceramente, para mim, são de difícil compreensão.
Viomundo — Como fica a relação entre o grupo da Saúde no Conselhão e o Conselho Nacional de Saúde (CNS)?
Ligia Bahia — É a pergunta que teremos agora que deslindar. Do jeito que está, nós temos dois fóruns.
Um voltado para a inserção da saúde em um projeto de nação econômica e socialmente desenvolvida e sustentável. O outro mais focado na temática da saúde.
Como se sabe, Conselhos e Conferências de Saúde têm estatuto legal, tanto que resistiram ao desmonte bolsonarista, e precedem a criação do “Conselhão.” Podem ser instâncias articuladas entre si, desde que o projeto de nação apoie e implemente o SUS Constitucional, igualitário, universal e gratuito.
O problema é que, como já disse, a não ser as agendas empresariais tenham por milagre virado de cabeça para baixo, o Conselhão irá enfatizar políticas de privatização da saúde opostas àquelas preconizadas pelas Conferências e Conselhos de Saúde.
A opção preferencial pelos ricos e saudáveis e atividades comerciais com produtos da saúde dos representantes no Conselhão não se coaduna com sequer com a cor/raça e gênero da maioria dos integrantes das entidades que compõem os fóruns de participação social do SUS.
Governos democráticos podem e devem auscultar e estimular processos participatórios amplos incluindo interesses privatistas. O que precisamos evitar é a inversão das prioridades com o risco do Conselho Nacional de Saúde se tornar um ‘conselhinho’.
Empresários em um fórum e o SUS em outro podem intensificar a fragmentação e segmentação do sistema de saúde. O sinal de alerta acendeu: essa clivagem não está orientada para a efetivação do SUS.
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O QUE DIZ O MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS
O Ministério das Relações Institucionais (MRI), como já dissemos no início, coordena o Conselhão.
Por isso, via assessoria de imprensa, fiz ao MRI os mesmos questionamentos que me vieram à cabeça ao confirmar que representantes da saúde privada são a maioria do grupo da Saúde no Conselhão:
— Como podem orientar o governo na área de saúde pública, já que a agenda deles é a privatização do setor?
— O governo espera que eles possam agir contra os próprios interesses?
Segue a íntegra da resposta do Ministério das Relações Institucionais:
Composto por 246 integrantes, o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) contempla as áreas mais importantes para a sociedade brasileira, como o setor da Saúde.
As discussões no âmbito do Conselhão serão feitas em grupos de trabalho e comissões temáticas, e representantes de órgãos públicos serão chamados para participar.
Cabe destacar que uma das principais características do Conselhão, criado em 2003, no primeiro mandato do presidente Lula, é o debate aberto, com opiniões divergentes, que acaba resultando em melhorias.
Políticas públicas como o Minha Casa Minha Vida nasceram de debates iniciados no âmbito do colegiado.
PS do Viomundo — Para evitar quaisquer dúvidas em relação à posição da médica sanitarista e professora Rosana Onocho-Campos, o texto foi atualizado, detalhando que, dos 14 conselheiros, é a única que, de fato, defende, pública e enfaticamente, o SUS Constitucional, igualitário, universal e gratuito.
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Comentários
Andre
“Entre eles, a médica sanitarista Ligia Bahia, professora da Universidade Federal de São Paulo (UFRJ), como afirma nesta entrevista.”
Correção, por favor: Universidade Federal do Rio de Janeiro!
Redação
Claro, André. Gratíssima pelo alerta. Vou corrigir já. Abraço
Zé Maria
Menos mal que esse tal Conselhão é só uma Instância Consultiva
E ainda bem que temos o Conselho Nacional de Saúde (CNS) que, inclusive, realizará a 17ª Conferência Nacional de Saúde de 2 a 5 de julho de 2023,
juntamente com o Ministério da Saúde.
https://conselho.saude.gov.br/17cns
Sandra Rezende
É lamentável que no Conselho tenha uma única pessoa que defenda o SUS Constitucional, igualitário, universal e gratuito. Quantos “pepinos” Lula terá que aguentar com esse governo de coalizão. Órgãos públicos lotados de bolsonaristas ainda com função de confiança é desanimador. E pensar que ainda teremos mais 1390 e poucos dias de tensão. Que Deus abençoe nosso Presidente!
José Sousa Lima
A acao prática deste governo de ALIANCA com setores patronais demonstra o ataque ao SUS e o incentivo a privatizacao dos serviços públicos.
José Sousa Lima
A acao prática deste governo de ALIANCA com setores patronais demonstra o ataque ao SUS e o incentivo
Gustavo Costa lima
A dra Ligia Bahia tem toda razão. O governo precisa explicar sobre essa composição privatista do conselho para tratar sobre saúde pública. E nomear as raposas para cuidar do galinheiro. Uma vergonha. Acorda Lula!
Laudicea Andrade
As empresas de plano de saúde têm abusado não somente nos preços como na falta de cumprir com seus compromissos com os contratos assinados , cadê ANS?
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