Laurie Kazan Allen: Jogo de empurra-empurra do porta-aviões São Paulo
Tempo de leitura: 4 min“Jogo de Empurra” do porta-aviões São Paulo
Por Laurie Kazan Allen*
De quem é a responsabilidade da “lata de sardinhas”, flutuante que é o porta-aviões São Paulo?
Com 32.800 toneladas, a antiga embarcação de 266 metros agora se tornou um símbolo da má conduta e criminalidade do governo brasileiro.
A Marinha do Brasil, duplicando as ações de sua contraparte francesa (2000) [1] , esperava livrar-se de uma batata quente tóxica ao empurrar a embarcação para um novo proprietário.
Claramente, a frase latina “caveat emptor” (o risco é do comprador) não fazia parte do léxico da Sök Denizcilik, o estaleiro turco que comprou o São Paulo em 2021 por R$ 10,5 milhões (aproximadamente 2 milhões de dólares), apesar de ser provável da embarcação conter amianto, PCBs, tinta de chumbo/cádmio, bem como vestígios de material radioativo. [2]
O leilão do São Paulo ocorreu sob um manto de sigilo, ao que parece, das autoridades navais em conluio com funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), uma agência federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e que é a autoridade competente da Convenção da Basileia no Brasil.
Dado o embaraçoso e altamente divulgado fracasso do Brasil em se livrar do navio na Turquia, antigos inimigos, bem como antigos aliados, firmaram suas defesas enquanto atacavam as dos outros atores dessa pantomima mortal.
Em um comunicado de imprensa divulgado em 6 de outubro de 2.022, as autoridades navais brasileiras reafirmaram que, por terem “seguido com zelo e prudência os processos e procedimentos administrativos”, não tinham responsabilidade pelos muitos problemas que surgiram.
De acordo com a Marinha do Brasil:
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— coube a Sök Denizcilik, a atual proprietária do navio, fazer o que fosse necessário para “reestabelecer o processo de exportação”;[3]
— a empresa Oceans Prime Offshore, contratada pela Sök Denizcilik, foi responsável pelo cumprimento dos protocolos brasileiros e internacionais; [4]
— o IBAMA e a agência ambiental turca tinham responsabilidades conjuntas com os proprietários turcos do navio para “reestabelecer o processo de exportação”. [5]
A Sök Denizcilik culpou o governo brasileiro por não fornecer um local para o navio atracar quando voltou às águas territoriais brasileiras. Em 5 de outubro de 2022, a Agência de Meio Ambiente de Pernambuco recusou a permissão para o São Paulo atracar no Porto de Suape. [6]
Em vários artigos, um porta-voz da Sök Denizcilik censurou o governo francês, apontando que a França, “o produtor dos resíduos [tóxicos]… está simplesmente ignorando sua responsabilidade”. [7]
Em 6 de outubro de 2.022, um e-mail foi enviado por Celal Yigit, proprietário da Sök Denizcilik, a Juliette Kohler, consultora jurídica e de políticas das Nações Unidas, a funcionários das Convenções da Basileia, Roterdã e Estocolmo e Ministério Francês para o Desenvolvimento Sustentável.
Foi copiado para mais de duas dúzias de outros endereços de e-mail, incluindo os de funcionários dos governos da Turquia, França, Brasil e das Nações Unidas.
O cabeçalho do assunto era: Requisito Urgente de Atracação Segura para o NAe São Paulo. Na mensagem, Yigit reclamou da falta de suporte prático:
“…ninguém está assumindo a responsabilidade, nem ajudando a encontrar um local seguro para atracar o navio. A Marinha sugeriu-nos alguns estaleiros privados, mas todos nos recusaram. Além disso, contatamos vários portos para serviço de atracação, mas nenhum deles está aceitando a embarcação.”
Enquanto isso, em Ancara, o Ministério turco culpou o armador pela falta de um inventário adequado de materiais perigosos. [8]
Com a artilharia apontada para todos os lados (no original em inglês “brickbats flying”), de acordo com nossas informações, não há marinheiros no São Paulo; já a situação da tripulação do rebocador Alp Center – que está no mar há mais de dois meses – foi praticamente esquecida. [9]
Uma investigação foi iniciada este mês pelo Ministério Público do Trabalho do Brasil para avaliar as condições de segurança e saúde a bordo.
Em 7 de outubro, um carregamento de alimentos, água e mantimentos foi entregue por uma lancha ao rebocador a pedido do proprietário holandês da embarcação; o exercício de reabastecimento exigiu uma viagem de sete horas até o Alp Center, que na época está fundeado “em uma área marítima no litoral do estado de Pernambuco”.
Em 10 de outubro de 2022, foi realizada uma reunião organizada pelo MPT para dar andamento às suas investigações. (Nota do tradutor: a empresa Sök Denizcilik novamente não compareceu, não mandou representante e nem justificou ausência).
Comentando a situação atual, a porta-voz da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA), Fernanda Giannasi, disse:
“O sigilo sobre quem está no rebocador do Alp Center é apenas mais uma pergunta à espera de resposta. Desde o início desse fiasco internacional, a Marinha do Brasil e o IBAMA optaram por manter a sociedade civil no escuro sobre o processo licitatório, o cumprimento de protocolos nacionais e internacionais e diversas outras questões relativas à exportação de um navio sabidamente carregado de substâncias proibidas em muitos países. A preocupação dos integrantes da ABREA nos levou a contatar os procuradores do Ministério Público do Trabalho, que agora estão atuando para garantir a segurança dos tripulantes do rebocador. A situação do São Paulo é dramática e, embora um naufrágio no mar possa ser a esperança do armador, criaria um desastre ambiental que deve ser evitado a todo custo”.
11 de outubro de 2.022.
*Laurie Kazan Allen, IBAS- International Ban Asbestos Secretariat/ Reino Unido
Nota do tradutor: as expressões “blame game” (jogo de culpa) e “can of worms” (lata de minhocas), que aparecem no original em inglês, foram adaptadas ao nosso português corrente.
[1] O porta-aviões São Paulo, anteriormente conhecido como Foch, foi comprado pelo Brasil em 2.000 da França por 12 milhões de dólares. A Marinha do Brasil diz que o amianto presente no casco do São Paulo não oferece riscos. 6 de outubro de 2.022. https://www.airway.com.br/marinha-do-brasil-diz-que-amianto-presente-no-casco-do-nae-sao-paulo-nao-oferece-riscos/
[2] Kazan-Allen, L. Mistério Internacional – Cadê o São Paulo? 9 de agosto de 2.022. http://ibasecretariat.org/lka-international-mystery-where-is-the-sao-paulo.php
Kazan-Allen, L. São Paulo: International Hot Potato. 1º. de setembro de 2.022. http://ibasecretariat.org/lka-the-sao-paulo-international-hot-potato.php
[3] Asbestli Gemi Brezilya Açıklarında Bekletiliyor [Navio com amianto retido Brasil]. 9 de outubro de 2.022. https://www.yeniadana.net/haber/asbestli_gemi_brezilya_aciklarinda_bekletiliyor-76342.html
[4] Comunicado de imprensa em PDF. Marinha do Brasil. 6 de outubro de 2022. http://ibasecretariat.org/brazilian-navy-press-release-oct-6-2022.pdf
[5] Ibid.
[6] Pernambuco impede que sucata de porta-aviões com resíduos tóxicos atraque em Suape. 5 de outubro de 2.022. https://marcozero.org/pernambuco-impede-que-sucata-de-porta-avioes-com-residuos-toxicos-atraque-em-suape/
[7] Empresa turca critica governo brasileiro por porta-aviões. 6 de outubro de 2022. https://www.poder360.com.br/governo/antigo-porta-avioes-e-recusado-em-portos-brasileiros/
[8] Marinha do Brasil diz que amianto presente no casco do NAe São Paulo não oferece riscos. https://www.airway.com.br/marinha-do-brasil-diz-que-amianto-presente-no-casco-do-nae-sao-paulo-nao-oferece-riscos/
[9] Não há informações oficiais sobre o tamanho da tripulação ou se há brasileiros no rebocador. Entenda por que o porta-aviões São Paulo corre o risco de acabar abandonado em alto-mar. 7 de outubro de 2.022. https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2022/10/porta-avioes-sao-paulo-retorna-ao-brasil-mas-nao-recebe-autorizacao-para-atracar-em-pernambuco-por-causa-de-risco-ambiental.ghtml
Tripulação do porta-aviões São Paulo recebe mantimentos em alto mar; MPT investiga condições de saúde e segurança dos funcionários. 7 de outubro de 2.022. https://extra.globo.com/noticias/brasil/tripulacao-do-porta-avioes-sao-paulo-recebe-suprimentos-em-alto-mar-mpt-investiga-condicao-de-saude-seguranca-dos-funcionarios-25586515.html
[10] E-mail recebido de Fernanda Giannasi. 10 de outubro de 2.022.
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Comentários
Claudio Silvestre
Como podem falar em conluio das autoridades das nossas forças armadas (Marinha do Brasil), para vender um casco inútil comprado sem critérios pelo governo FHCardoso. Vcs só querem surfar na onda esquerdista do momento.
Alex
O navio é de construção FRANCESA🇫🇷 foi adquirido pelo Governo de FERNANDO HENRIQUE CARDOSO!!pois bem,de quem é a culpa???
JB
Absurda acusação de criminalidade do governo brasileiro. Crime é dar informações falsas, ou fake news como está na moda. Verifique o comunicado emitido pela Marinha do Brasil sobre o assunto. Pelo visto mais uma esquerdista querendo imputar ao Bolsonaro uma culpa que não existe. É o velho papo da esquerda de disseminar notícias falsas.
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