Lula, o labirinto e seu Minotauro
Por Roberto Amaral*
O labirinto em que se encontra o presidente Lula – no esforço por dar caráter ao seu governo, que se espera desenvolvimentista – é formado por uma sequência incontável de desvios, túneis, alçapões e armadilhas arquitetados pela casa-grande, para quem a tragédia social é uma irrelevância. Guarda-o um Minotauro ferocíssimo e insaciável.
O método da classe dominante, que às vezes se vale do codinome de “mercado”, é asfixiar o novo governo, imobilizá-lo, impedi-lo de promover as reformas prometidas ao eleitorado e reclamadas pela História.
A alternativa que sobra ao mandatário é também seu suicídio: adotar como sua a política do establisment. Permanecer no governo renunciando à governança.
A Lula foi concedida, em 2022, a disputa eleitoral, negada em 2018 pela aliança de um STF covardemente genuflexo com um general exacerbadamente golpista.
Honrando sua biografia, o petista em campanha prometeu um governo voltado à defesa dos mais pobres, ao combate ao desemprego e à fome, cuja necessidade, por si só, é o atestado de nosso fracasso como nação.
Nas ruas conquistou o direito à posse presidencial, ainda que aos trancos e barrancos, e a um custo que a história contabilizará. Com o apoio do país indignado venceu um putsch fascista animado pela solidariedade nem sempre silenciosa dos fardados.
Mas, não obstante tantos feitos, a governança é hoje seu desafio maior. Não se trata, tão-só, da incolumidade do mandato conferido em eleição plebiscitária, mas da realização de um projeto que tanto mira o aqui e o agora – o refazimento do Estado social – quanto o futuro imediato, com a criação de condições políticas de enfrentamento da ameaça fascista, abalada, mas não sepultada pela derrota eleitoral (ao cabo de votação mais do que expressiva) do ex-capitão de extrema-direita.
O necessário bom êxito do governo Lula, por óbvio, não interessa ao sistema empresarial-militar (intocado) que vem regendo o país desde o golpe de 2016, e que constitui a retaguarda financeira e logística do conservadorismo hegemônico.
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A arte de governar, sob a cartilha da dominação de classe, ensina proceder exclusivamente às mudanças que nada mudam, ou então governar em condomínio. Os trilhos pelos quais transitaria o governo são demarcados pelo grande capital e, por consequência, pela grande imprensa, pelo congresso reacionário, pelos rentistas e especuladores.
Lula resiste e engendra o salto para fora do labirinto.
Para disputar as eleições, o presidente montou a mais ampla coligação de partidos e interesses políticos e econômicos jamais conhecida na história republicana.
Para governar estendeu-a ainda mais, caminhando o quanto pôde à direita, até ao Centrão, onde, salvo engano, fincou o último marco.
Mesmo assim depara-se com dificuldades para levar a cabo seu programa de governo, um projeto de caráter simplesmente social-democrata, despido de qualquer insinuação revolucionária; dele poder-se-á dizer que, atento às circunstâncias herdadas, persegue um reformismo moderado e o fortalecimento das instituições democráticas tais quais são, ou seja, nada que altere ou mesmo de leve ameace o atrasado capitalismo que nos molesta.
O sistema, porém, no meio do qual manobra o Banco Central, diz ao presidente que lhe falta legitimidade para gerir sua própria política econômica, nada obstante o respaldo de 52% do eleitorado às teses expostas na campanha eleitoral.
Diariamente, faça chuva ou faça sol, os editoriais dos grandes jornais, os comentaristas de televisão transformados em cientistas políticos e multiespecialistas, todos dizem ao governo o que lhe compete fazer e o que não pode fazer: fundamentalmente cumpre-lhe pagar os juros escorchantes estabelecidos e cobrados pela banca, e deixar de investir (ou “gastar”, segundo o vocabulário monetarista neo-liberal).
Os banqueiros e seus agentes, nas dezenas de “consultorias”, corretoras, casas de crédito e quejandas (umas formadas por ex-diretores do Banco Central, outras por futuros diretores do Banco Central), liderados pelo presidente da autoridade monetária, enfant gâté da grande mídia, conduzem o debate econômico em torno da balela de que juro alto combate a inflação e “gera confiança nos investidores”.
O presidente da república, afrontado em suas competências, vendo ameaçada a realização de seu programa de governo, é criticado por protestar contra uma taxa Selic de 13,5% contra uma inflação de 3,5%.
Voltamos a ser campeões, desta feita de juros altos, os mais altos do mundo, ao tempo em que somos a segunda mais injusta sociedade do planeta.
Que nos dizem esses juros?
O encarecimento da dívida pública onera o governo (o orçamento da União legado pelo bolsonarismo prevê 247 bilhões de reais para o pagamento de juros e encargos da dívida) ao tempo em que beneficia os rentistas, cujos interesses se materializam na política do BC que intensifica o desaquecimento de uma economia já estagnada, quando precisamos investir algo equivalente a 22% do PIB, e presentemente só investimos 18%.
A política contracionista – aumento dos juros e cortes de gastos – é receitada no momento em que os bancos privados, ameaçados em seus lucros pela crise do grande varejo, optam pela retração do crédito. Juntem-se juros altos e crise de crédito com corte expressivo de gastos e temos as portas abertas para um ataque recessivo, após anos de estagnação econômica denunciada por um PIB que há seis anos não ultrapassa os 2%!
Este, o projeto político vocalizado pelo BC e tonitruado pelos “especialistas” da grande mídia.
O desafio presente, para as forças progressistas, é assegurar ao presidente Lula condições de levar a cabo seu projeto de recuperação econômica e política do país.
Esse desafio, urgente e ingente, ressente-se, porém, da fragilidade dos partidos de sustentação do governo – já agravada pelo descenso do movimento popular e das organizações sindicais –, de que resulta a necessidade de composição com os donos do poder, o chamado establishment: um consórcio de forças poderosas que compreende o grande capital e seus inumeráveis segmentos e agentes, como a corporação militar e suas ramificações, fardadas ou não, o poder legislativo (onde somos minoria), o poder judiciário, empoderado, e os setores religiosos, de um modo geral conservadores.
Lula só fará o que quer que seja próximo de seus compromissos de vida e de campanha se em seu governo o país se reencontrar com o desenvolvimento, o que, com os dados de hoje – e se não for possível quebrar a hegemonia do BC “independente” e seus satélites –, trata-se de mero sonho de uma noite de verão, em face dos custos do dinheiro que inviabilizam a produção, mas fazem a festa dos especuladores, a erva daninha que tomou o lugar dos empresários e hoje é a fração mais poderosa da classe dominante brasileira, herdeira da casa-grande, a comandar o país a partir da Faria Lima – a casamata dos rentistas que se financiam lá fora a juros baixos para aplicar aqui, sem risco cambial, com a taxa de juros estratosférica que eles mesmo estabelecem para seu lucro parasitário, em prejuízo da economia como um todo, impedindo investimentos e agravando o custo da dívida pública (arcada pelo Estado), cujo peso termina recaindo sobre toda a população.
Ao controlar o BC e ditar a política monetária, a banca se permite estabelecer que o Estado deverá financiá-la por meio da emissão de dívida (assim eliminando o risco inerente a toda atividade produtiva), e ainda determinar o valor que aceita receber (hoje, uma taxa básica muito acima da inflação).
E se o governo da vez ousa reclamar, em defesa dos compromissos assumidos com a população, o aparato comunicacional vocifera, em uníssono, denunciando “intervencionismo”, “populismo fiscal”, “gastança” e assim por diante.
É uma completa inversão: o mercado financeiro, que nasce com uma função suplementar, secundária em relação à economia real dos países, assenhorando-se da política econômica…
Pesa sobre nosso destino uma classe dominante avessa à produção e ao trabalho, inimiga da imaginação e do pioneirismo, que opta pela desindustrialização e retorna ao arcaísmo da economia primário-exportadora e do rentismo.
O atraso do país, absoluto e relativo, o descompasso face às nações contemporâneas que realizaram suas respectivas revoluções industriais, é fruto de opção consciente de nossas elites, desde sempre alienadas.
Seu legado é um projeto de dependência política, ideológica e econômica sustentado por um estado estruturalmente autoritário, um autoritarismo larvar, renitente em toda a história e dominante na ordem política, nascido na colônia, filho do escravismo e do genocídio das populações nativas, elevado aos extremos da violência no império e modernizado na república sereníssima, fundada na exploração de classe.
Esse autoritarismo é a camisa de força de uma sociedade de cerca de 220 milhões de habitantes, dos quais apenas 1º de sua população detém 27% de toda a renda nacional (The World Inequality Report, 2022).
Essa classe dominante é o Minotauro faminto que espreita Lula em seu labirinto, ansiosa por devorá-lo e assim pôr-se na segurança de que tudo continuará como está, pois as mudanças concedíveis são apenas aquelas que não podem passar das aparências.
*Roberto Amaral foi presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. Atualmente, é professor, cientista político e jornalista.
* Com a colaboração de Pedro Amaral.
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Comentários
Zé Maria
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Os Agentes do Mercado Especulativo, incluindo C@lunistas da Mídia Venal,
que vociferam Contra o Presidente da República que foi Eleito com um Programa
de Governo Desenvolvimentista, Avesso à Alta das Taxas de Juros, à Autonomia
do Banco Central e à Atual Meta de inflação, são Adeptos de Dogmas da Doutrina
Neoliberal, a Fase Mais Devastadora, Cruel e Perversa do Capitalismo, em que os
Indivíduos na Sociedade são Considerados Números potencialmente Rentáveis,
sendo que aqueles Seres Humanos que não rendem Lucro são Descartáveis e,
por conseguinte, Elimináveis, Extermináveis. Aliás, foi precisamente por esse
Princípio Desumano que o Garimpo ilegal de Ouro foi Instalado na Amazônia,
nas Margens dos Rios, às custas das Vidas dos Yanomami e dos Ribeirinhos.
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Zé Maria
Excerto
“Diariamente, faça chuva ou faça sol, os editoriais dos grandes jornais,
os comentaristas de televisão transformados em cientistas políticos
e multiespecialistas, todos dizem ao governo o que lhe compete fazer
e o que não pode fazer: fundamentalmente cumpre-lhe pagar os juros
escorchantes estabelecidos e cobrados pela banca, e deixar de investir
(ou ‘gastar’, segundo o vocabulário monetarista neo-liberal).”
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mario Borges
Se alguém tiver algum contacto com a Jojo Todynho fala para ela adotar uma criança negra que precise de ajuda ou até mais de uma como fizeram Giovanna e Gagliasso.
Ela saberá a razão para a minha sugestão.
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