Lula e o Brasil fragmentado
Por Roberto Amaral*
A afirmação do presidente Lula de que não existem dois Brasis deve ser lida menos como análise da realidade do que como generoso e republicano projeto de reconstrução nacional ao qual dedicará seu governo, por cujo sucesso todos torcemos, porque desafiará sua conhecida capacidade conciliatória, e porá em xeque muitos dos apoios que contribuíram para a escalada eleitoral.
O fato objetivo é que estamos em face de uma sociedade dilacerada povoando diversos Brasis.
A clivagem é política, tanto quanto econômica e ideológica, e a polarização que adjetiva o pleito presidencial é seu retrato presente, talvez o mais agudo, embora não encerre todo o drama.
Essa clivagem, porém, não é fenômeno de nossos dias: ela apenas exacerba, pondo-os a nu, os vícios de nossa formação histórica e os crimes de nossa organização político-social, cujos sinais de esgarçamento, de velha data, nos recusamos a reconhecer.
Para além dos aspectos mais clamorosos, presentes no Brasil de hoje, sua superação será obra de longo prazo na esteira da construção, coletiva, de um projeto nacional de sociedade democrática caminhando para a superação das desigualdades econômicas e sociais.
A questão imediata e crucial a considerar é a consolidação da extrema-direita, fenômeno que a todos parecia fora de cogitação. Derrotada eleitoralmente, ela sobrevive como projeto político.
Agora todos parecem preocupados com os rumos da polarização, até a direita, que, associada à clássica inconsequência dos liberais, principalmente desde 2014 com a candidatura Aécio Neves, formou uma aliança com a extrema-direita tupiniquim na expectativa de destruir o projeto petista de centro-esquerda, assim repetindo o erro crasso e fatal da socialdemocracia italiana, quando apoiou Mussolini na suposição de que o fascismo impediria a emergência dos trabalhadores e dos comunistas.
Quem não aprende com a História está fadado a repetir seus erros.
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O que sucedeu é história sabida, como conhecidas entre nós são as consequências da pregação reacionária que desaguou na ditadura militar instaurada em 1º de abril de 1964, tanto quanto o desdobramento do antipetismo palmilhando o caminho do bolsonarismo, que pela primeira vez na história republicana possibilitou a conquista do poder pela extrema-direita calcada em processo eleitoral legítimo.
A liquidificação da socialdemocracia paulista e do chamado centro, e o fiasco da “terceira via”, são consequências de um mesmo fenômeno.
O curso de um processo político-social que apontava para uma experiência protofascista já ensaiada foi interrompido com a dramática vitória de Lula, que no entanto pôs de manifesto a incômoda clivagem nacional, mais ampla e mais profunda que o conflito de classes.
O que será a história no curto e médio prazo dependerá do que puder ser feito nos próximos anos.
A conciliação, indefinida, é reclamada como conditio sine qua non para a reconstrução nacional (econômica, política e ética), mas pouco avançará se governo, partidos e a sociedade organizada não se empenharem no enfrentamento à extrema-direita.
Nesta polarização há algo mais profundo do que sua aparência sugere, e seu significado não se esgota nos números do segundo turno.
O processo eleitoral, embora muito relevante, não é o fenômeno todo, e o mais ingente é identificar a trama social que o produziu.
Temos, sim, um país dividido, mas há algo mais a considerar.
Os dados do segundo turno (na contundência do seu quase-empate) revelam o que não poderíamos ignorar, tantos são os sinais recentes de desarranjo: somos um país agudamente dividido, que vê desabar os mitos da história oficial, aquela escrita pelos pensadores da classe dominante.
O Brasil dito cordial, generoso, acolhedor, é também o país da violência social e individual.
O Brasil da “democracia racial” se descobre também racista, machista, xenófobo e assim se revelou na votação do incumbente, pervadindo todo o país, superando diferenciações regionais e de classe.
A unidade nacional (social, política e principalmente ideológica) é solapada diante de “dois brasis”: um que anseia pela democracia, e outro que opta pela ditadura; um que clama pelo futuro, e outro que se cinge ao passado; um Brasil da aposta na civilização e outro do apego à barbárie.
Somos, pois, vários Brasis, sem constituir de fato uma nação, porque somos uma formação populacional querendo ser um povo, mas divididos entre uma maioria esmagadora de pobres e muito pobres, de um lado, e de outro poucos ricos que tudo podem, porque controlam a economia e a política.
É essa minoria mínima, habitante de um Brasil à parte, próprio dela, que formula as leis, que constitui o poder judiciário e aciona as forças armadas do Estado para a “manutenção da ordem”, isto é, a sustentação da sociedade fundada na exploração de classe.
Este Brasil falou forte no dia 30 de outubro. Felizmente foi contido, mas não está morto e estará vivíssimo na contestação ao governo Lula, contestação tanto mais implacável quanto mais o governo represente os anseios das grandes massas que o elegeram.
A polarização centro-esquerda + direita versus extrema-direita, nos termos em que se deu, redesenha o quadro político, mas não encerra, embora a magnifique, a divisão do país.
O pleito revelou a polarização eleitoral e esta deu os contornos dos diversos brasis e suas perigosas clivagens:
— o Brasil do Norte-Nordeste, majoritariamente pobre mas politicamente progressista, corrigindo a vontade reacionária do Sul industrializado e desenvolvido;
— um Brasil de camponeses sem terra e um Brasil do agronegócio exportador de commodities;
— o Brasil que se dilacera nas periferias, nas favelas, e no desemprego e na insegurança alimentar, e o Brasil endinheirado da Faria Lima.
Um Brasil que desmata e um Brasil que planta alimentos, um Brasil que trabalha e produz e um Brasil que acumula lucros na especulação financeira.
O Brasil das populações indígenas e o Brasil dos grileiros e dos garimpeiros clandestinos.
Afastou-se a ameaça imediata, representada pela possibilidade de reeleição do meliante; abriram-se as condições para a transição para um futuro governo de centro-esquerda, e o processo democrático tende a consolidar-se, se soubermos enfrentar os desafios postos.
A “conciliação nacional”, cujos limites devem ser discutidos com a sociedade, não pode, uma vez mais, compreender a impunidade de criminosos.
Não há “página a ser virada”, e toda iniciativa nesse sentido será recebida como uma desfeita às grandes massas que asseguraram a eleição de Lula, massas mobilizadas que serão, para além dos entendimentos de cúpula, fundamentais para a sustentação política do governo.
A história mostra, à saciedade, as consequências nefastas da conciliação como regra pétrea.
O lamentável quadro da partidarização das forças armadas do Estado brasileiro, a partir da qual foi possível o projeto Bolsonaro, é resultado da conivência da República com o crime político.
A própria sobrevivência do capitão como militar e político é exemplo contundente.
A impunidade dos militares golpistas – que depuseram Vargas, que tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek e de João Goulart e afinal nos impuseram 21 anos de uma ditadura, com um rol incontável de torturados e assassinados – é a matéria-prima a alimentar o bolsonarismo, que pede a “intervenção militar” contra a democracia.
Cabe insistir: a periculosidade da extrema-direita nativa não pode ser negligenciada.
Conectada internacionalmente (com os neofascistas europeus e estadunidenses, em ascensão), ela conserva seu poder de mobilização, e sua insanidade continua sendo ouvida pela caserna; mantém bases populares e conta com o apoio majoritário e quase fanático das seitas neopentecostais; mantém-se influente no aparelho repressor em geral (polícia rodoviária, polícia federal, polícias civis e militares, milícias etc.), junto a atores do agronegócio, empresários do setor de serviços e setores da classe-média que se consideram “empreendedores”.
E permanece unificada em torno de uma liderança carismática e insensata. Governa, entre outros, os maiores Estados da Federação e fez a maioria do Congresso Nacional. É adversário que não pode ser negligenciado e travará contra o governo Lula uma oposição tanto radical quanto irresponsável, porquanto não conhece limites políticos ou éticos.
De outra parte, a direita que se aliou a Lula no segundo turno já cobra seu preço, tentando impor-lhe o programa de uma “terceira via” derrotada no processo eleitoral, assim ameaçando o governo com os riscos da frustração de seu eleitorado.
A Faria Lima, que já se assegurou da continuidade do presidente do Banco Central, quer mais: exige ser consultada sobre os gestores da política econômica.
Na contramão dessas pressões, o governo terá que ter lado, e sua opção histórica é pelos pobres e pela soberania nacional, o que vai requerer de Lula a paciente e cuidadosa construção de uma nova frente em condições de enfrentar o quadro emergencial e ao mesmo tempo apontar para os eixos centrais da nova política, o que pode implicar alterações na arca de apoios.
A sustentação do governo dependerá em muito das articulações, campo no qual Lula tem revelado sua conhecida proficiência.
Mas o presidente precisará fazer mais do que nos mandatos anteriores, muito em função do caráter de sua atual base de apoio político, desafiadoramente heterogênea.
Carecerá de amplo e permanente apoio popular, dependente de sua gestão, dependente de seu diálogo com as massas e do que lhe puderem oferecer os partidos do campo progressista, desafiados a retomar o trabalho de base e a militância política, incompatível com a burocracia pública, em momento de grave recesso do movimento sindical e de crise das estruturas partidárias.
***
Insolência – A mensagem do ainda ministro da defesa, redigida no péssimo vernáculo castrense, seria só um flato, se não fosse insolência pura. Quem atribuiu aos milicos o papel de fiscais da democracia brasileira? Fosse outro o TSE, a provocação teria sido devolvida.
Leia também:
Comentários
Zé Maria
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“Governo LULA fará um ‘Revogaço’ das
Medidas Arbitrárias do Bolsolão, em
especial na Área de Direitos Humanos.”
EMÍDIO DE SOUZA
Deputado Estadual Reeleito (PT/SP)
ex-Prefeito de Osasco/SP
GT Direitos Humanos
Equipe de Transição Gov LULA
Zé Maria
https://twitter.com/i/status/1592268745044815873
“LULA vai Garantir de Participação Popular”
https://twitter.com/EmidioDeSouza_/status/1592268745044815873
Zé Maria
“Quando falham as Instituições,
surgem Homens Excepcionais”
“Para o novo governo, trata-se de aproveitar essas pequenas brechas
que se apresentam e recapturar os milhões de brasileiros
que se afastaram de um engajamento incondicional
com os valores republicanos e democráticos”
Por Serge Katz, Doutor em Sociologia (UFPB),
no Le Monde Diplomatique: https://t.co/Xc2TfsgXIu
https://twitter.com/diplobrasil/status/1591476164018708487
https://diplomatique.org.br/quando-falham-as-instituicoes-surgem-homens-excepcionais/
Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/Fhr6vC7WYAAx63W?format=jpg
… E Mulheres Excepcionais…
https://pbs.twimg.com/media/FhsN1KLWQAAxQBd?format=jpg
https://twitter.com/LulaDilma13/status/1592882102827372544
Isabel do Vôlei ou
o Vôlei da Isabel?
Isabel era uma destas
Atletas Completas, Integrais.
A Desportista Consciente
da Importância da Atuação
Política da Mulher na Vida,
que transcende o Esporte
e a Efêmera Fama, Eventual.
O Voleibol foi uma Ferramenta
com que evidenciou o Talento
para buscar Igualdade e Justiça.
Sua Corajosa Voz foi Inspiração
a Outras Atletas, como a Filha,
que não deixarão Isabel morrer.
É uma Perda Física Precoce
Lastimável, mas o Espírito fica.
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https://pbs.twimg.com/media/FhsKKu1WIAE514C?format=jpg
“E tem pessoas que defendem
que devemos ficar neutros.
Como ficar neutro se você vê
uma injustiça?”
MARIA ISABEL SALGADO
Atleta Completa
Mulher Integral
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https://twitter.com/Jose_Simao/status/1592860740582789125
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“Isabel Salgado não foi apenas um símbolo para o esporte,
mas também de luta na defesa de ideais.
Seu pioneirismo no esporte abriu as portas para muitas brasileiras.
Suas conquistas levaram o Brasil a outro patamar na história do vôlei feminino.”
https://twitter.com/LULAoficial/status/1592865747952611328
“Uma referência tanto na quadra quanto na praia, foi convidada
a integrar o Grupo Técnico de Esporte no Gabinete de Transição
por sua competência como atleta e voz ativa por um país mais justo.”
https://twitter.com/LULAoficial/status/1592865752490860544
“Meus sentimentos e solidariedade aos filhos, netos, familiares
e admiradores de Maria Isabel Barroso Salgado, nossa eterna
‘Isabel do Vôlei’.”
https://twitter.com/LULAoficial/status/1592865754562822145
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https://twitter.com/PTbrasil/status/1592864757899743232
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https://twitter.com/Chico_PSOL/status/1592870277754814465
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https://twitter.com/MarinaSilva/status/1592879625994375169
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https://twitter.com/andretrig/status/1592867649331294208
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https://twitter.com/Hilde_Angel/status/1592862468950589441
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https://twitter.com/randolfeap/status/1592866892443942912
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https://twitter.com/Gleisi/status/1592859743856779267
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https://twitter.com/ZehDeAbreu/status/1592859435117862913
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https://twitter.com/MarciaTiburi/status/1592876650428915712
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https://twitter.com/BohnGass/status/1592862466664386560
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https://twitter.com/NatBonavides/status/1592864885087830016
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https://twitter.com/XicoSa/status/1592879635607744518
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https://twitter.com/ElikaTakimoto/status/1592877016235544576
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https://twitter.com/DeputadoFederal/status/1592866808650162178
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https://twitter.com/JFMargarida/status/1592862581806419968
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https://twitter.com/RogerioCorreia_/status/1592883067227893762
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https://twitter.com/i/status/1592870247836844035
https://pbs.twimg.com/media/Fhr8ou0XEAAekqH?format=jpg
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O Vôlei Brasileiro deve muito mais à Isabel do que ela ao Vôlei.”
ANA MOSER
Atleta Integral
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“A ‘partida’ de Isabel Salgado, a Isabel do vôlei, nos choca
pela precocidade – ela tinha apenas 62 anos – mas nos
entristece sobretudo porque estamos perdendo uma
mulher que sob todos pontos de vista foi importante
para o Brasil.”
“Isabel foi campeã e ídolo de um esporte que graças ao
seu enorme talento tornou-se popular no país; e foi
uma mulher de fibra, lutadora e defensora dos direitos
dos brasileiros.
Não é só o vôlei que perde.
O Brasil inteiro fica mais pobre.
Meus sentimentos à sua família.”
DILMA VANA ROUSSEFF
Eterna Presidenta da República
https://twitter.com/DilmaBR/status/1592890284324847616
https://twitter.com/DilmaBR/status/1592890304440700928
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Carta Aberta de Isabel a uma ex-Jogadora de Vôlei
braZileira Reacionária residente em Los Angeles/EUA:
“A.P., depois de ver algumas de suas postagens, tive vontade de te responder.
Como nunca tive paciência para redes sociais, fui deixando passar.
De mais a mais, não há como esquecermos o fato de que as redes
estão aí para dar voz a todos: muitas pessoas fantásticas e muitos….
Esse é o preço da chamada democracia digital – que sempre deve
ser debatida, é claro -, mas vamos ao que interessa no momento.
Antes, preciso admitir também que sempre me senti constrangida
quando lia as suas postagens.
É que o seu nome está ligado ao vôlei, esporte que pratiquei durante
muitos anos e, infelizmente, muitas pessoas generalizam esse tipo
de fala e me perguntam se as jogadoras de vôlei são, na sua maioria,
de extrema direita.
Nesses momentos, eu sempre tento explicar que você está longe
de representar um perfil do vôlei feminino brasileiro.
E que, na verdade, o vôlei, assim como a maioria dos campos
profissionais e atividades, não pode ser enquadrado em algum perfil
ideológico.
Explico, também, para essas pessoas, que talvez pelo fato de
você ter se casado com um americano branco, você tenha
sentido a necessidade de se alinhar a uma branquitude,
que tem como uma de suas características principais
a incapacidade de perceber o seu lugar de privilégio,
uma branquitude que naturaliza o lugar de poder branco
e torna a supremacia branca uma norma.
Afinal, sabemos que ser imigrante por essas bandas [EUA]
daí não é muito fácil, ainda mais com um biotipo latino.
Durante o período colonial, o psiquiatra Frantz Fanon explicou bem
o surgimento e a formação desse desejo de identificação com
o opressor entre muitos colonizados.
Trata-se de uma neurose que o leva a um comportamento adoecido
e alienado, por não conseguir lidar com a realidade que o cerca.
A história nos ensina que o colonialismo acabou, mas ela também
nos mostra que ele permanece com roupas neocoloniais.
O vídeo que postou da jovem negra é exemplar de como permanece
essa alienação.
Temos aqui no Brasil um exemplo caricatural desse comportamento
desequilibrado: o presidente da fundação Palmares.
Por isso, te sugiro prestar atenção ao que está acontecendo a sua volta.
Existem muitas pessoas que não conseguem sair desse
comportamento negacionista do racismo, que se manifesta
de muitas formas e em muitos graus; da mais sutil negação
à mais exacerbada patologia, que leva o sujeito dizer que
a escravidão foi uma circunstância benéfica para os negros,
como fez o senhor Sérgio Camargo.
Você posta constantemente frases e ideias que destilam muito preconceito.
Mas o seu último post foi a gota d’água e me chocou e revoltou
pela profunda ignorância e irresponsabilidade.
Sua falta de conhecimento a respeito do racismo e do que ele significa
são atrozes.
Infelizmente, o racismo existe no Brasil, nos EUA e no mundo,
e muitas pessoas ainda são incapazes de enxergar uma realidade
que grita com todos os pulmões.
Se você quer usar dados estatísticos como argumentos,
procure fontes sérias e não tendenciosas.
Aí você vai entender que o racismo é um dado estrutural,
que atua na política, na economia e na subjetividade,
como explica tão bem o filósofo Sílvio Almeida.
Sua apologia ao governo Trump reflete muito mais o seu mal estar
e quiçá o desejo de pertencimento a uma sociedade que você
imagina respaldar apenas valores “WASP” [“White, Anglo-Saxon and
Protestant” = “Branco, Anglo-Saxão e Protestante”], uma sociedade
que precisou mostrar ao mundo as mais assustadoras formas
de violência racial, até surgirem as primeiras grandes mudanças
com Martin Luther King.
Felizmente, o racismo não só empobrece o ser humano,
mas também produz [em sentido contrário] cada vez
mais força e resistência.
E é isso que está acontecendo nesse momento nos EUA,
quando milhões de pessoas de todos os grupos étnicos
se unem para demonstrar o seu repúdio ao racismo
que ainda atinge sobretudo os negros.
Observe atentamente a sua volta e verá que, no momento atual,
a sociedade americana parece estar no caminho de mais uma
mudança e mais uma conquista no rumo da igualdade.
Usando as redes como tem usado, você presta um desserviço
no processo de combate ao racismo.
Vidas negras importam!”
“Isabel Salgado”
https://bit.ly/3Ed9ykv
https://t.co/2MZtu3G4ep
https://twitter.com/RevistaForum/status/1592886267578130433
https://revistaforum.com.br/esporte/2022/11/16/isabel-do-vlei-assim-como-gal-costa-viveu-para-ver-fim-do-governo-bolsonaro-127418.html
Zé Maria
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“Isabel foi uma Revolução”
“Nunca houve uma Mulher como Isabel.
Nas Quadras de Vôlei, na Vida.”
“É dela que Gabo falava aqui ao explicar o que é vida:
‘É a vida, mais do que a morte, que não tem limites’.
Por isso que Isabel vai seguir. Uma vida maior.
Que não tem limites e vai seguir em todos nós.”
Por Lúcio de Castro, na Agência Sportlight: https://t.co/RkYT0MBWtq
https://twitter.com/BernardoMF/status/1592881541411061760
https://agenciasportlight.com.br/index.php/2022/11/16/isabel-foi-uma-revolucao-uma-vida-maior/
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Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/Fhr5u8jX0AUAGRY?format=jpg
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https://twitter.com/Adriana_Accorsi/status/1592867316001562626
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https://twitter.com/AlencarBraga13/status/1592884357567434754
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https://twitter.com/AndreaMPacha/status/1592860786682376193
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https://twitter.com/CeliaXakriaba/status/1592874830814380035
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https://twitter.com/ErikakHilton/status/1592866643549749249
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https://twitter.com/ESuplicy/status/1592865648207544321
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https://twitter.com/TaliriaPetrone/status/1592873082729148418
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Levanta a Taça.
Gem do Vôlei.
Sangue da Raça.
https://twitter.com/corralicacorra/status/1592909219019177984
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Zé Maria
https://twitter.com/i/status/1592896980933832709
Isabel 60 Anos (2020)
“Meu Desejo Mais Profundo…
Ainda Não Aconteceu…
Mas acho vai Acontecer:
-FORA BOLSONAAARO!”
https://twitter.com/loka_costa/status/1592896980933832709
https://revistaforum.com.br/esporte/2022/11/16/video-dia-em-que-isabel-do-vlei-completou-60-anos-revelou-seu-desejo-mais-profundo-127425.html
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Zé Maria
https://twitter.com/i/status/1447028476964446208
https://twitter.com/minc_rj/status/1447028476964446208
https://twitter.com/i/status/1307733454071758848
Zé Maria
https://twitter.com/i/status/1307749987305095168
https://twitter.com/Chico_PSOL/status/1307749987305095168
Zé Maria
https://www.instagram.com/p/ClBpw-ROToB/?utm_source=ig_embed&ig_rid=41318933-cd9a-4649-8fc3-876e3e980a3d
Quanta tristeza…
O coração está em pedaços…
Isabel era gigante.
Me pergunto se ela sabia o quanto era gigante
não só como atleta, mas como pessoa.
Me interessei pelo vôlei no início da adolescência por causa dela.
Vivia com uma faixa branca na cabeça – como ela usava nas quadras –
e uma bola de vôlei na mão.
Aos 14 anos, já na Seleção de base, ganhei uma joelheira das mãos dela.
Tenho guardada até hoje, assim como uma camisa que ela me deu
e que guardo também com muito carinho.
Acordei hoje e telefonei para ela bem cedo, para parabenizar
por fazer parte do comitê de transição para o próximo governo.
Ninguém atendeu. Eu não sabia, mas ela já não estava mais aqui fisicamente.
Pouco depois, meu telefone começou a tocar com a triste notícia.
Isabel sempre foi à frente do seu tempo.
Lutou pela profissionalização e o desenvolvimento do vôlei feminino
ao lado de Jaqueline e Vera Mossa na sua geração.
Brigou por respeito, igualdade de direitos e deu voz às mulheres
no nosso esporte.
Lutou contra todo tipo de injustiça.
Sempre estava pronta para ajudar.
Uma mulher guerreira, acima de tudo.
Forte, autêntica e amiga.
O vôlei perde um ícone,
o mundo perde um ser humano maravilhoso
e eu me despeço de uma amiga.
Siga em paz, minha amiga.
Obrigada por tudo ❤️💔
Virna Cristine Dantas Dias Piovezan
Atleta Brasileira de Vôlei Feminino
https://www.instagram.com/p/ClBpw-ROToB
https://www.cartacapital.com.br/esporte/lula-cob-virna-as-homenagens-a-isabel-salgado-estrela-do-volei-brasileiro/
https://www.instagram.com/p/ClB7a4OABx3/?utm_source=ig_embed&utm_campaign=embed_video_watch_again
https://www.band.uol.com.br/esportes/virna-faz-homenagem-a-isabel-icone-do-voleibol-brasileiro-16563371
Zé Maria
https://pbs.twimg.com/media/Fhs7SCeWAAEppAv?format=jpg
“Campeã mundial no vôlei de praia em 1994 e atleta da delegação
do vôlei de quadra nas Olimpíadas de Moscou e Los Angeles,
Isabel também nunca deixou de ser uma lutadora fora das quadras.”
https://twitter.com/bfrAntifascista/status/1592932077607211008
“Foi militante pelas ‘Diretas Já’ durante a ditadura militar e,
mais recentemente, criou o movimento ‘Esporte pela Democracia’
para lutar contra as práticas e políticas reacionárias de Jair Bolsonaro,
reunindo diversos atletas, ex-atletas, dirigentes, artistas e jornalistas.”
https://twitter.com/bfrAntifascista/status/1592932080627113985
“Isabel contribuiu ainda para o programa de governo [Estado do RJ] apresentado por Marcelo Freixo em 2022 e fazia parte do grupo
de esportes no governo de transição de Lula.”
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“Ou seja, lutou até o fim para enterrar de vez todo o retrocesso
e obscurantismo suscitado pelo neofascismo tupiniquim
sob liderança de Jair Bolsonaro.
Obrigado por tanto, Isabel.”
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Coletivo BOTAFOGO ANTIFASCISTA
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Zé Maria
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Zé Maria
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“Fascismo, Fascização e Memória Coletiva”
“A constante atenção a este amplo fenômeno pede cuidado e prática,
pois o combate a toda forma de autoritarismo se faz cotidianamente,
prática que não está flutuando ou recortada no tempo e no espaço,
mas é a construção contínua e extenuante de fazer lembrar para se evitar,
então é com urgência que devemos falar do fascismo à partir
da história e da política.”
Por Maurício Brugnaro Júnior*, no Le Monde Diplomatique
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Violento, idealista, autoritário, bufão, tradicionalista, nacionalista, pequi roído, etc.
Desde seu surgimento, o fascismo está em pauta nas sociedades contemporâneas, assim, o esforço para analisá-lo – em suas mais diversas formas de se manifestar – e combatê-lo também se faz presente e requer cada vez mais esforços.
Como bem pontuou Umberto Eco, em “O Fascismo Eterno” ([1997] 2018), ele pode se apresentar em trajes civis e variar alguns de seus aspectos, mas ainda é fascismo:
O Ur-Fascismo ainda está ao nosso redor, às vezes em trajes civis.
Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer:
“Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”
Infelizmente, a vida não é fácil assim!
O UrFascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes.
Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas — a cada dia, em cada lugar do mundo (ECO, 2018, p. 46).
A constante atenção a este amplo fenômeno pede cuidado e prática, pois o combate a toda forma de autoritarismo se faz cotidianamente, prática que não está flutuando ou recortada no tempo e no espaço, mas é a construção contínua e extenuante de fazer lembrar para se evitar, então é com urgência que devemos falar do fascismo à partir da história e da política.
História e política se constroem concomitante no cotidiano, desde as práticas mais comuns e corriqueiras – que já contém decisões de caráter e predisposições, arcabouços, interesses e orientações sociais – até marcos políticos constitucionais, passando pelos discursos e pelas ações que afetam do micro ao macrossocial e vice-versa, isto é, tudo é político e tudo é histórico.
De certa forma, tudo é histórico-político, por assim dizer.
Então, falar sobre fascismo em 2022, cem anos após a Marcha sobre Roma, não é um acaso ou luxo intelectual, tem por objetivo manter a memória, buscar o debate e revelar um ato histórico-político para o agora, o tempo-presente [Jetzzeit], para com o passado e para um futuro possível.
Isto é, “a expectativa do novo que o futuro oferece só se cumpre através da rememoração de um passado reprimido” (HABERMAS, 1990, p. 23).
Consideramos, aqui, o compromisso político que os intelectuais devem assumir, “o compromisso político aparece normalmente em o intelectual ‘empenhado’ como o resultado lógico e legítimo de seu reflexo, ao qual confere, em contrapartida, a autenticidade de uma sanção prática” (REMOND, 1959, p. 860), e também que “todos os homens são intelectuais” (GRAMSCI, Q12, §1, pp. 1516-1517), embora nem todos exerçam a atividade intelectual no sentido estrito do termo, todos realizam atividades que requerem atividade intelectual, tal qual a política.
Características Gerais do Fascismo
Embora se tenha a Marcha sobre Roma como o marco histórico da subida ao poder pelos fascistas, a história não é estabelecida por datas, mas pela construção de processos que culminam em marcos históricos.
Estes, por sua vez, são convencionalmente datados, pois “por história é preciso entender então não uma sucessão cronológica de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que um período se distinga dos outros e cujos livros e narrativas não nos apresentam em geral senão um quadro bem esquemático e incompleto” (HALBWACHS, 1990, p. 60).
Neste quadro, nota-se a necessidade do meio social passado para a construção da memória, pois “se o meio social passado não sobrevivesse para nós a não ser em tais anotações históricas, se a memória coletiva, mais geralmente, não contivesse senão datas e definições ou lembranças arbitrárias de acontecimentos, ela nos ficaria bem exterior” (ibid., p. 55).
Assim, interiorizando a história, seguimos para uma caracterização geral do fascismo.
Trabalhando sobre o início do fascismo, Ângelo Tasca destaca que “o período de agosto de 1914 a maio de 1915 foi decisivo para o destino do povo italiano.
Não tanto pelo fio condutor que une os ‘Fasci di combattimento’ do intervencionismo aos fasci de 1919-1922, quanto pela ilusão e os equívocos que até agora se instalaram na política da classe operária”, pois “o povo italiano, na sua grande maioria, não queria a Guerra” (TASCA, 2014, p. 462, tradução nossa).
Isto é, de um lado, demonstra interesses e vontades políticas do povo italiano e, por outro, de grupos de combate.
Embora exista um esforço para que aconteça o distanciamento das massas populares da política, ela somente se faz através desta, “em realidade […] a luta contra o fascismo é muito mais necessariamente uma luta de massa, quanto mais a massa está acessível ao fascismo.
As massas são hoje muito mais que o “sujeito” da história, no sentido que não se faz história sem ela”, e se não as alcançamos – enquanto parte constituinte dela – “é o fascismo que faz a história na nossa vez” (ibid., p. 512).
Essa breve contextualização política e histórica serve para que aconteça o reconhecimento que a política é um espaço comum e está em disputa, por vezes por atores democráticos, por vezes por atores autoritários.
Nesta disputa política, a ideologia assume um papel fundamental, pois a ideologia dominante “encarna-se, no seio de uma formação [social], numa série de aparelhos ou instituições: ‘as Igrejas (o aparelho religioso), os partidos políticos (o aparelho político), os sindicatos (o aparelho sindical), as escolas e Universidades (o aparelho escolar), os meios de ‘informação’ (jornais, rádio, cinema, televisão, em suma: o aparelho de informação), o domínio ‘cultural’ (a edição)”, a família, sob um certo aspecto, etc.
Tratam-se dos aparelhos ideológicos de Estado (POULANTZAS, 1978, pp. 321-322).
E numa formação social, não há apenas uma ideologia dominante, mas várias ideologias ou “subsistemas ideológicos contraditórios”, que correspondem e se relacionam às diversas classes sociais em luta.
Isto é, uma ideologia dominante só se faz dominante ao conseguir dominar outras ideologias e esses subsistemas, e busca fazer através dos aparelhos ideológicos de Estado.
Considerando as reflexões de Poulantzas sobre fascismo e ditadura, da disputa ideológica pela hegemonia referente às diversas classes e frações de classe dominante através dos aparelhos de Estado [1], adiantamos algumas caracterizações gerais sobre o fascismo.
A. “O Estado fascista é uma forma de Estado que sobressai do tipo de Estado capitalista.
Neste sentido, e sobressai apesar de tudo o que se possa ter escrito sobre este assunto, apresenta os traços próprios do tipo capitalista de Estado”.
B. “O Estado fascista é uma forma de Estado específica, uma forma de Estado de exceção, na medida em que corresponde a uma crise política” (ibid., p. 331).
Este Estado de exceção é consagrado pelo sistema jurídico, que também tem um papel político, pois o sistema jurídico capitalista “perpetua e consagra a dominação política de classe segundo modalidades particulares”, camufla, do ponto de vista ideológico seu papel segundo duas vias:
1. “O direito regula o exercício do poder político pelos aparelhos de Estado e o acesso a estes aparelhos, por meio de um sistema de normas gerais, formais, abstratas, estritamente regulamentadas, fixadas explicitamente de modo a permitir a previsão” (ibid., p. 343).
2. “O direito estabelece os limites do exercício do poder de Estado, quer dizer, da intervenção dos aparelhos de Estado” (ibid., p. 344).
Isto é, se o direito é constituído por uma classe ou frações de classes específicas e tem o poder de regular a legalidade de práticas e disputas sociais, o aparelho ideológico e repressivo de Estado passa também pelo seu domínio.
Assim a burocratização afeta o Estado capitalista, algo que é relativamente elevado num Estado de exceção, que conta com o papel das classes-apoio, principalmente a pequena burguesia, inchando de forma parasitária os aparelhos do Estado e, consequentemente, afetando sua ideologia interna, podendo influenciar na suspensão generalizada do princípio de eleições e divisões de poderes.
Tal movimento ocorre, concomitantemente, pela criação de redes políticas paralelas, alterando a dinâmica do domínio democrático-parlamentar do Estado.
Poulantzas estabelece que a ideologia do fascismo possui grande poder através de alguns aparelhos de Estado específicos, a saber:
a) o partido fascista;
b) a família;
c) o aparelho de informação e de propaganda.
Então, “partido-família-propaganda, são aqui o tríptico dominante dos aparelhos ideológicos de Estado” (ibid., p. 357).
Trazemos, agora, reflexões de Umberto Eco sobre o “fascismo eterno”, ou Ur-Fascismo.
De modo objetivo, vamos às características:
a). o fascismo possui o culto à tradição;
b) consequentemente, o tradicionalismo implica a recusa da modernidade, principalmente à recusa ao espírito moderno iluminista, alcançando um “irracionalismo”;
c) esse “irracionalismo” depende de um culto da ação pela ação sem nenhuma reflexão;
d) pensar e cultura, em sentido amplo, são identificadas como uma forma de castração;
e) possui um nacionalismo, e quem fornece a identidade nacional é a construção do outro como inimigo, criando em seus seguidores o sentimento de estarem sitiados, fazendo-os emergir uma conspiração pela xenofobia;
f) pregam a glória da guerra e são contra o pacifismo;
g) criam um herói, isto é, há um culto ao heroísmo;
h) o fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais, “seus jogos de guerra se devem a uma invidia penis permanente”;
i) falam uma “novilíngua”, a la 1984, de Orwell;
j) o Ur-Fascismo está ao nosso redor, “às vezes em trajes civis” (ECO, 2018, pp. 35-47).
Enfim, o modus operandi fascista acontece através de uma teoria-prática que começa com “atos de fala ética e politicamente empobrecidos” (TIBURI, 2016).
Fascização e a Destruição da Alteridade
Poulantzas distingue o processo de fascização em quatro períodos:
a) O período que vai do início do processo até o ponto de “irreversibilidade”, aqui o fascismo é um fenômeno evitável e resistível, curiosamente não coincide com a chegada do fascismo ao poder, pois a chegada é um último ato formal [como notamos com a Marcha sobre Roma];
b) O período que vai do ponto de irreversibilidade à chegada do fascismo ao poder, aqui destaca-se mais seu caráter político difundido nas práticas sociais que a chegada ao poder em si ;
c) O primeiro período do fascismo no poder, neste momento, o fascismo se vê obrigado a assumir compromissos e ilusões que ainda eram de seu começo;
d) O período de estabilização do fascismo, neste momento, começa a “depuração […] das suas origens de classe, […] o que se manifesta, aliás, em depurações maciças e sangrentas nas suas próprias fileiras (POULANTZAS, 1978, pp. 72-73).
Durante o início do processo de fascização, destaca-se uma radicalização dos partidos burgueses na direção de formas de Estado de exceção, quaisquer que sejam, buscam, sobretudo, um endurecimento do Estado para restaurar sua direção e hegemonia na cena política.
Partidos burgueses que compõem a classe ou frações de classe dominante com sua ideologia, que passa a ser comprada por outras classes, como a pequena burguesia, ou seja, há o domínio e o “cimento” de uma ideologia sobre outras.
Durante este processo, enquanto ainda há a forma “democrático-parlamentar” de Estado, há movimentações institucionais em sistemas paralelos ocultos, “que vai do aparecimento de grupos de pressão e de milícias privadas como núcleos de reorganização política até a instalação de verdadeiros circuitos paraestatais”; e de um “recrudescimento do papel do próprio aparelho de Estado – exército, polícia, tribunais, administração” (ibid., p. 80).
Em suma, há distorção entre o poder real e o poder formal de uma sociedade, há, também, uma crise ideológica e uma ruptura do laço “representantes-representados” que passa a afetar toda a estrutura social que sofre influência das ideologias dominantes e/ou estão em contato com os aparelhos de Estado, direta ou indiretamente.
Por fim, é de enorme importância esclarecer que “o fascismo sobe ao poder de modo perfeitamente constitucional”.
“Hitler e Mussolini chegam ao poder ‘respeitando’ as formas de Estado ‘democrático-parlamentar’”; “o fascismo não teria chegado ao poder sem a ajuda decisiva do aparelho repressivo de Estado na luta travada contra as massas populares”; “o fenômeno de distorção entre poder formal e poder real, manifesta no Estado ao longo de todo o processo de fascização” (ibid., p. 358).
A Construção de uma Memória Coletiva
O fascismo atua pelo medo e pela eliminação do outro.
Primeiramente, acontece a negação do outro, seja no cotidiano em que práticas não sejam “reguladas”, seja no domínio da lei, gerando indiferença, invisibilidade, a construção de um inimigo e, por fim, sua eliminação.
É, em suma, a destruição do exercício da alteridade.
Segundo Michèle Ansart-Dourlen, “o poder de negação do outro não se manifesta apenas pelas ameaças de violência física, mas por uma violência de natureza simbólica – o desprezo aos valores próprios de outras culturas – que pode desencadear um ódio gerador de fanatismo” (ANSART-DOURLEN, 2009, p. 28).
Para isso, evocamos a valorização da memória coletiva sendo construída escovando a história a contrapelo.
A memória coletiva “é uma corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, já que retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de viver na consciência do grupo que a mantém” (HALBWACHS, 1990, p. 82).
Em sua construção, o presente não se opõe ao passado, pois a memória de uma sociedade “estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta” (ibid., p. 84).
Não podemos perder de vista que a “destruição potencial do gênero humano influi e influirá na vida e nos fragmentos da memória, respectivamente, de todas as gerações futuras e passadas”, pois nossa “capacidade de contaminar o presente, o passado e o futuro é incomparavelmente maior que a nossa fraca imaginação moral” (GINZBURG, 1998, p. 216-217 apud DE DECCA, 2009, p. 387).
Retomando o início: violento, idealista, autoritário, bufão, tradicionalista, nacionalista, pequi roído, etc., sob diversas características e variações, o fascismo está presente, talvez a serpente, ao eclodir de seu ovo, tenha deixado outros, e estes, por sua vez, fizeram o mesmo.
O fascismo está à espreita através de mecanismos aqui mencionados – e outros que não foram também.
“Enganar-se atualmente, e ser incapaz de descobrir a realidade de um eventual processo de fascização, não pode ser desculpável, se é que alguma vez o foi.
O fascismo, como, de resto, os outros regimes de exceção, não são ‘doenças’ ou ‘acidentes’: não é só aos outros que acontecem”(POULANTZAS, 1978, p. 385).
Apesar da atualidade do tema, não encerro esse escrito com um sentimento de derrota – de atenção, cansaço, mas também força, sim –, mas finalizo – não o debate – esse trabalho com uma mensagem de Foucault:
“Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária” (FOUCAULT, 1977, pp. XI-XIV).
Nota
[1] Por ‘aparelhos repressivos de Estado’, considera-se:
o exército, a polícia, a administração, os tribunais, etc.
Por ‘aparelhos ideológicos de Estado’, considera-se:
a escola, a igreja, etc.
No entanto, devido a movimentações internas, há ideologia nos aparelhos repressivos e vice-versa, pois sujeitos que os compõem são seres com diversas conexões, culturas e interesses.
* Maurício Brugnaro Júnior é Graduando em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP);
Membro do ‘Laboratório de Pensamento Político’ (PEPOL/Unicamp), e
Pesquisador-Associado do ‘Núcleo Práxis de Pesquisa, Educação Popular e Política’ da Universidade de São Paulo (USP).
Referências Bibliográficas:
ANSART-DOURLEN, Michèle. A noção de alteridade: do sujeito segundo a razão iluminista à crise de identidade no mundo contemporâneo. In: NAXARA, Márcia Regina Capelari; MARSON, Izabel Andrade; MAGALHÃES, Marion Brepohl (orgs.). Figurações do outro na história. Uberlândia, EDUFU, 2009.
DE DECCA, Edgar Salvadori. Alteridade, moral e justiça: as implicações morais da distância, segundo Carlos Ginzburg. In: NAXARA, Márcia Regina Capelari; MARSON, Izabel Andrade; MAGALHÃES, Marion Brepohl (orgs.). Figurações do outro na história. Uberlândia, EDUFU, 2009.
ECO, Umberto. O fascismo eterno [recurso eletrônico] / Umberto Eco ; tradução Eliana Aguiar. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Record, 2018.
FOUCAULT, Michel. Preface in: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, New York, Viking Press, 1977, pp. XI-XIV.
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere: volume secondo, volume terzo. Torino: Einaudi
Editore, 1977. (Edizione critica dell’Istituto Gramsci).
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, Lds., 1990.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA., 1990.
POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura. São Paulo: Martins Fontes, 1978.
TASCA, Angelo. Il fascismo in tempo reale 1926-1938. Feltrinelli Editore Milano, Fondazione Giangiacomo Feltrinelli, Annali Anno Quarantottesimo, 2012, Prima edizione: dicembre 2014
TIBURI, Marcia. O jogo de linguagem fascista. Revista Cult, Home, 24 de janeiro de 2016. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/o-jogo-de-linguagem-fascista/
https://diplomatique.org.br/fascismo-fascizacao-e-memoria-coletiva/
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