Túlio Muniz: Comissão da Verdade em campo minado

Tempo de leitura: 3 min

por Túlio Muniz

Em Maio de 2010, publiquei  no Observatório da Imprensa o artigo “Os cúmplices do silêncio”, dando conta da repercussão negativa, em jornais portugueses e espanhóis, da postura do STF de não permitir revisões à Lei da Anistia.

Agora, a entrevista do Cabo Anselmo ao Roda Vida, de 17 de Outubro, dá dimensão exata ao problema histórico a ser enfrentado pela Comissão da Verdade: a naturalização da repressão da ditadura militar pelo que Saulo Leblon denomina, apropriadamente, de “espetacularização que empresta normalidade a qualquer coisa. Mesmo as mais abjetas”.

De fato, Anselmo esteve mais que a vontade durante o programa, posto que a maioria das arguições eram mais de caráter moral que político e humanitário. No campo da moral, tudo se justifica, tudo se relativiza, mesmo as injustiças. Entretanto, Anselmo, livre,  pesado e solto, personifica a conivência generalizada das instituições públicas e da mídia privada com a ditadura e com a tortura.

Não raro, permanece em todo o país homenagens aos generais ditadores, sejam em avenidas, praças, logradouros públicos, quando não em monumentos gigantescos, como é o caso do mausoléu de Castello Branco, aqui em Fortaleza.  Ainda mais grave é a omissão e inoperância de gestores públicos (políticos e acadêmicos), convivendo mansamente com a celebração daqueles que foram seus algozes ou de seus companheiros e companheiras (em Fortaleza, as homenagens ao cearense Castello Branco não se restringem ao mausoléu).

A permanência da toponímia pela negligência dos gestores é um paradoxo, posto que, quando ocorrem alterações, não há reação popular que reivindique a memória do déspota, como são os casos recentes de dois equipamentos públicos  em Fortaleza, que serão reformulados e deixarão de aludir a Médici e à data do golpe, 31 de Março.

São  bizarros os salamaleques que se rendem a governadores e interventores  biônicos que, absolvidos pela inoperância política e judiciária, não tiveram sequer a dignidade de se colocarem ao julgamento das urnas após 1985, mas permanecem na superfície do poder. Esses antigos próceres da ditadura frequentam as colunas sociais  e são hoje nababescos  empresários e banqueiros, e, como tais, anunciantes e potencial da mídia privada. Para eles, não raro, gestores públicos (alguns nascidos em berços ditatoriais) mantêm  estendidos os tapetes vermelhos dos palácios.

E há aquele tipo de gestor de esquerda resignado que, outrora perseguido, hoje branda suas penas digitais, reivindicando mais polícia contra os movimentos sindicais e sociais, não defendendo a eliminação do porrete, e sim o redimensionamento  do seu comprimento.

Portanto, não é de se estranhar  que tantos governantes se deixem seduzir pelo poder (sadomasoquista?) que têm de declarar carga policial contra as massas.

Entretanto, a mídia, seja nacional ou regional, é igualmente “cúmplice do silêncio” (título de um belo filme argentino), quando, sob pretexto de ser “democrática”, contemporiza abrindo espaço editorial para os tantos  “Anselmos” que insistem em reificar e defender os argumentos da exceção e da barbárie. Aliás, é daí que advém os eufemismos como “ditabranda”, cunhados por veículos (sem trocadilhos com “carros de reportagem”) de quem endossou o regime.

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Urge uma postura crítica permanente, inclusive boicotando eventos em lugares em que predomina a memória dos opressores. Críticas como esta provocam muxoxos nos mais ressentidos direitistas, igualmente na esquerda ambidestra.

Contudo, a História demonstra que a complacência política (e acadêmica) é o que pode fazer ressurgir e sustentar o autoritarismo, no que Weimar e Vichy foram os casos mais evidentes.

É nesse território, pantanoso e putrefato, que se encontra encravada a Comissão da Verdade.

Túlio Muniz é jornalista, historiador, doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal)e professor (temporário) da Universidade Federal do Ceará.

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Comentários

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Lucas

"Contudo, a História demonstra que a complacência política (e acadêmica) é o que pode fazer ressurgir e sustentar o autoritarismo, no que Weimar e Vichy foram os casos mais evidentes."

O problema não é a complacência, quem dera as elites econômicas e políticas da república de Weimar fossem complacentes. Quem dera que as elites políticas e econômicas brasileiras fossem complacentes em 1964. Ao contrário, agitaram pelo fascismo, financiaram o fascismo, nomearam os fascistas para cargos importantes, e quando o inevitável golpe chegou, receberam o fascismo de braços abertos.

FrancoAtirador

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Cristina Fernández faz um chamado à integração sul-americana

“Somos orgulhosamente sul-americanos.
Somos gente da Unasul.
Se conseguirmos uma integração inteligente,
podemos ser protagonistas do século XXI”,
disse a presidenta Cristina Fernández de Kirchner
no ato de encerramento de sua campanha,
quarta-feira à noite, em Buenos Aires.

Ela é favorita para vencer a eleição presidencial no próximo domingo.

A reportagem é de Francisco Luque, correspondente da Carta Maior em Buenos Aires

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMos

    Elza

    Pra vc ver Franco, eleições dom num país do nosso continente, parceiro do Brasil e a mídia Oligárquca caladinha, se fosse nos EEUU, já estaríamos saturados com noticiário tds os dias.

    FrancoAtirador

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    Nem precisamos ir tão longe.

    Nas eleições no Chile e na Colômbia,

    onde a direita entrou como favorita,

    e mesmo no Peru, onde ela via chance,

    a cobertura midiática foi de espetáculo.
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    Mário SF Alves

    Protagonistas do século XXI parece-me um pouco meio demais. Bom, pelo menos nesse cenário de guerra de rapina que está cada vez mais a se impor no mundo. Mas seja como for, enquanto isso o PIG, com mestrado e doutorado em cortina de fumaça, fica estimulando o confronto: Pelé versus Messi. Legal, né? Bom pra quem?

    FrancoAtirador

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    "uma integração inteligente" pressupõe exterminar com a rapinagem financeira.
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FrancoAtirador

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Com essa mídia oligárquica famigliar,

a Verdade, sob todos os aspectos,

está permanentemente em campo minado.
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Maria Libia

"ODEIO AS VÍTIMAS QUE RESPEITAM SEUS OPRESSORES" JEAN PAUL SARTRE.

MARIA LIBIA ASSINA EM BAIXO.

Geysa Guimarães

O autor precisa ser avisado de que o Autoritarismo já ressurgiu, e justamente pelas mãos do relator da Comissão da Verdade.
Ele desconhece governo Aloysio Nunes?
Estou às ordens, venha conhecer a democradura.

Julio Silveira

Não demora o Brasil entra pelos fundos nas cortes internacionais.

reinaldo carletti

eu não consigo entender: essa midia idiota, querendo incendiar o pais, a nossa presidenta, mantendo nos cargos, os inuteis paulo bernardo e zé cardozo, onde ela quer que o pais chegue?
reinaldo carletti

@Gil17

Com a aprovação pelo CCJ do Senado, prossegue o rolo compressor para aprovar o projeto da Comissão da Verdade da forma como saiu da Câmara. Consenso na mediocridade, vejamos o que a Corte Interamericana, da qual o Brasil é signatário, pensa à respeito.
Ver notícia da aprovação em: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania

beattrice

Excelente texto.
em tempo, da Argentina, de onde vem o exemplo preciso de como tratar a mídia golpista – LEY DE MEDIOS – e de como tratar genocidas ditadores – PROCESSO + JULGAMENTO = PRISÃO, vem também o exemplo de como tratar a questão dos logradouros públicos indevidamente nomeados pelos carrascos da democracia.

Túlio Muniz: Comissão da Verdade em campo minado « Quem

[…] http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/tulio-muniz-comissao-da-verdade-em-campo-minado.html Like this:LikeBe the first to like this post. […]

eunice

O problema com esses governos é: a situação do povo é tão grave, e há tanto povo, e há apenas um equilíbrio precário conseguido pela liberação do poder a Lula pelos carrascos, que qualquer desequilíbrio –
e sem Lula – teremos uma população enorme, raivosa e pronta pra briga. E concentrada em cidades, e tendo nada a perder. Não é por menos que o crack se alastra. Quando esse contingente se avolumar suficiente a casa cai, infelizmente em cima de todos.

laurro c l oliveira

A Comissão da Verdade deve esclarecer amiude a parteipação da nossa mídia no golpe e nos malfeitos dos anos de chumbo. Sua participação no motim, no acobertamento das torturas, na obtenção das vantagens econômicas e suas práticas difamatórias, que ainda persistem e parecem clamar por outros golpes no futuro.

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