Saúde em Debate: editorial da revista do Cebes destaca Lula presidente, herança e desafios para o campo democrático
Tempo de leitura: 8 minLula Presidente: a herança e os desafios para o campo democrático
Editorial da revista Saúde em Debate, do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes)
Há seis anos, a democracia do Brasil vem se confrontando com o fascismo que aqui se instalou juntamente com graves crises política, econômica, sanitária, cultural e social.
A pandemia da Covid-19 matou, até setembro de 2022, 685.677 pessoas, proporcionalmente uma das maiores mortalidades do planeta (14º lugar) e a segunda das Américas com 3.214 milhão de habitantes, ficando atrás apenas do Peru
Análises epidemiológicas mostram que a metade dessas mortes poderia ter sido evitada se o governo federal tivesse adotado orientações e medidas fundamentadas no conhecimento científico e adquirido as vacinas em tempo oportuno, uma vez que, na vigência de uma pandemia, a variável tempo é fundamental.
Isso revela a péssima gestão sanitária do governo Bolsonaro, que deve ser caracterizada como omissa, equivocada, corrupta, na qual a compra e a aplicação de vacinas somente ocorreram mediante uma ampla mobilização da sociedade, incluindo o apoio dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Sem realizar campanhas efetivas de imunização ao longo do período, a cobertura vacinal está abaixo do que historicamente o Brasil sempre teve.
Atualmente, apenas 55,7% da população tomou a dose de reforço (terceira dose) da vacina da Covid-19, o que constitui um dos desafios imediatos para o controle da doença que, no momento, já se apresenta na variante do grupo Ômicron de elevadíssima transmissibilidade, com aumento exponencial de diagnósticos e internações hospitalares.
Lula, preso injustamente por 580 dias (de 7 de abril de 2018 a 8 de novembro de 2019), venceu as eleições em 30 de outubro de 2022 a despeito de tudo e de todos que golpearam a democracia.
Apoie o VIOMUNDO
O presidente Bolsonaro questionou em vários momentos a lisura do processo eleitoral, e a extrema-direita do País segue sem acolher os resultados.
Ao se eleger, Lula amplia sua potência política e desponta como um dos maiores líderes políticos da atualidade, de um lado, aclamado por ter barrado a continuidade no poder de um dos esteios da ultradireita mundial e, de outro, por emergir como redentor de um país destruído pelo fascismo e pelo retorno ao mapa da fome.
Um de seus grandes desafios será o de unificar o País, dividido ideologicamente.
O bolsonarismo, por sua vez, acumulou vitórias e conseguiu eleger lideranças para governos estaduais e diversos cargos nos Legislativos estaduais e federal, mostrando que a extrema-direita e a ultradireita fascista cresceram dentro da política nacional de forma orgânica.
A esperança de mudanças que retome as bases da Constituição Federal de 1988 se volta para o terceiro mandato de Lula na Presidência do Brasil, após o processo eleitoral mais importante e duro da história da democracia brasileira, no qual o povo que vive no Nordeste, as mulheres e a juventude tiveram peso importante na escolha do futuro do País.
Após a proclamação dos resultados das eleições presidenciais em 30 de outubro de 2022, a base mais fanatizada da extrema-direita de Bolsonaro saiu às ruas, bloqueando estradas e criando vigílias e vandalismos em várias localidades do País.
Passado um mês do término do pleito, grupos seguem acampados nas proximidades de quartéis militares e em estradas dos estados da federação, em geral onde impera o agronegócio, nos quais Bolsonaro teve maior votação.
Tais fatos constituem fortes indícios de que a extrema-direita brasileira tentará, tal como ocorreu em outros países da América Latina, desestabilizar a ordem democrática e as condições de governabilidade de Lula, que tomará posse em 1º de janeiro de 2023.
Pode-se afirmar que o Brasil está sob o domínio da intolerância e do ódio. Não se trata de uma ideologia conservadora que defende sua pauta moral, mas mantém a fidelidade aos princípios democráticos e costuma respeitar a democracia, suas instituições e os que pensam de forma diferente.
Trata-se do confronto à democracia em um franco ensaio ao totalitarismo que elogia o autoritarismo, a misoginia, a homofobia e que cultua o genocídio. Um dos principais focos do ódio é o feminismo, cuja luta desloca o papel e a participação das mulheres na sociedade.
É por isso que combatem o que, de modo bizarro, inventaram chamar de ‘ideologia de gênero’, termo esvaziado de significado, mas com poder na geração de pânico moral, sobretudo nas comunidades religiosas pentecostais e nas pessoas comuns alimentadas por mensagens mentirosas, divulgadas cotidianamente por WhatsApp e outras redes sociais.
Provavelmente, nos próximos meses e anos, Bolsonaro tratará de se manter na liderança da ultradireita com o capital político acumulado; para isso, escolherá o caminho do caos que lhe conferirá maior visibilidade. No entanto, os crimes que cometeu no exercício de seu mandato precisam ser investigados, e o ex-presidente, julgado.
O campo democrático deve ser incansável na exigência de que essas medidas sejam adotadas, os crimes apurados e punidos.
As eleições ocorreram sob um mar de corrupção, compra de votos por parte do governo assim como o uso de recursos e da máquina pública, sendo esta, certamente, a causa da pequena diferença de votos entre os dois candidatos.
Servindo-se de forma abusiva das redes sociais, mais uma vez a ultradireita espalhou fake news absurdas para a sustentação da realidade paralela que está na base do fanatismo e da desconstrução da política enquanto prática de debates acerca dos interesses comuns da sociedade.
O campo progressista, popular e democrático, bastante mobilizado no processo eleitoral, esboça seus movimentos para se reestruturar no País. Sua primeira convocatória é pela criação de um poderoso clima para a posse de Lula com a ‘tomada simbólica de Brasília’ pelas forças democrático-populares.
Para além de caravanas, circulam propostas e debates apontando para a necessidade de avançar para algo mais orgânico, orientado, coeso, cujo simbolismo da ‘tomada de Brasília’ desencadeie um engajamento social permanente que esteja à altura, conscientemente, dos desafios a serem enfrentados a partir de então.
Lula se elegeu com base em amplo arco de aliança de democratas de diversas matizes políticas.
Nesse processo que também escolheu um novo parlamento federal e para os estados, o destaque deve ser dado aos movimentos sociais que elegeram lideranças populares importantes, oriundos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), do Movimento Negro, Indígena e LGBTQIA+, ocupando diversas vagas das casas parlamentares federais e estaduais.
Entretanto, no seu conjunto, as forças de esquerda e de centro-esquerda não conquistaram numericamente uma bancada federal com maioria suficiente para tranquilizar e garantir a governabilidade de Lula.
A movimentação que Lula e seus aliados deverão operar com a maestria necessária para garantir a governabilidade é da rotina virtuosa da política.
Entra e sai governo, sucessivas legislaturas, e o País segue com um conjunto de partidos sem base ideológica que agrega um volume significativo de parlamentares que pendem a um lado ou outro de acordo com interesses individuais e atendimento de suas demandas e exigências, nem sempre indolores para o governo.
Esse grupo conhecido como ‘centrão’ esteve na base política de Bolsonaro, mas outrora também apoiou os governos populares com negociações de alto custo político para o Partido dos Trabalhadores (PT), incluindo o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
A enorme e persistente campanha midiática de destruição de Lula e do PT, colocada em prática ao longo do tempo, agrega-se ao desgaste dessas relações, sendo responsáveis importantes – não exclusivas – pela rejeição ao partido e ao próprio Lula, pelo antipetismo e o antilulismo vigentes no Brasil.
No contexto de uma sociedade dividida e inundada pelo ódio, a grande tarefa para Lula será reconstruir o País, a democracia, a unidade e a esperança, implementando, ao mesmo tempo, políticas sociais que reduzam as enormes desigualdades herdadas, particularmente a fome que hoje atinge 33 milhões de brasileiros.
Há grande expectativa quanto ao fortalecimento do setor da saúde e do Sistema Único de Saúde (SUS) que ganhou visibilidade e certa valorização popular na pandemia, mas que, ao mesmo tempo, é um setor em forte disputa com o mercado privado.
O convite às lideranças do Conselho Nacional de Saúde e do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), para compor a Comissão de Transição do governo na área da saúde, sinalizam sobre o papel que as organizações e as entidades da saúde coletiva e do Movimento da Reforma Sanitária (MRS) podem desempenhar no futuro governo como atores com capacidade e poder de influenciar os rumos da saúde.
Entretanto, longe de conquistarmos hegemonia na Comissão de Transição, em que o setor privado também está alojado e, sob os holofotes da grande mídia, insinua-se para garantir espaço a seus interesses buscando um papel central nas políticas de saúde do novo governo.
O conjunto de pautas prioritárias para a saúde tem sido objeto de debate no cenário nacional; e, para o MRS, algumas ganham destaque por serem consideradas estruturantes para o setor.
Coerente com o conceito da determinação social da saúde fundante para o pensamento da saúde coletiva e da medicina social latino-americana, em primeiro plano, deve estar a defesa de um projeto de desenvolvimento nacional mais justo e inclusivo, focado na redução das desigualdades regionais, raciais, de gênero e de classe social.
Aqui estão incluídas, além do conjunto das políticas sociais universais, todas as lutas feministas, antirracistas, em defesa dos povos originários, da população LGBTQIA+ e dos movimentos anticapacitistas e da luta antimanicomial.
A recomposição do orçamento da saúde é uma medida urgente e necessária para permitir a sobrevivência, a ampliação e a qualificação do SUS cronicamente subfinanciado, mas que, nos últimos quatro anos, acumulou uma perda real de R$ 37 bilhões.
Para se concretizar como um sistema universal e de qualidade, o SUS, tal como manda a Constituição, necessita que, no mínimo, 6% do Produto Interno Bruto (PIB) seja investido em saúde.
Esses recursos são imprescindíveis para que se consolidem as redes de atenção à saúde capazes de operar a integralidade da atenção e do cuidado por meio da oferta de serviços de distintas complexidades, ordenados pela atenção básica que, por sua vez, precisa ter maiores investimentos.
Há muito tempo, o País vem sendo alertado sobre a importância de investir no Complexo Econômico e Industrial da Saúde produzindo autossuficiência, segurança e autonomia sanitária, ou seja, reduzindo o grau de dependência externa de insumos e tecnologias.
A trágica experiência da falta de insumos básicos durante a pandemia não pode se repetir. É importante lembrar que o setor da saúde pode contribuir efetivamente para o crescimento econômico e o desenvolvimento social a partir de incentivos que também irão incidir sobre a criação de empregos de alta qualidade.
Outro tema estratégico para o SUS é a questão da força de trabalho, e o debate inclui o desafio de criação de carreiras públicas para seus trabalhadores.
Não menos importante é o fortalecimento dos mecanismos de gestão participativa, de participação e do controle social previstos na legislação do setor e desenvolvidos na prática das instituições do SUS e que acumulam enorme experiência no aperfeiçoamento da gestão do sistema.
Nesse panorama complexo, no qual vão se explicitando tensões e interesses, cada vez fica mais claro que, para a esquerda brasileira, resta reconstruir suas bases sociais com ampliação da consciência política do povo, pautando a valorização dos princípios da solidariedade social e da democracia.
Essa tarefa gigantesca envolve o desafio de incluir todos os territórios em redes de comitês locais que não apenas informem e formem cidadãos, mas que mobilizem e organizem essa base.
A ampla aliança de democratas que garantiu a vitória de Lula traz no seu bojo as dificuldades de que os interesses populares sejam plenamente atendidos caso o povo não esteja nas ruas exercendo o direito de se organizar e se mobilizar para reivindicar e garantir seus direitos.
Para isso, algumas iniciativas parecem urgentes, como a de estabelecer um canal de informação correta sobre as ações governamentais e a conjuntura política objetivando aumentar a organização de base da sociedade civil e mantê-la mobilizada e preparada para enfrentar a reação da extrema-direita brasileira.
Tal tarefa urgente sugere a criação de diversas redes com alta capilaridade e dinamicidade, que envolva lideranças sociais, a base militante e setores simpatizantes das teses progressistas em todo o território nacional, superando a perplexidade e o medo que o fascismo tenta disseminar na sociedade.
Logo após o resultado da eleição, Lula vinha ocupando a mídia convencional de forma positiva, mas, passado o primeiro momento de matérias favoráveis, o fantasma do mercado já se insinua e confronta os compromissos eleitorais inadiáveis da redução das desigualdades sociais e eliminação da fome no País.
Mesmo os apoiadores de última hora, que não carrearam nenhum voto, provocam o governo eleito com críticas e ‘avisos’ extraídos dos manuais da economia neoliberal contextualizados na austeridade fiscal e na redução do gasto público.
No entanto, diversos grupos e frentes que apoiam Lula alertam para que a posse seja um momento-chave para a disseminação de informações que orientem e mobilizem essa base social a fim de garantir a governabilidade e que o projeto vitorioso seja, de fato, colocado em prática.
Convergindo com estas análises, é necessário pontuar que, para além dessa mobilização e desses enfrentamentos, é imprescindível pensar estratégias mais orgânicas e mais bem orientadas, cujo simbolismo da ‘tomada de Brasília’ seja o ponto de partida para o engajamento social que esteja à altura, conscientemente, dos desafios que enfrentaremos nos próximos quatro anos.
*Ana Maria Costa, Maria Lucia Frizon Rizzotto, Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato são editoras da revista Saúde em Debate, do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes)
*Editorial da revista Saúde em Debate, volume 46, número 135; a última edição de 2022
Leia também:
Comentários
Zé Maria
.
Entrevista Coletiva do Presidente da República,
Eleito em 2022, Luiz Inácio LULA da Silva:
https://youtu.be/E0_nTEgq9To
.
Zé Maria
https://youtu.be/E0_nTEgq9To?t=972
Zé Maria
“O Crescimento do PIB tem de ser
Repartido com o Povo Brasileiro”
LULA
Zé Maria
‘Inundada pelo Ódio’ de meia dúzia, sim.
Porém, a ‘Sociedade’ não está ‘dividida’.
Há uma Falsa Equivalência na afirmação.
Poucos são os Neofascistas dos Quartéis:
são só pequenos burgueses barulhentos,
que reproduzem ‘memes’ disseminados
por ‘bots’ da Extrema-Direita Nazi-Fascista.
Não representam a População Brasileira.
.
Zé Maria
Observação:
O simples fato de Bolsolão haver obtido 49,1% dos votos válidos
não implica em afirmar que, na data de hoje, quase metade da
população brasileira apóia o atual Presidente da República.
.
Zé Maria
.
3214 (Três Mil e Duzentas e Catorze Mortes) por Milhão de Habitantes
Essa é no momento a Taxa Média de Mortalidade por Covid no Brasil.
A Segunda Maior das Américas, atrás do Peru. Aos Criminosos Cadeia!
.
Deixe seu comentário