Por que tantos pesquisadores estão desistindo da carreira acadêmica em universidades no Brasil e no exterior?
Tempo de leitura: 5 minDesmonte do ensino superior
Uma onda de desistências: o desgosto generalizado nas universidades
por Marcelo Vinicius Miranda Barros, no Le Monde Diplomatique Brasil
A revista Nature publicou recentemente um artigo com o título “Has the ‘great resignation’ hit academia?”.
Em tradução livre, “por que tantos acadêmicos decidem deixar a carreira acadêmica?”.
Esse tema também foi postagem em uma rede social de Yasmin Haddad, doutoranda em Filosofia pela McGill University.
Assim como Yasmin Haddad, vários pesquisadores acadêmicos devem se identificar com essa questão que, pelo visto, não é só uma realidade brasileira.
O artigo denuncia uma onda de desistências, muitas delas de pesquisadores em meio de carreira, chamando a atenção para o descontentamento generalizado nas universidades.
Por exemplo, Christopher Jackson twittou que estava deixando a Universidade de Manchester, no Reino Unido, para trabalhar na Jacobs, uma empresa de consultoria científica.
Jackson, um geocientista proeminente, faz parte de uma onda crescente de pesquisadores que usam a hashtag #leavingacademia ao anunciar suas demissões do ensino superior.
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Como muitos, seu descontentamento se agravou em parte devido às crescentes demandas do ensino enquanto professor e pressão para ganhar subsídios em meio a pandemia da Covid-19.
Segundo a Nature, as demandas acadêmicas aumentaram o descontentamento entre os pesquisadores que precisam trabalhar mais e mais para competir por um número cada vez menor de cargos permanentes nas universidades.
O nível de infelicidade entre os acadêmicos foi refletido na pesquisa anual de carreiras de 2021 da Nature.
Pesquisadores em meio de carreira estavam mais insatisfeitos do que acadêmicos em início ou fim de carreira.
“Para indivíduos em meio de carreira que estão saindo, evidencia algo muito mais significativo se eles têm uma hipoteca, carro e filhos”, diz Jackson.
Karen Kelsky viu também as condições acadêmicas se deteriorarem nos 12 anos desde que a antropóloga deixou seu cargo na Universidade de Illinois para se tornar uma coach de carreira. As queixas incluem falta de apoio, aumento da carga de trabalho, aumento da hostilidade da direita em relação aos acadêmicos e salários que não acompanharam o custo de vida.
No início de 2021, Kelsky, vendo uma mudança dramática no descontentamento, criou o The Professor is Out, um grupo privado no Facebook para profissionais de ensino superior compartilharem conselhos e apoio para aqueles que estão deixando a academia. Esse grupo cresceu para mais de 20 mil membros no ano passado.
“O que é incrível é quantos deles são titulares”, diz ela. “A narrativa esmagadora é que as pessoas são mais felizes quando saem da academia”.
O ensino superior não escapou da “grande demissão” – a onda internacional de demissões de trabalhadores que começou em 2021, incluindo um recorde de 47 milhões de residentes nos EUA e 2 milhões no Reino Unido, em grande parte por causa das consequências da pandemia de Covid-19 e salários estagnados.
A Nature conversou com mais de uma dúzia de pesquisadores que deixaram a academia, que descrevem ambientes de trabalho tóxicos, bullying e falta de consideração por sua segurança e bem-estar como fatores em suas decisões.
A Nature também afirma que pesquisadores estabelecidos podem ter o privilégio de sair voluntariamente, mas muitos não têm certeza de como suas habilidades se traduzirão em outros setores.
Outros que enfrentam o racismo sistêmico e o sexismo estão sendo forçados a sair, em parte devido ao preconceito estrutural. Suas saídas ameaçam o progresso na diversidade, equidade e inclusão na força de trabalho acadêmica.
A Austrália passa por algo semelhante. “Agora, estamos vendo muitas pessoas procurarem trabalho em outros lugares ou se aposentarem, quando podem”, diz Lara McKenzie, antropóloga da Universidade da Austrália Ocidental em Perth.
Brasil
Em relação ao Brasil, o problema só piora: verbas para pesquisas de 2012 para 2021 sofreram uma redução assustadora de 84%, ou seja, de R$ 11,5 bilhões para R$ 1,8 bilhão, em valores atualizados pela inflação, segundo Jornal da USP.
“A pós-graduação é a base na qual se sustenta a produção intelectual brasileira, inclusive a produção científica”, afirmou Chaimovich, professor da USP e coautor de um relatório especial da Unesco sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo.
Ao sancionar o orçamento de 2021, o governo federal manteve o bloqueio de parte expressiva dos valores do FNDCT, ignorando a lei aprovada pelo Congresso em 2020 que proibia novos contingenciamentos, segundo revista Pesquisa Fapesp, que é editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Assim, milhares de pesquisadores brasileiros inscritos no edital do CNPq de doutorado e pós-doutorado de 2020 não receberam bolsas para conduzir as pesquisas.
“Sem a bolsa não tem como sobreviver, visto que a dedicação é exclusiva”, explica o doutor em Química Glauco Meireles, para BBC News Brasil.
Já Gabriela Lopes, de 29 anos, tem feito trabalhos como ilustradora e corrigido textos para garantir renda após não conseguir bolsa. Ela que tem doutorado em Literatura e Cultura, faz trabalhos informais de ilustração digital e corrige trabalhos acadêmicos. Gabriela avalia que consegue, no máximo, R$ 1 mil por mês com essas ocupações. “Mas não é (um valor) certo”, diz ela.
Em 2020, Meireles, de 31 anos, havia ficado desempregado. Por alguns meses, ele usou as economias que guardara ao longo dos últimos anos.
“A gente que faz mestrado e doutorado na área de pesquisa científica tem vontade de continuar. Como são pouquíssimas empresas que reconhecem a importância dessa área e investem nela, a gente fica dependente das agências de fomento estadual e federal, que estão com orçamento cada vez menor”, diz o pesquisador.
“A minha última bolsa acabou em dezembro de 2020. Consegui dar apenas um curso online em março. Portanto, dependo dos recursos economizados ao longo dos anos, além do apoio familiar e do companheiro. Porém, aos 50 anos, convenhamos que isso é humilhante”, desabafa Luiza Alvim, com pós-doutorado. Mesmo com parecer positivo no edital de 2020 do CNPq, ela não conseguiu bolsa.
Segundo BBC News Brasil, o cientista político Luis Fernandes, ex-presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), afirma que “é a crise mais grave no setor desde as décadas de 1950 e 60, quando começou o fomento à ciência e tecnologia. Ao longo da trajetória, houve um período de altos e baixos, mas nunca houve uma crise como a atual. É um colapso do sistema”.
Jess Leveto, socióloga da Kent State University, ouve queixas semelhantes nos Estados Unidos.
“Durante muito tempo, as pessoas investiram na mentalidade do trabalhador ideal de ‘vou produzir o máximo que puder e mostrar a eles que sou uma boa funcionária’, mas o cuidado não foi correspondido”, diz ela.
Uma pesquisadora de psicologia de uma universidade da Costa Oeste dos Estados Unidos, que pediu anonimato, chora ao explicar como sabia que não se tornaria professora: “atuando durante os estágios iniciais da pandemia e quarentena, sem apoios estruturais significativos para compensar os desafios”.
Em janeiro de 2022, ela começou a enviar currículos para cargos no setor que pagam o dobro de seu salário. Em algumas áreas graduandos e pós-graduandos muitas vezes não recebem bolsas. “Minha pesquisa acontece por causa do trabalho gratuito”, diz.
Assim como Yasmin Haddad, consideramos importante dar destaque a essa matéria da Nature, como ainda, em nosso caso, a da revista Pesquisa Fapesp, BBC News Brasil e Jornal da USP, pois muitas pessoas também compartilham dessas inseguranças no mundo acadêmico que, em resumo, refere-se à falta de estabilidade em contratos cada vez mais curtos e com a escassez de contratos de longo prazo; a diminuição de cargos permanentes para professores levando a uma precarização cada vez maior; os salários defasados quando comparados com os salários da indústria (que, como afirma Haddad ironicamente, depende de pesquisas acadêmicas); a acumulação de tarefas de natureza administrativa deixando pouco tempo e dinheiro para pesquisa acadêmica; as condições incertas, sobretudo para mulheres que gostariam de conciliar maternidade e carreira; o sexismo, a discriminação e a exclusão.
*Marcelo Vinicius Miranda Barros é doutorando em Filosofia pela UFBA e autor do livro ‘Do reconhecimento ao corpo: diálogos entre Sartre, Hegel e Honneth’ (UFPel, 2021).
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Comentários
Zé
Em 1988, a bolsa de mestrado foi definida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia como 70% do então salário de um professor assistente. Mesmo os governos petistas pouco fizeram para retomar estes valores. Adicionalmente, os salários dos docentes das ifes estão congelados e completamente defasados.
Zé Maria
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“Medo e Superstição no Brasil Contemporâneo”
“O autoritarismo pesa sobre a ‘verdade’
que é imposta aos ‘irmãos’ eleitores”
Por Kelen Vanzin (*), no Le Monde Diplomatique
O discurso religioso toma conta do cenário político e dá o tom
neste início de campanha presidencial de 2022 no Brasil.
Durante convenção do PL, em 24 de julho, que lançou
Jair Bolsonaro à reeleição, chamou a atenção o enunciado:
“liberdade, verdade e fé pelo bem do Brasil”.
Na ocasião, Bolsonaro iniciou seu discurso afirmando:
“obrigado meu Deus pela minha 2ª vida
e pela missão de ser presidente dessa nação”.
Na sequência, a primeira-dama Michelle Bolsonaro anunciou:
“ele é um escolhido de Deus, ele é um escolhido de Deus”,
enquanto resgatava em seu discurso a saga do atentado sofrido
por Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), em 2018, a rotina do casal
no Palácio do Planalto e suas orações no gabinete da Presidência.
A depender da campanha de Bolsonaro, os discursos religiosos
serão cada vez mais fervorosos em nome de “Deus” e
o maniqueísmo tomará conta das eleições presidenciais.
O vazio argumentativo piora ainda mais o cenário
já precário e polarizado.
A política do Brasil do século XXI parece regressar à época
do poder sagrado dos reis medievais e sua unção.
Em seu “Tratado Teológico-Político”, o filósofo Spinoza relaciona o medo
à superstição diante da incerteza dos acontecimentos, o que faz os homens
oscilarem.
Ele é a causa que origina, conserva e sustenta a superstição,
argumenta o filósofo:
“Todos eles, designadamente quando correm perigo
e não conseguem por si próprios salvar-se,
imploram o auxílio divino com promessas e lágrimas
de mulher, chamam cega à razão (porque não pode
indicar-lhes um caminho certo para as coisas vãs
que eles desejam) e vã à sabedoria humana;
em contrapartida, os delírios da imaginação,
os sonhos e as extravagâncias infantis,
parecem-lhes respostas divinas.”
(SPINOZA, 2004, p. 126)
O medo é uma grande base para o autoritarismo.
Em “Origens do totalitarismo”, Hannah Arendt (2013)
aprofunda o entendimento da relação entre ideologia
e terror como uma nova forma de governo,
um sistema totalitário, em que há o domínio total
do poder por um único superpartido e pela figura
de um ditador, o Líder, que exerce um monopólio
de poder, cujas ordens devem ser sempre obedecidas
tanto no partido (espécie de organização de propaganda
de governo) quanto no Estado como ocorrido nos
governos de Hitler e Mussolini.
No Brasil, passados mais de trinta anos desde a redemocratização,
a ideologia autoritária de extrema-direita regressou ao poder
trazendo medo e superstição como estratégia.
Já, no primeiro dia de campanha, 16 de agosto, em Juiz de Fora,
Bolsonaro espalhou a volta do socialismo/comunismo no Brasil
e Michelle apelou para o “milagre” que ocorreu com o marido.
Medo, superstição, desinformação ganham, cada vez mais,
espaço na esfera pública.
O enunciado de campanha “liberdade, verdade e fé pelo bem
do Brasil” leva a muitos questionamentos.
De acordo com a Análise de Discurso materialista de Pêcheux,
as palavras assumem diferentes sentidos e direções
conforme as condições de produção e os interesses em jogo.
Assim, terá o item lexical “liberdade” o mesmo efeito de sentido
para Bolsonaro e para o PL? Partido este que lhe acolhe no
momento e que destaca em seu programa a realização
de uma sociedade livre, pluralista e participativa.
Desde seu discurso de posse em 2019, Bolsonaro se propõe
a exterminar seus adversários, vistos como inimigos,
cujas ideologias devem ser “varridas”.
O autoritarismo pesa sobre a “verdade” que é imposta aos “irmãos” eleitores:
“é só você obedecer, obedecer aos mandamentos do Senhor,
orai pelas autoridades instituídas, e tudo vai dar certo”, garante a primeira-dama.
Basta ter fé em Bolsonaro, pois ele é o “escolhido de Deus”.
A imposição da cegueira e da fuga da razão ao povo brasileiro
por meio do discurso autoritário-religioso
busca o seu enraizamento no poder de Estado,
por ora com o projeto de reeleição.
(*) Kelen Vanzin, jornalista, é doutoranda em Linguística (PPGLETRAS-UFPR).
Referências
– SPINOZA, B. “Tratado Teológico-político”. Trad: Diogo Pires Aurélio.
3ª edição. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004.
– Discurso de Bolsonaro – convenção do PL, 24/07/2022. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/eleicoes/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-no-maracanazinho/.
– Discurso de Michelle Bolsonaro – convenção do PL, 24/07/2022. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/eleicoes/leia-e-assista-ao-discurso-de-michelle-na-convencao-do-pl/.
(http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_arendt_origens_totalitarismo.pdf)
https://diplomatique.org.br/medo-e-supersticao-no-brasil-contemporaneo/
Zé Maria
Desde 2019, o Desgoverno Bolsolão faz a Apologia da Ignorância
Perseguindo Cientistas nas Universidades e estrangulando as
Verbas Destinadas à Pesquisa em Ciência e Tecnologia.
Os Fascistas Bolsonaristas são Obscurantistas Medievalescos.
Zé Maria
Falta pouco para o Bolsolão promover
a “Festa da Incineração dos Livros e da
Destruição de Laboratórios de Pesquisa”
https://www5.pucsp.br/neamp/downloads/artigo-apologia-da-ignorancia-e-os-riscos-para-a-democracia.pdf
https://www.rfi.fr/br/fran%C3%A7/20200127-bolsonaro-faz-apologia-%C3%A0-ignor%C3%A2ncia-afirmam-historiadoras-no-jornal-le-monde
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