Mauro Santayana: É preciso estancar a sangueira

Tempo de leitura: 4 min

do Blog de  Mauro Santayana, sugestão do sgeral/MST

Diante da imagem de Kadafi trucidado, e dos aplausos de Mrs. Clinton e de dirigentes franceses, ao ver o homem seminu e ensangüentado,  recorro a um testemunho indireto de Henri Beyle – o grande Stendhal, autor de Le Rouge e le Noir – de um episódio de seu tempo.

Beyle foi oficial de cavalaria e secretariou Napoleão por algum tempo. Em 1816, em Milão, Beyle ficou conhecendo dois viajantes ingleses, o poeta Lord Byron e o jovem deputado whig John Hobhouse. Coube a Hobhouse relatar o encontro, no qual Beyle impressionou a todos os circunstantes, narrando fatos da vida de Napoleão. São vários, mas o que nos interessa ocorreu logo depois da volta do general a Paris, em seguida à derrota em Moscou. Durante uma reunião do Conselho de Estado, da qual Beyle foi o relator, descobriu-se que Talleyrand havia escrito três cartas a Luís de Bourbon,  que restauraria, dois anos mais tarde, o trono.

As cartas, que se iniciavam com o reconhecimento de vassalagem, no uso do pronome “Sire”, revelavam que o bispo já conspirava contra o Imperador. Os membros do Conselho decidiram que Talleyrand devia ser castigado com rigor – ou seja,  condenado à morte. Só um homem, e com a autoridade de “arquichanceler” do Império, Cambacérès,  se opôs, com voz firme: Comment? toujours de sang? Napoleão, que estava deprimido  com as cenas de seus soldados mortos no campo de batalha, ficou em silêncio.

O sangue que se verteu no século passado devia ter bastado, mas não bastou. Iniciamos este novo milênio com muito sangue e a promessa de novas carnificinas. O cinismo dos que exultam agora com a morte de Kadafi, ao que tudo indica linchado pelos seus inimigos, após a captura, dá engulhos aos homens justos. Os que levaram a ONU a aprovar os bombardeios brutais da OTAN contra a população líbia haviam sido, até pouco tempo antes, parceiros do coronel na exploração de seu petróleo, indiferentes a que houvesse ou não liberdade naquele país.

Mas Kadafi não era apenas o ditador megalômano, que vivia no luxo de seus palácios e que promovia festas suntuosas para o jet-set internacional. Ele fizera radical redistribuição de renda em seu país, mediante uma política social exemplar, com a criação de universidades gratuitas, a construção de hospitais modernos e com a assistência à saúde universal e gratuita. Quanto à repressão, ele não foi muito diferente da Arábia Saudita e de outros governos da região, e foi muito menos obscurantista para com as mulheres do que os sauditas.

Apesar das cenas horripilantes de Sirte, que fazem lembrar as de Saddam Hussein aprisionado e, mais tarde, enforcado, além das usuais que chegam da África, há sinais de que os homens começam a sentir  nojo de tanto sangue. É alentador, apesar de tudo, que o governo de Israel tenha aceitado acordo com os palestinos, para a troca de prisioneiros. É também alentador que os bascos hajam renunciado à luta armada e preferido o combate político em busca de sua independência. E é bom ver as multidões reunidas, em paz, em todos os paises do mundo, contra os ladrões do sistema financeiro internacional – não obstante a violência, de iniciativa de agentes provocadores, como ocorreu em Roma,e a costumeira brutalidade policial, na Grécia,  na Grã Bretanha e nos Estados Unidos.

Há, sem dúvida, os que sentem a volúpia do cheiro de sangue, associado à voracidade do saqueio. A reação atual dos povos provavelmente interrompa essa ânsia predadora dessas elites européias e norte-americanas – exasperadas  pela maior crise econômica dos últimos oitenta anos e ávidas de garantir-se o  suprimento de energia de que necessitam e a preços aviltados.

É preciso estancar a sangueira. O fato de que sempre tenha havido guerras não significa que devemos aceitá-las entre as nações e entre facções políticas internas. Como mostra a História, o recurso às armas tem sido iniciativa dos mais fortes, e diante dele só cabe a resistência, com todos os sacrifícios.

No fundo das disputas há sempre os grandes interesses econômicos, que se nutrem do trabalho semi-escravo dos povos periféricos, como se nutriram grandes firmas alemãs, ao usar judeus, eslavos e comunistas, como escravos, em aliança com  Hitler.

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A frase é um lugar comum, mas só o óbvio é portador da razão: os que trabalham e sofrem só querem a paz, para que  usufruam da vida com seus amigos, seus vizinhos, suas famílias.

O odor do sangue é semelhante ao odor do dinheiro, e excita os assassinos para que trucidem e se rejubilem com a morte – como se rejubilaram ontem, diante do corpo humilhado de Kadafi, a Secretária de Estado dos Estados Unidos e os arrogantes franceses. Há três dias, em Trípoli, a senhora Clinton disse a estudantes líbios, que esperava  que Kadafi fosse logo  capturado ou morto. Nem Condoleeza Rice, nem Madeleine Albright seriam capazes de tamanho desprezo pelos direitos de qualquer homem a um julgamento justo. Esse direito lhe foi negado pelas hordas excitadas por Washington e Paris, com a cumplicidade das Nações Unidas – e garantidas pelas armas da OTAN.

Não que Kadafi tenha sido  santo: era um homem   insano, e tão insano que acreditou, realmente, que os americanos, italianos e franceses, quando o lisonjeavam, estavam sendo sinceros.

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Comentários

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Regina Braga

Quem foi selvagem?Kadafi? Ou Obama,Sarkozi,Hillary,Cameron? Se o Kadafi era insano,quero fugir dos normais!!!

marcos ferraz

Muito bom. Já tinha lido no blog dele, no http://www.maurosantayana.com

niveo campos e souza

Os povos ditos humanos, e que sempre estiveram no poder, foram e são amantes e comandados pela carnificina.
É impressionante o gosto de poder que este assassinatos infundem nos "estadistas" dos países que subjugaram e subjugam o mundo.
Tudo mais é fachada e faz-de-conta: ONU , OTAN, OMC, OEA, OCDE, EUA, NAFTA, União Européia, etc,etc.

Niveo Campos e Souza

Francisco

O patrão da hiena loura, Hillary Clinton, é o ganhador do prêmio Nobel da Paz, "o cara" das três guerras.

Só dois governos no mundo combateram objetivamente o aphartheid sul-africano, a Líbia (com contribuições "ilegais" de campanha ao candidato a presidente, Mandela) e Cuba (com Fidel enviado colunas de blindados a Angola, sitiada pelos racistas sul-africanos).

Eu não me sinto mais seguro num mundo com Hillary do que seguro num mundo com Kadafi. De Kadafi, eu nunca tive porque ter medo.

Lucas

Por mais que os estadunidenses sejam bárbaros sanguinários assassinos em massa (coisa mais do que clara pra qualquer um com mínimo conhecimento de história), quem executou Qadaffi não foram eles, mas os rebeldes líbios. Podemos argumentar que estes últimos são meros fantoches dos primeiros, mas mesmo assim é estranho só criticarem os estadunidenses por isso. Até porque os franceses e os britânicos são, no mínimo, tão culpados pela guerra civil líbia quanto seus aliados transoceânicos, se não mais.

Ricardo Silva

Esta sede de sangue e violência por parte dos Norte Americanos e porque este povo é constituído,na sua maioria,por "Cristãos" Judaízados .

Pedro

Este artigo é um chamamento à luta. Está chegando a hora de derrotar e acabar com o império. Qualquer outro assunto é supérfluo.

DUDU

A atitude canalha da chifruda hilary, mostra bem o caráter do povo (maioria) norte-americano.
Esses assassinos perderam o mínimo de sensibilidade humana.
São bandidos, ladrões, hipócritas, ignóbis.
Faço votos que a crise liquide com a arrogância dessa corja.

Armando do Prado

Canalhas e, por isso mesmo, praticantes da barbárie que alguns achavam impossível no século XXI. Pobres incocentes. Barak Obama, onde está você?

    Luca K

    Obomber é um marionete de Wall Street, sionistas e complexo industrial militar.

Bonifa

Agora, tarde demais, as feministas francesas se mostram indignadas. Mulher líbia que não voltar a usar o véu muculmano poderá ser espancada nas ruas. E vai ser oficializado o casamento poligâmico, que Kadafi havia abolido. Isto entre outras coisas. Para cúmulo da hipocrisia, a União Européia apela para o respeito aos direitos humanos pelos selvagens que ela mesma financiou e de cuja selvageria se beneficiou. Vejam no Monde e em outras imprensas francesas.

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