Pedro Augusto Pinho: Nacional trabalhismo e o desenvolvimento do Brasil

Tempo de leitura: 6 min

Da Redação

Em 8 de outubro, publicamos o primeiro artigo da série Contribuições para a defesa da Pátria, do administrador Pedro Augusto para Viomundo.

Título: Golpe de 1964, eleições de 2022 e narrativas da pedagogia colonial.

Em 10 de outubro, postamos o segundo artigo: “Mercado” ou a ignorância ao alcance de todos

Hoje, 14 de outubro, publicamos o terceiro e último artigo (leia-o abaixo) da série Contribuições para a defesa da Pátria, de Pedro Augusto Pinho, que preside a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet).

Segue o texto.

SÉRIE “CONTRIBUIÇÕES PARA A DEFESA DA PÁTRIA”

NACIONAL TRABALHISMO E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Por Pedro Augusto Pinho*, especial para o Viomundo

“Jamais se presenciou no Rio de Janeiro um cortejo fúnebre idêntico ao do presidente Getúlio Vargas”. “O porto-alegrense … mal havia tomado conhecimento dos fatos da violenta madrugada, quando eram anunciadas pelo rádio as edições “extra” da imprensa local e de cima dum automóvel, na Rua dos Andradas, alguém gritava a plenos pulmões: “Getúlio morreu, Getúlio foi assassinado! …”(José Augusto Ribeiro, “A Era Vargas” 3º volume, Casa Jorge Editorial, RJ, 2001).

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Por todo o Brasil, as pessoas sentiam a perda de um parente próximo e querido, as sedes dos partidos políticos opositores de Vargas, de representação diplomática e empresas estadunidenses, até brasileiras que tinham o nome “Americana”, jornais e estações de rádio que combatiam Vargas, como relata, na magnífica “A Era Vargas”, José Augusto Ribeiro, eram alvo da vingança popular, do quebra-quebra, dos incêndios que se seguiram ao suicídio.

Havia a sensação de perda da identidade nacional, da soberania popular, que, como registra o historiador José Augusto Ribeiro, impediu que se confirmasse a primeira página do jornal carioca Diário de Notícias (28/08/1954), reproduzindo a notícia do autorizado porta-voz do capital estrangeiro, Wall Street Journal, publicada na véspera: “Funcionários americanos predizem que Café Filho pode eventualmente abrir a possibilidade de investimentos de interesse estrangeiro nas indústrias do petróleo e da energia elétrica no Brasil”.

Getúlio Vargas teve a seu lado a intelectualidade da época, das mais variadas tendências – autoritárias e democráticas, liberais e nacionalistas, conservadores e progressistas. E foi forjando, com sua inteligência política e preparo teórico, uma doutrina inteiramente brasileira, o nacional trabalhismo.

Naquela passagem do século 19 para o século 20 da infância, adolescência e juventude de Getúlio (19/04/1882), muitos pensamentos políticos, muitas ideologias conflitantes, constituíam associações e partidos na Europa, que repercutiam nas Américas.

Cresciam a industrialização e a classe operária, o imperialismo monárquico tomava o rumo econômico, as ideias libertárias, sufragistas, empolgavam a juventude e intimidavam a burguesia bem estabelecida, o nacionalismo, o socialismo, e os filhos do iluminismo francês, se espalhavam nas teorias do Estado, do direito e nas novas ciências do comportamento.

O Rio Grande do Sul fora palco de movimentos que mobilizaram todo Estado e obrigaram definições, como a Revolução Farroupilha. Destes, saíram lideranças que fizeram daquele Estado um laboratório político.

As consequências econômicas dos embates militares e políticos foram benéficas para os gaúchos, no sentido que não houve a concentração de renda que se observou no nordeste e no leste do Brasil. Muito contribuiu para essa situação o fluxo migratório e o fim da escravidão, antes mesmo da libertação de 13 de maio de 1888.

Existe copiosa literatura, nacional e estrangeira, sobre as “guerras do sul”, pelo que nos eximimos de ampliar este tópico, fazendo unicamente referência ao positivismo que impressionou a oficialidade militar republicana brasileira e chegou à divisa de nossa bandeira.

Guerreiro Ramos, na “Apresentação” da obra de Inácio Rangel, “Dualidade Básica da Economia Brasileira” (ISEB, RJ, 1957), escreve: “A dualidade não é apenas uma lei de nossa economia, mas da sociedade brasileira em geral. É fácil compreender como a categoria de dualidade tornou obsoleta a teoria sociológica da transplantação, vigente no Brasil até bem pouco tempo”.

Adiciona o sociólogo e teórico da administração brasileiro, “organizada para complementar a economia exterior, a economia brasileira, no tocante às suas relações externas, está sempre em nível superior ao das suas relações internas. Atualmente (década de 1950), a dualidade básica de nossa economia consiste em que, dentro dela, predomina o capitalismo liberal e, nas relações com o mundo de fora, prevalece o capitalismo de Estado”.

O então capitão Severino Sombra, em “As duas linhas de nossa evolução política” (Zelio Valverde Livreiro-Editor, RJ, 1941), opõe, na política brasileira, a liberdade à nacionalidade, sendo a primeira “revolucionária” e a segunda a “reação orgânica”.

O liberalismo revolucionário, primo irmão do federalismo, se contrapõe ao centralismo do poder moderador.

Seus recursos seriam o Rei, os Presidentes das Províncias, o Chefe de Polícia e a Magistratura, aos quais Sombra adiciona o “Recrutamento”, que “permite ao poder central atuar sobre os elementos locais de dissolvência, sobre a turbulência das zonas rurais, sobre o banditismo das regiões sertanejas, sobre as tropelias da caudilhagem territorial”, e a Guarda Nacional.

Nossa história, analisada por dois colaboradores de Vargas — o civil Inácio Rangel e o militar Severino Sombra, com percepções distintas — tem a mesma conclusão bipolar de nossa economia, de nossa política e de nossa sociedade.

E, o mais curioso, é o nacionalismo, que impulsionou as gestões de Getúlio Vargas, do governo provisório, em 1930, ao eleito pelo povo, em 1951, ser visto como conservador e autoritário, enquanto o poder colonial, estrangeiro, se apresenta como liberal e revolucionário.

Sem dúvida, a história do Brasil é uma enciclopédia da pedagogia colonial, que muito tem facilitado a ação dos entreguistas e dificultado a dos poucos governos nacionalistas.

A bipolaridade da guerra fria, que tomou metade do século 20, prejudicou muito a compreensão das sutilezas políticas e as opções regionais e nacionais.

A Conferência de Bandung, reunião de 29 países asiáticos e africanos, na Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955, objetivando a criação de terceiro movimento internacional, fora da dualidade capitalismo x socialismo, ou, ainda menos ampla, das disputas entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), teve estas duas superpotências na oposição. E acabou fracassando.

O Brasil, como todo mundo pós Consenso de Washington, vive a crise do financismo estéril, da concentração de renda e da demografia.

The Lancet, das mais antigas e conhecidas revistas médicas do mundo, publicada semanalmente pela Elsevier, no Reino Unido, apresenta o prognóstico das Nações Unidas que haverá 11 bilhões de pessoas em 2100.

Esse encolhimento se dará pela drástica redução da taxa de fertilidade na África Subsaariana e das populações na Ásia, Europa Central e Oriental. Especificamente, os demógrafos calculam que as populações minguarão pela metade em 23 países, incluindo Espanha, Japão, Tailândia, Itália, Portugal e Coreia do Sul.

Além disso, outros 34 países terão grande redução de habitantes, incluída a China, que passaria de 1,4 bilhão para 732 milhões de habitantes.

O Brasil, hoje com aproximadamente 210 milhões de habitantes, chegaria ao pico de 235 milhões, em 2043, para cair a 164,75 milhões, no final deste século.

A África, segundo o artigo, freará seu crescimento mais rapidamente do que a ONU previa, mas, ainda assim, triplicará sua população. Isso provocará, entre outras coisas, que a Nigéria se transformará numa potência global, em 2100, com quase 800 milhões de habitantes, atrás apenas da Índia (um bilhão) e à frente da China no pódio da população mundial.

Entre os 10 países mais populosos do mundo no final do século haverá cinco africanos (Nigéria, República Democrática do Congo, Etiópia, Egito e Tanzânia), enquanto Brasil, Bangladesh, Rússia e Japão deixariam essa lista.

Permanecem Indonésia e EUA, embora o caso estadunidense dependa muito de resgatar a sua política imigratória do último século, e não a da gestão Trump.

“As políticas liberais de imigração nos Estados Unidos sofreram um revés político nos últimos anos, o que ameaça seu potencial para manter o crescimento econômico e populacional”, afirma a matéria.

Essa é a chave e a principal moral da história: os países que apostarem de forma decidida na imigração como política de longo prazo sairão fortalecidos. França, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia mantêm e reforçam sua população, sua influência e seu posto na economia global nas próximas décadas, graças, em grande medida, a esse investimento em população de origem estrangeira.

“Alguns países manterão suas populações através de políticas de imigração liberais e políticas sociais que amparem mais as mulheres que trabalham e alcançam o tamanho de família desejado. É provável que estes países tenham um PIB maior do que outros países, com os diversos benefícios econômicos, sociais e geopolíticos de uma população ativa estável”.

O Brasil vem aprofundando a política neoliberal, com predomínio do “mercado financeiro”, encolhimento do Estado, com privatizações, alienações e encerramento de atividades, descuidando do futuro.

Como se lê na revista médica do Reino Unido, esta onda neoliberal promoverá novas hegemonias e geopolíticas.

O Brasil, ao trocar o nacional trabalhismo pelo globalismo financista, vem perdendo posição no mundo multipolar euroasiático, que parece se transformar em afro-asiático.

Temos dimensão territorial, fontes de energia primária, terras férteis, água doce e insolação que nos dariam posição de destaque no mundo.

Só que isso não ocorre devido à política de conteúdo colonial, criticada por Inácio Rangel, Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Cibilis da Rocha Viana, entre outros estudiosos da nossa realidade econômica e social.

Nestas eleições de 2022 não comparece a Questão Nacional. O debate, verdadeiramente alienado quanto a nossas necessidades de soberania, desenvolvimento tecnológico e cidadania, se contentou com questões identitárias, religiosas e éticas.

Faltaram partido político e liderança que impulsionasse a defesa nacional, para ocupar o espaço que nossa condição territorial e populacional permite e exige, no mundo multipolar. O que esperar?

*Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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